Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de janeiro de 2011

D. Dinis e o Mosteiro de Odivelas



O túmulo de D. Dinis encontra-se em Odivelas, na igreja do mosteiro de São Dinis, que o monarca mandou construir em 1295. É curioso verificar que D. Isabel, falecida 11 anos depois do marido, não desejou ficar ao lado dele, no seu repouso eterno. Bem, é verdade que ela se dedicou de alma e coração à recuperação do mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, e lá viveu recolhida depois de enviuvar.

Nesta minha referência ao mosteiro, onde se encontram os restos mortais de um dos mais importantes monarcas medievais portugueses, apresento o lançamento da primeira pedra, em Fevereiro de 1295, assim como está no romance:


A 27 de Fevereiro do ano seguinte, deu-se lugar à cerimónia do lançamento da primeira pedra do mosteiro de São Dinis, em Odivelas, uma planície atravessada por um riacho, duas léguas a norte de Lisboa, entre três pequenos montes: Luz, Togais e São Dinis. Seria construído um imponente edifício, que abrigasse cerca de oitenta monjas, que, como os frades de Alcobaça, pertenceriam à Ordem de São Bernardo.



Ao mosteiro a ser construído, Dinis doava todos os bens que possuía em Odivelas: vinhas, pomares, hortos, moinhos e azenhas, além de uma capela, casas e edifícios, onde a comunidade viveria durante a construção do convento. Também lhe doava outros bens na Charneca, em Pombeiro, Xabregas e Alenquer, incluindo o padroado da igreja de Santo Estêvão daquela vila. E, abrindo uma excepção nas leis de desamortização que ele próprio promulgara, autorizava a nova instituição a herdar os bens de raiz das suas monjas.
No seu discurso, o monarca referiu que aquele mosteiro seria construído

especialmente em honra e louvor de São Dinis e de São Bernardo, pelas nossas almas e dos Reis que antes de nós foram, e em remissão dos nossos pecados e dos nossos sucessores, fundamos e fazemos de novo em a nossa câmara de morada, que nós havíamos no termo da nossa cidade de Lisboa, no lugar que é chamado de Odivelas.

29 de janeiro de 2011

28 de janeiro de 2011

Boas e más leituras

As Leituras da Fernanda

Os livros possuem a grandeza de um mundo por descobrir. Há quem leia para mergulhar na fantasia, há quem o faça, a fim de meditar sobre questões mais ou menos filosóficas, outros encantam-se com a beleza das frases, ainda outros fazem-no por necessidade (estudos, pesquisa, etc.)...

Os livros tornaram-se num negócio, como qualquer outro, o principal objectivo das editoras é fazer dinheiro. Há livros bons e livros maus? Sem dúvida. Como há boa e má música. Alguns livros nunca deveriam ser publicados, assim como certos CDs. Mas a fronteira entre uns e outros é, por vezes, muito ténue. Um livro que esteja escrito numa linguagem simples e acessível é forçosamente mau? E se tiver, por exemplo, um argumento bem estruturado, com personagens profundas e credíveis?

Os americanos são, nesse aspecto, mais flexíveis do que os europeus. Sol Stein, autor de romances, guiões para televisão e dramaturgo da Broadway, é mais conhecido fora dos Estados Unidos pelos seus livros sobre escrita criativa e conselhos a "candidatos a autores". Diz-nos ele que um escritor de romances tem duas hipóteses: ou é um mestre na arte das palavras, conseguindo escrever um livro quase sem argumento, mas que nos encanta pelos seus pensamentos e pela maneira como descreve sentimentos e/ou situações; ou, na falta desse talento, é alguém que possui uma grande imaginação e que constrói uma história que surpreende e encanta o leitor a qualquer momento, prendendo-o do princípio ao fim.

Resguardo, André Letria


Em Portugal (seguindo a tradição europeia), ainda se desvaloriza a imaginação em detrimento da linguagem eloquente. Mas as opiniões vão mudando.

