Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

20 de abril de 2011

Voyeurismo

Através da Vespinha, cheguei ao trabalho do fotógrafo Michael Wolf. E a sua série de fotos Transparent City, embora composta de fotografias tiradas em Chicago, lembrou-me certas vivências nos meus primeiros anos na Alemanha.







Morava em Hamburgo e dava aulas de Português em escolas de línguas. No Inverno,  já era escuro quando regressava a casa, de autocarro (aliás, escurece aqui mais cedo do que em Portugal). A viagem demorava uns vinte minutos e passava por bairros habitacionais. Diga-se de passagem que os prédios não são muito altos, Hamburgo não é uma cidade de arranha-céus.

Era interessante constatar que os alemães, principalmente nas grandes cidades, são muito liberais e simples, quanto à decoração das suas janelas: quase nenhumas têm persianas, grande parte delas, nem sequer cortinas. Se as luzes estavam acesas, via-se o interior das casas. Os autocarros andam devagar e têm paragens a cumprir. Eu via-me com tempo para olhar para aqueles compartimentos. Sentia-me muito voyeurista, mas, por outro lado, se as pessoas não se dão ao trabalho de esconder o interior das casas...



 

 




 O certo é que a consciência não me pesava muito. Ao fim de um certo tempo, percebi porquê. Dei conta  que o que mais me interessava não eram as pessoas que estavam lá dentro e o que estavam a fazer e, sim, a decoração: os móveis, os candeeiros, os sofás, as cores etc. Muitos livros, poucos livros; paredes cheias de quadros, paredes nuas; candeeiros e móveis pomposos, decorações simples; plantas grandes, plantas pequenas, sem plantas; secretárias cheias de papéis e livros, secretárias arrumadas; decoração antiga, decoração moderna...

Aquelas viagens eram tudo menos monótonas...

8 comentários:

Bartolomeu disse...

Quando estive na Jordânia, passei 2 dias em Amã, a capital, onde os prédios de habitação, são muito semelhantes aos de Lisboa, mas na sua maioria também pouco altos. Tal como referes, os habitantes também têm o habito de não baixar os estores e de não ter, como nós em Portugal, cortinas, ou reposteiros a impedir a vista de quem olha. Mas reparei num aspecto que achei estranhíssimo; não vi um candeeiro de tecto, eles simplesmente usam pendente, um fio eléctrico, com uma lâmpada na extremidade.
Quando estive na Turquia, apercebi-me também de dois aspectos interessantes: em Ankara, os edifícios e a vida nas ruas é em tudo semelhante á de Lisboa, mas os turcos têm o habito de dividir interiormente os apartamentos em uma cozinha e uma casa de banho e somente uma divisão ampla, onde comem, estão, e dormem. Têm ainda um costume, sobretudo nos bairros mais típicos, de manter a porta da rua, aberta. Na cultura deles, é um convite para se entrar e toma chá, que para eles, a par do café turco que detesto, por ser servido com borras, são as bebidas sociais. Quando estive na Alemanha, sobretudo em Berlim, achei extraordinário, o uso que os alemães fazem da biciclete e achei um piadão, quando passei por uma escola primária e vi a um lado do recreio, um parque de estacionamento para os atrelados, onde os pais levam os filhos e onde ao fimdo dia os voltam a buscar.

antonio ganhão disse...

As mulheres passam pela vida como se ela fosse uma montra... e quando não podem comprar ficam deprimidas.

Cat SaDiablo disse...

Nas minhas estadias em Uppsala, na Suécia, também vi muito as janelas que revelam o interior das casas, baixas e "acessíveis" ao olhar. Não só a ausência de cortinas deixa ver para dentro, como têm o costume de colocar luzes nas próprias janelas. Num país de pouca luz natural, gostam pouco de escurecer as janelas.
Também me perdia a apreciar as estantes e as madeiras que dominam o mobiliário sueco, e também me sentia um pouco voyeur.

