Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

10 de dezembro de 2010

D. Dinis e seu irmão

D. Dinis é visto como um rei sábio e justo, amante da poesia e dos prazeres da vida. E, no entanto, como diz o texto da contracapa do meu romance: "A tragédia também assolou a sua alma, primeiro foi o conflito armado com o irmão, no final da vida, a dilacerante guerra com o seu próprio filho herdeiro".

É curioso verificar que os dois acontecimentos que mais ensombraram o seu reinado tiveram, como protagonistas, os seus parentes mais chegados: o irmão e o filho (que, por acaso, tinham o mesmo nome). A tradição dá-lhes mau génio, apelida-os de mal agradecidos, ilibando D. Dinis de qualquer culpa. Mas seria simplista demais considerar que o monarca tenha sido apenas vítima.

Deixo o filho para outra altura e falo hoje no irmão. Nas pesquisas sobre D. Dinis, é comum ler-se uma certa perplexidade em relação ao facto de D. Afonso, por três vezes, se ter revoltado contra o irmão rei e de todas ter sido perdoado. Magnanimidade infinita por parte de D. Dinis? Eu penso que seria, por um lado, compreensão pela condição de filho segundo, por outro, o acreditar que D. Afonso nunca lhe poderia ser realmente perigoso. E acrescentei ainda a vontade dos pais de D. Dinis em que ele proteja o irmão.

Numa passagem do romance, em que os dois ainda são infantes (14 e 16 anos), numa altura em que cavalgam para uma caçada, lê-se o seguinte:

 
O príncipe herdeiro observou o mais novo de soslaio. Afonso cavalgava casmurro e mal disposto a seu lado, mas era curioso constatar que, com os seus cabelos e olhos escuros, era parecidíssimo com o pai. O que levava muita gente a dizer que usufruía de compleição real…
No fundo, Dinis tinha pena dele. Havia de ser uma cruz bem pesada, essa de saber que nunca chegaria a rei, apesar de ser filho de um. Ele próprio, vendo-se nessa situação, aceitaria o seu destino? Ou lutaria pelo trono? Naquele momento, pareceu-lhe impossível viver como filho segundo e deu graças a Deus por não o ser.
            Pobre Afonso!


Noutra passagem, D. Afonso III, sentindo a morte a aproximar-se, faz recomendações ao seu herdeiro de 17 anos, entre outras:


- E não olvides cuidar de Afonso!
Dinis hesitou, mas inquiriu cauteloso:
- Achais mesmo que posso confiar nele?
- Mas claro, ele é teu irmão!
O príncipe achou aquele argumento muito fraco. A História da Cristandade estava cheia de casos de irmãos mais novos que cobiçavam o trono dos herdeiros, cometendo traições e crimes. Como é que seu pai, um monarca tão astuto e com tanta experiência de vida, podia dar resposta tão ingénua àquela questão? Só podia ser por se tratar de dois filhos dele. Dinis insistiu:
- Não sei, o Afonso é… tão fechado, tão misterioso…
Beatriz resolveu intervir, o que Dinis aliás já calculava. E, como sempre, defendeu o filho mais novo:
- Afonso só há mister de alguém que tome conta dele, alguém que o oriente, que lhe indique o caminho a seguir. Se o souberdes levar, ele não vos causará dissabores.
- De resto - acrescentou o pai, - mesmo que ele se ponha com ideias, não te será custoso pô-lo na linha.
- Só há mister de saber levá-lo - insistiu a mãe.
            Dinis suspirou conformado. Sabia que não valia a pena contrariar os pais naquele assunto.

E, quer queiramos, quer não, o que nos é incutido pelos nossos pais acaba por nos influenciar durante toda a vida. Para o bem e para o mal... 

(Para ler mais excertos do romance, clique na etiqueta Citando o Lavrador).

3 comentários:

antonio ganhão disse...

O conselho do pai foi sábio, devemos sempre tomar conta dos nossos inimigos, é a via mais segura.

Cristina disse...

Ponto de vista interessante...

Daniel Santos disse...

não esquecer de passar no 2711 amanhã de manhã.