Maria do Rosário Pedreira, editora da Leya, no seu blogue Horas Extraordinárias:

João Bonifácio, citado na OML nº 85, de Março de 2010, a partir de declarações que fez à Ípsilon:
A literatura portuguesa sofre ainda da arte de esgadalhar frases de efeito (...), ou da grande inquirição existencial, ou da grande Ideia.

OML sobre Stephenie Meyer (nº 83, Janeiro de 2010):
Não é um primor de escrita (e isto não é preconceito, é conhecimento de causa), nunca poderá almejar a grandes prémios literários ou a um reconhecimento entre os seus pares que cultivam o estilo e a arte de juntar palavras (...) Os mais exigentes dirão que de pouco vale esta aproximação à leitura. Nós, pelo contrário, achamos que criar hábitos de leitura é de longe o mais importante.

Stephenie Meyer, à semelhança de J. K. Rowling, é dona de uma grande imaginação. Esse mérito tem que lhe ser dado, esse talento reconhecido.

E aqui para nós: quem vende milhões de livros, quem os vê adaptados ao cinema em grande estilo, para que precisa de um Prémio Nobel?

26 de janeiro de 2011

Relativizar



Devíamos estudar todos os dias astrofísica, para nunca nos esquecermos da insignificância dos nossos problemas.

A propósito deste post publicado pela Namorada de Wittgenstein, lembrei-me de uma entrevista a um astronauta alemão, que vi na TV.

Já foi há algum tempo, não me lembro das palavras exactas dele, mas, perguntado sobre a sensação que era ver a Terra ao longe, ele contou algo do género: "ao ver o nosso planeta do Espaço, claro que nos damos conta de como somos pequeninos, irrisórios e, acima de tudo, de como os nossos problemas são mesquinhos. Porquê irritar-se com o vizinho? Com a política? Se o dinheiro chega, ou não, para comprar o carro que desejamos? Alguns dias depois de regressar à Terra, a minha filha de quatro anos veio ter comigo a chorar, porque não sabia onde estava o seu ursinho de peluche favorito. Deveria dizer-lhe que essa sua preocupação era ridícula, quando comparada com o Cosmos? Claro que não. Dei comigo a perder o meu precioso tempo à procura do ursinho de peluche".



Tudo isto me levou a escrever sobre o tão apregoado "relativizar". Acontece que não sou grande apologista desta prática. Quer isso dizer que acho que nos devemos irritar por "dá cá aquela palha"? Também não. A verdade é que só se irrita com "bagatelas" quem se sente infeliz, para quem a vida nada mais é do que um grande vazio. E não é ridicularizando essas pessoas que as ajudamos, porque isso só contribui para diminuir a sua auto-estima.

O relativizar pressupõe o desvalorizar e/ou o ignorar de algo que nos preocupa ou atormenta. O que leva ao seu recalcamento. Por mais trivial que seja a razão, é importante criar empatia e compreensão pelos problemas (dos outros e dos próprios). Mesmo que nos pareçam irrisórios. Ao relativizar algo, temos a sensação que estamos a aliviar uma pessoa (ou nós próprios) do problema, mas fazemos o contrário: mostramos incompreensão, transmitimos a mensagem: tu és ridículo/a, só te preocupas com bagatelas. Isto envergonha-nos, o que diminui a auto-estima. E a auto-estima é a base onde assenta a nossa felicidade.


O relativizar pode mesmo tornar-se numa prática perigosa, ao contribuir para o ignorar de problemas sérios, como expressou Fernanda Matias, num comentário a um post sobre essa grande e grave doença que é a depressão, publicado por Laurinda Alves no seu blogue: Quem está à volta tantas vezes relativiza : é do inverno, é do trabalho... Importante mesmo é estar atento e não subvalorizar os sinais ou consequências.


Por isso, pense duas vezes, antes de começar a relativizar. Seja consigo mesmo, ou com os outros, principalmente, com crianças.