No Porto tenho reparado cada vez mais na ausência de cortinas nos prédios mais altos, e confesso que me faz confusão, tal como fazia na Suécia. Talvez seja um sentimento muito português de nos fecharmos dentro de portas e matar a curiosidade do vizinho, mas a verdade é que quando estou em casa gosto de andar à vontade, e a perspectiva de me verem da rua incomoda-me, da mesma forma que me incomoda ver a vida privada dos outros!

Bom post.

Cristina Torrão disse...

Sem menosprezar o comentário do implume (as mulheres dão-te cabo do juízo...) agradeço a partilha das experiências dos outros dois comentadores.

Eu já tinha reparado que os europeus do norte raramente tapam as suas janelas com cortinados, como o provam as vivências da Cat SaDiablo na Suécia, mas foi uma surpresa constatar que também em Amã se pode ver o interior das casas. Os muçulmanos costumam prezar muito a sua privacidade. O facto de não terem candeeiros não será uma questão de dinheiro? Talvez a população de Amã, por não ter muito, considere ser mais útil gastá-lo noutras coisas.

As bicicletas, na Alemanha, são uma constante, Bartolomeu.

Cat, os alemães também põem luzes nas janelas, mas na época do Advento/Natal/Ano Novo (ou seja, o mês de Dezembro). Vou ver se fotografo algumas este ano ;)

Bartolomeu disse...

Não me pareceu que houvesse um problema de insolvência, Cristina...
;))))))
Digo insolvência porque está na moda e para nós, ocidentais, não ter dinheiro para comprar um candeeiro, é sinal de bancarota-
;)))
Mas o aspecto que mencionas, relacionando-o com a religião, foi motivo de estranheza. Também estranhei, até porque na rua, olhar para a mulher que passa, é ofensivo, apesar de na maioria delas, não se conseguir ver um centímetro quadrado de pele. Aliás, o que nos leva, ocidentais, a olhar, é precisamente o facto de não conseguirmos compreender o porquê daquela tradição. Mas não creio que seja a falta de dinheiro, a responsável, creio que se trata de uma opção, talvez um costume, não sei.
A Jordania é um país com grandes contrastes sociais. Quando se sai de Amã em direcção ao Jordão, para visitar os locais por onde Cristo andou e onde foi baptizado, nas poucas aldeias por que passamos, podemos ver nos espaços entre as casas, todas elas com aspecto muito pobre, algumas tendas quadradas ou rectangulares e um ou dois camelos, atados a uma estaca, à porta. Quando chegamos ao Mar Negro, encontramos hoteis sumptuosos, estive num, que não me recordo agora o nome, que era uma réplica de um templo mesopotâmico.
Petra, é tambem um local estranhíssimo, antes de entrarmos na zona turística, passamos na cidade. É algo de cair para o chão a rir. Imagina que os talhos, têm as peças de carne penduradas do lado de fora, os cabeleireiros e barbeiros, anunciam-se com umas fotografias em tamanho grande, de galãs que exibem penteados, tipo Elvis. Em suma, a principal fonte de receita do país, é precisamente o turismo.

António Lopes disse...

Olá Cristina
Engraçado que, ao ver as fotos no teu post, dei por mim também a olhar para a decoração do que para as pessoas no interior.

Os habitantes dos apartamentos talvez sejam promenores secundários e os interiores podem revelar mais sobre os mesmos do que as actividades que poderão estar a efectuar naquele momento fotografado :-D

Cristina Torrão disse...

É verdade, António, o interior de uma casa diz muito sobre as pessoas que lá vivem. A primeira impressão, quando entramos numa casa, é muito importante. Nós, adultos, desaprendemos a guardar essa impressão forte, qualidade que as crianças têm. Lembro-me de, em criança, ao entrar em certas casas, ter logo vontade de sair. Noutras, de sentir, de imediato, uma sensação agradável. É mais uma razão para confiarmos na nossa criança interior :-)

António Lopes disse...

:-D
Ainda agora tenho essas sensações
:-D