Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de agosto de 2011

Baixa-Mar

De Teresa Ribeiro, Delito de Opinião

E agora digam que eles não têm alma!

Parado no areal, o cão olhava um ponto difuso, indiferente ao movimento dos veraneantes. A expressão era sofrida.  Representava a dor física e psicológica com uma intensidade difícil de surpreender em rostos humanos. A uns metros um gato esquálido parou a avaliá-lo, mas logo se desinteressou, voltando à sua vidinha de trinca-espinhas desenrascado. Até para os felinos com um terço do seu tamanho se tinha tornado irrelevante. Dizem que os animais não têm consciência de si, mas este sabia-se transparente. Caminhava entre as pessoas sem as encarar com a desenvoltura de um agente camuflado e de facto nem para ele olhavam, apesar de ser grande.
Do toldo segui-o. Cheguei mesmo a rodar o tronco para o ver passar, emocionada com a minha própria compaixão. Mas também a mim o cão ignorou e quando se perdeu no horizonte meti a minha bestial sensibilidade onde ele me mandou meter.
"O meu apartamento não é assim tão grande e o gato não o consentiria lá em casa", ainda argumentei antes de me voltar para apanhar um banho de sol.

3 comentários:

Bartolomeu disse...

Se têm alma ou não... não faço ideia, nem consigo imaginar.
Mas que alguns possuem tanta ou mais personalidade, que muitos humanos... ai disso não tenho dúvida absolutamente nenhuma...

antonio ganhão disse...

De todos os animais, os cães foram os que melhor aprenderam a conquistar os homens para serem acolhidos. Desenvolveram nos seus genes esse instinto de sobrevivência e quando olham para ti com aqueles olhinhos, estão a pensar num prato de comida...

Cristina Torrão disse...

Personalidade, sem dúvida, Bartolomeu.

Também é verdade, António. E claro que eles nao têm uma psique tao complexa como os humanos. Mas tenho a certeza de que têm sentimentos. Para além da tristeza e da alegria, da dor e do prazer, eles sao mesmo capazes de gostar de alguém, talvez de amar. E sentem saudades.
Claro que sao uns sabotadores, aprendem a usar as nossas fraquezas. Mas isso também se aplica a nós.
A questao da alma é complicada, comeca logo pela pergunta: o que é a alma? Mas, quando vejo um cao com aquele olhar de tristeza infinita, de sofrimento sem fim, fico com vontade de dizer que tem uma alma.
Eles estao "programados" para a vida social, sofrem muito quando estao sozinhos e ninguém lhes liga. O passar fome é secundário, se estiverem integrados numa matilha/família que também passe fome. O importante é que se sintam integrados, que fazem parte desse grupo.