23 de janeiro de 2011

Opinião Afonso Henriques

Aqui transcrevo algumas linhas da opinião da Carla Ribeiro sobre Afonso Henriques, o Homem, expressada n'As Leituras do Corvo:

Afonso Henriques enquanto homem, capaz de sentir, de errar e de amar, como qualquer outro ser humano. E é esse lado do rei, essa figura do homem em luta por um sonho maior que ele próprio, que autora apresenta neste romance. (...) desde uma abertura intensa que cria para com ele uma empatia quase imediata, aos momentos em que o seu temperamento se manifesta, passando por rasgos de sensibilidade que servem também para mostrar o seu lado humano e, como tal, por vezes vulnerável. (...) dividido entre a necessidade de sentir (esta particularmente evidente nas situações ligadas aos filhos, legítimos e ilegítimos) e a força que dita, pelo bem de um sonho maior, que o orgulho deve prevalecer.

Aproveito para anunciar que, à semelhança do que venho fazendo com D. Dinis, iniciarei em breve uma série sobre D. Afonso Henriques, onde não faltarão extractos do romance.

Nota (acrescentada posteriormente): Mais opiniões aqui.

22 de janeiro de 2011

Heróis da minha Infância

até porque a banda desenhada é um excelente veículo de aprendizagem do mundo, ao contrário do que muita gente pensa e diz

A mim diziam-me, em criança, para não perder tempo com este tipo de leituras, que não aprendia nada com elas:




Eu adorava-as e devorava-as, elas foram dos melhores momentos da minha infância.

Na juventude passei a:





Entre outras coisas, estas leituras mostraram-me o maravilhoso mundo da imaginação, introduziram-me na arte de construir diálogos, deram-me as primeiras noções de como estruturar uma história e ofereceram-me algumas das melhores piadas que li até hoje.

Ainda bem que não dei ouvidos a quem não entendia nada do assunto.

Muito obrigada Tio Patinhas, Turma da Mônica, Astérix e Tintin!

19 de janeiro de 2011

O Autor e as suas Personagens



Um outro aspecto que muito cativou foi a apresentação dos intervenientes nesta história de uma forma onde nenhum dos lados tem a razão absoluta. Em várias circunstâncias, mas principalmente na relação conflituosa entre Dinis e a sua rainha, o leitor é levado a sentir mais empatia ora com um, ora com o outro, mas sem que fique, alguma vez, a sensação de algum deles estar absolutamente certo.


Na sua opinião sobre D. Dinis a quem Chamaram o Lavrador, a Carla Ribeiro d'As Leituras do Corvo referiu uma das características da minha escrita, onde me mantenho fiel ao princípio de que ninguém é dono da razão absoluta. Fujo, por isso, ao esquema "personagens boas versus personagens más". Há um certo risco nesta opção, muitos leitores preferem ver o herói a lutar contra o vilão. Mas, na vida real, ninguém é um ou o outro a 100%.

No caso de D. Dinis, por exemplo, há muita tendência para considerar o sucessor D. Afonso o único culpado pela guerra civil. O infante surge como o filho desnaturado, que tem a ousadia de se revoltar contra o pai, um rei tão sábio e justo. No entanto, por trás do rei e do seu sucessor, estão um pai e um filho e todos sabemos que nos desentendimentos familiares graves as responsabilidades repartem-se pelas partes.

Deixo, por isso, agir as minhas personagens, dando a conhecer os diferentes pontos de vista, sem dar razão a umas ou a outras. Principalmente, o próprio autor deve manter-se de fora, com se não existisse. Muitos autores não resistem à tentação de dar a sua opinião sobre certos aspectos ou acontecimentos. Eu sigo os ensinamentos de Sol Stein, escritor e dramaturgo americano, que, fora do seu país, é mais conhecido pelos seus livros de escrita criativa e de conselhos a "candidatos a escritores". Diz ele que, num romance, o autor deve fazer os possíveis por se manter invisível, pois o transparecer da sua opinião é um acto inadequado, que só serve para distrair o leitor mergulhado na história. Claro que um narrador na primeira pessoa pode e deve ter pensamentos e opiniões, o que, no entanto, não pressupõe que estes coincidam com os do autor.

