Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

5 de julho de 2011

Conquista de Santarém II - a Preparação

          Juntamente com Lourenço Viegas Espadeiro, Gonçalo Mendes Sousão e Fernão Peres Cativo, Afonso comandava o pequeno exército de quinhentos homens, formado pelos cavaleiros de Coimbra, os cavaleiros vilãos dos concelhos e os Templários de Soure. No segundo dia de marcha, terça-feira, penetraram na serra de Aire, no meio da qual se encontrava o castelo de Ourém, ou Abdegas, como os mouros lhe chamavam. Dominava no cimo de um monte sobre uma vasta região, vigiando o acesso a Santarém. Acabou por se render ao rei português. A maioria da sua guarnição, assim como a das populações da serra de Aire, era moçárabe.
No dia seguinte, ao atravessar o alto da serra de Minde, Afonso fez o voto de dar aos cistercienses todo aquele território que ia, para norte, até Leiria, e para oeste, até ao mar, a fim de que a ordem fundasse aí um mosteiro.

Este havia de ser o mosteiro de Alcobaça.

Há indícios de que Afonso Henriques teria alguns problemas de consciência, devido ao carácter traiçoeiro da operação, que haveria de conduzir à conquista de Santarém. Antes de deixar Coimbra, terá ido ter com o seu confessor, D. Teotónio, prior do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que foi o primeiro português a ser canonizado. O monarca, além de lhe encomendar a própria alma, terá pedido confirmação da justeza das suas intenções.

Em Miniatura


Porque o problema com a estratégia usada em Santarém não se prendia apenas com o facto de se estar a planear entrar na cidade à socapa, pela calada da noite. Há um pormenor de tréguas combinadas e quebradas que não está muito claro. Depois de ter consultado várias fontes, dei a seguinte versão no meu romance: o início de Março seria ainda tempo de tréguas, pois havia uma espécie de pacto (não escrito) entre cristãos e mouros de como os ataques de parte a parte só se davam a partir da Primavera. Na sexta-feira, 13 de Março, em que os portugueses já se encontravam às portas de Santarém, Afonso Henriques manda um emissário ao alcaide, a anunciar-lhe que rompia as tréguas por dois dias, ou seja, anunciava-lhe que atacaria a cidade naquele dia, ou no sábado. Mas não o fez, Santarém só foi atacada na noite de sábado para domingo.

E qual seria o objectivo de tal comportamento? Um dos espiões que o rei enviou a Santarém, no sábado, a fim de auscultarem a situação, explicou o que se passava na cidade:


- Contando com um ataque, o alcaide de Santarém encheu o adarve de sentinelas e ordenou aos seus homens que se mantivessem em alerta máximo. Mas agora, que se aproxima o pôr-do-sol do segundo dia, pondo fim ao prazo do rompimento das tréguas, os mouros começam a especular sobre as razões que teriam levado Ibn Errik a desistir da ofensiva. Espalhou-se o rumor que el-rei contava com reforços que não surgiram, o que nos leva a pensar que espiões mouros tivessem avistado o nosso exército e o achassem pequeno. De qualquer maneira, foi cancelado o alerta máximo. E os correligionários de Mem Ramires, moçárabes dos arrabaldes, não darão alarme, quando se aperceberem do nosso ataque.

Ou seja: Afonso Henriques, além de atacar a cidade durante a noite (que ia contra o codex da cavalaria) fê-lo numa noite em que a vigilância estaria aliviada, pois terminara o prazo do rompimento das tréguas.



Antes do ataque, o discurso do rei:


À luz ténue do crepúsculo, Afonso falou aos seus guerreiros, pedindo-lhes coragem e empenho. Lembrou-lhes que os mouros, partindo de Santarém, constantemente assolavam os arredores de Coimbra, chacinavam as guarnições de Leiria e de Tomar e faziam inúmeros cativos. Disse-lhes ainda que bem podia ter convocado o resto do exército para esta operação, mas que não o fizera, porque eram eles, os guerreiros das milícias vilãs, que tinham direito a esta vingança. Mais do que ninguém, tinham já sofrido na pele as razias dos almorávidas, perdido familiares e amigos. Chamou-lhes “companheiros de luta” e “de armas”, mostrando que os considerava tanto como à nobreza do norte, o que encheu aqueles cavaleiros sem pergaminhos de orgulho. E Afonso ainda jurou, perante eles e Deus:
- Se tiver que morrer este ano, sem conseguir conquistar Santarém, escolho então morrer esta noite!

Dá-se como provado que Afonso Henriques disse esta última frase. O que, além de entusiasmar os guerreiros, denota o seu forte poder de resolução e a sua coragem para o risco, um aspecto do seu carácter que tornará a transparecer em Lisboa.

8 comentários:

Daniel Santos disse...

como sempre, interessante.

José Lopes disse...

Os códigos de cavalaria não eram muito respeitados, ao contrário do que se pensa.
Cumps

Cristina Torrão disse...

Sim, Guardião, é verdade. E referi isso nos comentários ao post anterior.

Bartolomeu disse...

Bê-se vem quera um home do nuorte este Afuonso Hinriques, carágo!
Ai... carágo, não, carágo!
;)
Olha Cristina, e os Alemães? Já tiveste oportunidade de lhes fa lar deste nosso primeiro Rei e dos seus valorosos actos? Que dizem eles?
Às tantas ainda pensam que estás a inventar... ou então, que este país, é uma terra de gigantes...

antonio ganhão disse...

Afonso Henriques poderá ter torcido as regras, não ter correspondido ao código de honra mais espartano, mas era um líder que acompanhava os seus nos campo de batalha... e não da secretária do seu escritório.

Cristina Torrão disse...

Pois é, Bartolomeu, no dia em que conseguisse publicar o livro na Alemanha, as vendas em Portugal também disparavam ;)
Assino uma revista alemã sobre História, com foco na Idade Média. Um dia, publicaram um artigo de várias páginas, ilustrado com imagens, sobre a Espanha da Idade Média. Sobre a formação de Portugal, nem uma palavra. Escrevi-lhes, a dar conta disso, mas não se impressionaram. Interessa-lhes a luta contra os mouros, mas só em território hoje espanhol: Toledo, Sevilha, Córdova, Granada, etc. Vá-se lá saber porquê! Um dia, se tiver tempo, envio-lhes um artigo pormenorizado sobre a formação de Portugal. Às vezes, publicam textos de leitores...
Enfim, os mais próximos, como o meu marido, já conhecem os feitos de Afonso Henriques ;)

Boa, implume!

Bartolomeu disse...

Tens de partir à conquista desses infieis, Cristina.
Desta vez, não será uma cruzada contra os sarracenos, mas sim uma cruzada à conquista das editoras germânicas!
;)
São muito metódicos, mas também muito incultos, esses fulanos...

Cristina Torrão disse...

Obrigada pelo incentivo, Bartolomeu :)