Também Andrés Neuman, autor de O Viajante do Século (Alfaguara 2010) disse, numa entrevista à OML nº 89, de Agosto de 2010:

A função moral mais profunda da narrativa é mostrar as razões de cada personagem, sem as julgar. Não gosto do narrador que fala do alto do seu púlpito e que assinala ao leitor com o dedo os que são maus e os que são bons. Creio que essa postura anula o pensamento crítico. A ambiguidade e a confusão entre o bem e o mal são muito parecidas à condição humana. Ninguém está totalmente ao lado do bem ou do mal.

17 de janeiro de 2011

D. Dinis e as cantigas de escárnio


Todos sabemos que D. Dinis foi poeta, que escreveu lindas cantigas de amor e de amigo. Mas pouca gente conhece a sua faceta sarcástica, que, à época, se expressava nas cantigas de escárnio e mal-dizer.

Aproveitei uma delas, por ocasião de uma estadia maçadora no Paço de D. Vicente, bispo do Porto:


Assim se viu Dinis rodeado de fidalgos pomposos, a concorrer pela sua atenção, tentando impressioná-lo com as suas proezas. Não que não estivesse habituado a tal, mas os convívios no Paço episcopal decorriam sem música. Aquele não era o local indicado para fazer a corte às senhoras, através de cantigas trovadorescas, para já não falar de uma ou outra dança.
Naquele serão, Dinis lembrou-se de uma cantiga de escárnio que compusera sobre um fidalgo de província, por ele apelidado de D. Foam e que falava intermitentemente, sem se aperceber do cansaço e do tédio que causava ao seu soberano:

                                   U noutro dia seve Dom Foam,
                                   a mi começou gram noj’ a crecer
                                   de muitas cousas que lh’ oí dizer.
                                   Diss’ el: - «Ir-m’ ei ca já se deitaram»;
                                   e dix’ eu: - «Boa ventura hajades
                                   porque vos ides e me leixades».

                                   E muit’ enfadado do seu parlar
                                   sevi gram peça, se mi valha Deus,
                                   e tosquiava estes olhos meus.
                                   E quand’ el disse: - «Ir-me quer’ eu deitar»
                                   e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
                                   porque vos ides e me leixades».

                                   El seve muit’ e diss’ e porfiou,
                                   e a mim creceu gram nojo por em,
                                   e nom soub’ el se x’ era mal se bem.
                                   E quand’ el disse: - «Já m’ eu deitar vou»
                                   e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
                                   porque vos ides e me leixades».

O Rei Lavrador também se serviu deste seu talento para ridicularizar fidalgos que protestavam contra a concentração do poder na Coroa:


               Numa altura em que os nobres encetavam novos protestos contra os resultados das inquirições, Dinis escarnecia de um tal João Bolo, ridicularizando os fidalgos de província que desobedeciam aos meirinhos régios, usando de todos os subterfúgios para se furtarem às suas obrigações. Dizia o rei na sua cantiga que João Bolo vivia há um ano escondido, com medo de um meirinho que lhe descobrira uma mula roubada. O fidalgote contrapunha que, se arranjasse bom advogado, provaria perante qualquer juiz que a mula lhe pertencia, pois tinha testemunhas em como a criara desde que nascera, em casa de sua mãe. A melhor testemunha, dizia ele, era mestre Reinel, que tratara de um inchaço que a mula tivera no toutiço:

                                  
Joam Bolo jouv’ em ũa pousada
                                   bem dês ogano que da era passou
                                    com medo do meirinho que lh’ achou
                                   ũa mua que tragia negada;
                                   pero diz el que, se lhi for mester,
                                   que provará ante qual juiz quer
                                   que a trouxe sempre dês que foi nada.


                                   Nom na perderá, se houver bom vogado,
                                   pois el pode per enquisas põer
                                   como lha virom criar e trager
                                   en cas sa madr’, u foi el criado;
                                   e provará per maestre Reinel
                                   que lha gardou bem dez meses daquel
                                   cerro, ou bem doze, que trag’ inchado.

15 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011 - Take 1

Saloiice:

- Quanto é que o senhor vai gastar? Não vem a nado da Madeira, com certeza...
(Pergunta da jornalista Judite de Sousa ao candidato José Manuel Coelho, na Grande Entrevista da RTP).

Lucidez:

É desolador querer votar e não ter em quem votar.
(Pedro Rolo Duarte).

14 de janeiro de 2011

D. Dinis e o seu Sucessor (III)

A guerra civil entre D. Dinis e o seu herdeiro teve um dos seus pontos altos na batalha que esteve prestes a dar-se no campo de Alvalade, às portas de Lisboa. O Rei Lavrador dirigiu-se para lá com as suas tropas, ao tomar conhecimento de que o filho se preparava para se apoderar do trono à força. A lenda diz-nos que a batalha não se chegou a dar, graças à intervenção de D. Isabel, que se interpôs entre os dois exércitos. E eu aproveitei a lenda:


Começaram a soar as trombetas e os anafis de ambos os lados. Deu-se ordem de disparo, abrindo as hostilidades. Os archeiros de Dinis dispararam as primeiras setas, que voaram em arco por cima do campo e não tardou que uma chuva delas, vindas do adversário, caísse em cima dos seus homens, que se protegiam com os seus escudos. O que não evitava que alguns caíssem feridos ou mortos.
O monarca deu mais algumas vezes ordem de disparo, a fim de matar o maior número possível de adversários, antes de investir contra eles.
Nisto, o alcaide Fernão Rodrigues Bugalho agitou-se a seu lado:
- Pelas cinco chagas… Mas que vem a ser aquilo?
A planície não se encontrava deserta, como pensado! Dinis esforçou os olhos no ar límpido da manhã. A primeira coisa que viu foi a cruz, segurada por um cavaleiro. Que não vinha sozinho. Duas figuras a cavalo deslocavam-se pelo campo, debaixo do fogo das setas!
- Com mil diabos! - exclamou o alferes-mor João Afonso. - Estarão as criaturas cansadas de viver?
O rei esforçou mais os olhos. A figura da frente vinha toda vestida de branco, uma capa esvoaçava na brisa da manhã, iluminada pelo sol de Dezembro. Parecia um anjo…
Isabel!
- Cessai os disparos! - berrou Dinis com quanta força tinha. - É a rainha! Cessai os disparos!
Os comandantes repetiram a ordem:
- Cessai os disparos! É a rainha D. Isabel!

A companhia de D. Isabel era D. Gonçalo Pereira, bispo de Lisboa. Estava-se em Dezembro de 1323. Pouco mais de um ano depois, em Janeiro de 1325, falecia el-rei D. Dinis, com 63 anos, possivelmente, na sequência do desgaste provocado por cinco anos de guerra contra o próprio herdeiro.

Para ler mais excertos do romance, clicar na etiqueta Citando o Lavrador.

12 de janeiro de 2011

D. Dinis e o seu Sucessor (II)



O carácter de D. Afonso IV, sucessor de D. Dinis, permanece, até hoje, um enigma. Ficou, sobretudo, conhecido por ter ordenado o assassinato de Inês de Castro, o que continua a levantar problemas aos Historiadores, quanto aos seus verdadeiros motivos (não há, aliás, certeza de que o soberano tivesse dado ordens expressas nesse sentido). O Historiador Bernardo Vasconcelos e Sousa, na sua biografia de D. Afonso IV (Temas e Debates 2009), diz-nos que este não é dos monarcas mais conhecidos da primeira dinastia portuguesa, estando o próprio cognome de o Bravo rodeado de alguns equívocos quanto ao seu significado.

D. Afonso, enquanto infante, proporcionou anos de amargura a seu pai, ao provocar uma guerra civil que dilacerou o reino. Um dos motivos teriam sido os ciúmes que o príncipe alimentava em relação a seu meio-irmão Afonso Sanches, filho ilegítimo de D. Dinis:


O rei olhou-o repreensivo:
- Insinuais que ponderais realmente revoltar-vos, à semelhança de vosso falecido tio? Esquecestes-vos do fim que lhe coube?
O infante suspirou, irritado:
- Porque insistis em hostilizar-me, meu pai?
- Porque estais a ser cego, D. Afonso! Esses nobres, que vos convencem que poderíeis tomar o meu lugar sobre o trono mais cedo do que o previsto, são os mesmos que se recusam a submeter-se ao poder régio. Porque lhes dais ouvidos? Não notais que reforço o poder que vós herdareis um dia?
- Tendes a certeza? - replicou Afonso mordaz. - Pelo modo como favoreceis o vosso bastardo, é bem possível que ele se ponha com ideias…
- Não tendes motivos para recear Afonso Sanches. É um homem honesto, ciente dos seus deveres.
- Oh sim - riu-se o príncipe, acrescentando irónico: - Um homem sem ambições, sem maldades, incapaz de aproveitar oportunidades que lhe caiam no regaço! Um santo!
- Proíbo-vos de falar assim de vosso irmão!
- Meio-irmão, se faz favor! Eu, como infante herdeiro deste reino, falo sobre um bastardo como bem me apetecer!

Um outro motivo teria sido a nobreza descontente, fruto da política do Rei Lavrador de concentração do poder na Coroa. Os nobres revoltados terão encontrado eco para os seus protestos na pessoa do príncipe herdeiro:


Mas já Afonso dizia:
- Porque insistis em ignorar as reclamações? Quem sabe, muitas delas não terão razão de ser? Talvez fosse conveniente confirmar no terreno a veracidade de certos protestos. Bastaria declarar essa intenção perante a assembleia para se acalmarem os ânimos.
Da sua cadeira, o rei olhou enervado para o filho:
- Confirmar no terreno?!
O bispo resolveu novamente contemporizar:
- Sempre fostes um monarca próximo dos vossos súbditos. Porque não condescendeis neste caso ir aos locais analisar as situações in loco?
- Era o que mais me faltava! Fazer a vontade a esses fidalgos arrogantes, que têm a mania que mandam no reino e que, desde o tempo de meu avô Afonso II, honram terras sem terem el-rei por tido nem achado. Tenho em muito mais consideração as populações dos concelhos, fiéis à Coroa. Do que esse bando de presunçosos precisa, é de disciplina! E, para isso, tenho os meus meirinhos, que actuam de acordo com as sentenças dadas e confirmadas.
O filho olhou-o desgostoso:
- Não vos dignais sequer a considerar a minha opinião…
- Porque vos preocupais tanto com essa gente? Estais muito enganado, se pensais que eles vos ficarão agradecidos!
 Mas Afonso insistia na sua mágoa:
- Dais mais ouvidos ao vosso bastardo, que fizestes mordomo-mor!
- Estou cheio desses vossos ciúmes - explodiu Dinis com mais um murro na mesa, ao mesmo tempo que se levantava da sua cadeira. - No fundo, é apenas isso que vos move, esses ciúmes, que só revelam a vossa insegurança, a vossa fraqueza. Nunca sereis um soberano à altura, se não modificardes esse vosso carácter!


Enfim, D. Afonso IV ficou para a História com fama de ciumento, rancoroso e vingativo, o que não deixa de ser curioso, tendo ele sido filho da Rainha Santa.

Para ler mais excertos do romance, clicar na etiqueta Citando o Lavrador.

10 de janeiro de 2011

D. Dinis e o seu Sucessor

D. Dinis viu-se envolvido numa guerra civil contra o infante D. Afonso, o seu próprio sucessor, o que lhe amargou os últimos anos de vida. O desgaste provocado pela situação bem pode ter contribuído para a  morte do monarca, aos 63 anos. Aqui, uma passagem do romance, à altura do cerco a Coimbra:


Dinis andava estafado. As dores de cabeça e as tonturas aumentavam e ele emagrecia, pois muitas vezes se sentia enjoado ou, simplesmente, sem apetite. Mais do que os combates ferozes, era a guerra de nervos que o esgotava. Dinis tinha consciência de que a ansiedade permanente, aquele receio constante de ser derrotado pelo príncipe, estava a matá-lo. Quando lhe vinham dizer que os soldados de Afonso haviam ganho mais uma escaramuça e que seria cada vez mais difícil impedi-lo de entrar na cidade, o monarca só pedia a Deus que não o deixasse morrer derrotado e deposto, como o avô. Tornara-se rei com dezassete anos de idade, quase não se lembrava de não o ter sido. E queria sê-lo até ao fim.

Estava-se na Primavera de 1322. Através da intervenção de D. Isabel e do conde D. Pedro de Barcelos, foram assinadas pazes em Pombal, que, à semelhança de outras, não duraram muito tempo. Neste ano, D. Dinis terá adoecido gravemente pela primeira vez na sua vida, como nos dá conta o Professor José Augusto de Sotto Mayor Pizarro, na sua biografia de D. Dinis (Temas e Debates 2008):



Ao que parece, depois de ter firmado as pazes com D. Afonso, após o cerco e combates junto a Coimbra, em 1322, D. Dinis regressou a Lisboa e, ao chegar ao paço, sentiu-se mal, redigindo então o referido testamento. Um ligeiro ataque vascular-cerebral ou um pequeno ataque cardíaco?

Os desentendimentos entre D. Dinis e o seu sucessor acabaram por se reflectir na relação entre o par real, com o rei a acusar D. Isabel de ficar ao lado do filho. As quezílias foram tão graves, que o soberano acabou por ordenar o desterro da consorte em Abrantes, privada de todas as suas rendas:


- Solução pacífica? Já não vos chega os desacatos que o bando dele tem vindo a causar? Vinganças privadas, assaltos a mosteiros, violações de donas, assassínio de um bispo! Abominais violência e tolerais crimes desses?
Isabel fraquejou um pouco, mas retorquiu:
- Tenho a certeza que não é Afonso que os ordena.
- Protege os seus autores, o que, em si, já é crime.
- Porque não vos prontificais a ouvir…
- Chega! - bradou Dinis com quanta força tinha. E, depois de recuperar o ar, acrescentou: - Não tornarei a consentir na vossa intromissão. Ordeno a vossa prisão numa das vossas vilas, privada de todas as vossas rendas!
Isabel olhava-o indignada, mas composta:
- Prescindis então da minha ajuda?
- Ajuda?! Até agora, apenas contribuístes para o agravar da situação, dando cobro a vosso filho, que comete traição ao virar-se contra o seu senhor e pai. Mas não vos aflijais, não mandarei atirar-vos para um calabouço. Escolhei uma das vossas vilas e vivereis na vossa residência habitual, na companhia das vossas damas, e podereis deslocar-vos dentro do concelho. Mas não mais que isso. Encarregarei guardas de vos vigiar. - Fechou o punho: - Ai de vós se vos atreverdes a sair de lá!

Mais extractos do romance na etiqueta Citando o Lavrador.

7 de janeiro de 2011

D. Dinis e D. Maria de Molina (II)

Imagem Wikipedia



D. Dinis estava ligado por estreitos laços de parentesco à família real castelhana. D. Afonso X o Sábio era seu avô e o sucessor D. Sancho IV seu tio, apesar de ser apenas quatro anos mais velho. D. Maria de Molina, da idade do rei português, era, portanto, a viúva do tio e o filho dela, com apenas 9 anos, primo de D. Dinis. Não admira, por isso, que o Rei Lavrador se visse envolvido nas lutas pela sucessão do trono castelhano.

O monarca português mudou várias vezes de campo, tanto apoiava o primo de 9 anos, que carecia de legitimação, como o tio D. Juan, irmão do monarca falecido. Os jogos políticos do costume, à espreita do local de onde soprassem os ventos favoráveis. D. Dinis apostaria, sobretudo, numa divisão entre Leão e Castela, que significaria um maior equilíbrio entre os reinos hispânicos.

Porém, sendo D. Maria de Molina uma mulher de excepção e D. Dinis um rei poeta e sedutor, não resisti à tentação de, no meu romance, estabelecer uma atracção entre os dois:

             Maria de Molina não ostentava uma beleza submissa, como muito se apreciava nas mulheres. Era mais uma formosura majestática. Dinis comparou-a a Isabel, embora as duas fossem completamente diferentes. O encanto da rainha portuguesa residia na sua aura de espiritualidade, que a punha inatingível. A castelhana combinava inacessibilidade, dada pela nobreza da sua pose, com atracção física, nos seus traços voluptuosos. Aquela dualidade perturbava Dinis.

Um ano e meio depois da morte de D. Sancho IV, a causa de D. Maria de Molina e de seu filho parecia perdida, o próprio D. Jaime II de Aragão, cunhado de D. Dinis, apoiava os adversários da grande senhora. O Rei Lavrador chegou a entrar em Castela, em Setembro de 1296, à frente de um exército, com o fito de pôr cerco a Valhadolid.

O cerco, porém, nunca chegou a realizar-se, o exército de D. Dinis, que contava com as forças castelhanas e aragonesas, desintegrou-se. Dos motivos, pouco se sabe, hoje em dia. Terão havido desentendimentos, intrigas, negociações secretas...

É nestes casos que o/a romancista pode dar largas à imaginação. Eu inventei uma ida de D. Maria de Molina ao acampamento do exército português em segredo, disfarçada de guerreiro, na calada da noite, a fim de negociar com D. Dinis, ciente da atracção que exercia nele:



- Pedistes-me que desistisse das minhas intenções de montar cerco a Valladolid. E eu estou disposto a fazê-lo… Se atenderdes todas as minhas exigências.
Maria de Molina arqueou as sobrancelhas:
- Quereis dizer que tendes mais a exigir, além da promessa de casamento da infanta D. Constança com el-rei de Leão e Castela e da integração das vilas a leste do Guadiana em Portugal?
- De facto, minha senhora. Sabei que D. Juan, caso seja coroado rei de Leão, me prometeu Castelo Rodrigo, Alfaiates, Sabugal e outros lugares de Ribacoa!
Fixando Dinis irritada, Maria de Molina cruzou os braços, fazendo tilintar a cota de malha. Aquela atitude de desagrado dava-lhe, porém, ainda mais encanto. Dinis achou cativante como ela, esquecendo o peso da vestimenta, agia como se envergasse um dos seus habituais vestidos de seda. E a pequena ruga na sua testa mostrava a sua firmeza em defender os direitos do seu reino. Naquele momento, Dinis achou-a tão adorável, que quase se arrependeu de lhe ter mentido. Porque, afinal, o tio Juan ainda não lhe prometera nada!



É um facto que, além das vilas a leste do Guadiana (Moura, Mourão Serpa e Noudar), Castelo Rodrigo, Alfaiates, Sabugal e outros lugares de Ribacoa passaram a pertencer ao reino de Portugal, depois do Tratado de Alcañices, em Setembro de 1297.

Para ler mais extractos do romance, clicar na etiqueta Citando o Lavrador.