Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

24 de agosto de 2011

Cerco e Conquista de Lisboa II

Lisboa mourisca, por Martins Barata

O cruzado Konrad e os seus companheiros avistam a Lisboa árabe pela primeira vez:


            Do cimo de um cerro, avistaram o lado ocidental de Lušbūna, com o seu arrabalde incrustado nas rochas que serviam de alicerce às muralhas. As casas deste bairro estavam construídas de maneira a formar um conjunto hermético, coladas umas às outras, sem aberturas para o lado exterior.
As muralhas da cidade desciam em socalcos, desde o ponto mais alto, a norte, onde dominava a torre quadrangular da alcáçova, até à margem do Tejo. Torres mais pequenas, todas quadradas, reforçavam as muralhas em vários pontos. No topo noroeste dos muros da alcáçova, um pano de muralha prolongava-se pela encosta abrupta, terminando numa torre, que delimitava e protegia o arrabalde.
            Nas ameias, entre os merlões quadrados, adivinhavam-se as sentinelas mouras, mas os cruzados encontravam-se fora do alcance dos seus tiros de besta, pois uma vasta e verde pradaria separava-os da cidade. Essa pradaria era atravessada por um curso de água, aos pés do arrabalde, que a norte se dividia em duas ribeiras, rodeando o sopé de uma colina. Para sul, alargava-se num esteiro, juntando-se ao Tejo. A foz do esteiro parecia ser um porto de abrigo e nos seus areais havia um estaleiro, mas ninguém trabalhava nas embarcações, que jaziam abandonadas. Era difícil de dizer quanta gente ainda se encontrava no arrabalde, com as casas assim construídas, em jeito de muralha. Ainda junto à foz do esteiro, no extremo sudoeste da cidade, avistava-se uma grande torre albarrã, adiantada algumas jardas das muralhas e a estas ligadas por um passadiço.
            O pano de muralha junto ao porto fundeava em terreno baixo, chegava quase ao rio, e dava a ver o casario de Lušbūna, que se distribuía pela colina. Konrad e os outros quedaram-se boquiabertos. Esta cidade era bem diferente das que eles conheciam, em que a maioria das casas era feita de madeira e onde, durante quase todo o ano, reinava a humidade, o frio e a escuridão. Lušbūna parecia ser feita de brancura e de luz. As paredes caiadas reflectiam a luminosidade do sol e a grande mesquita, a última construção que se avistava, antes de a muralha engolir a cidade baixa, ostentava sete cúpulas cobertas de telhas vidradas a verde, a cor do Profeta Maomé. Também o minarete adjacente, forrado a azulejos da mesma cor, cintilava ao sol.

Konrad, originário de Colónia, alimentava a esperança de que as negociações com D. Afonso Henriques falhassem, pois ansiava alcançar a Terra Santa. Mas, neste primeiro contacto, a Lisboa mourisca exerceu um estranho fascínio sobre ele:
             
            Toda aquela luminosidade atraía Konrad de uma maneira irresistível. A cidade, à qual ele tanto desejava virar as costas, parecia enfeitiçá-lo, querer engoli-lo...
            Konrad deixou de ouvir as conversas excitadas dos seus companheiros e foi descendo a colina, como que em transe, até chegar à planície verdejante. Os seus olhos fixaram-se numa grande Porta, rasgada numa das torres quadradas que guarneciam as muralhas, nas imediações da mesquita. À esquerda desta Porta, começava o arrabalde e, à direita, estendia-se, até à torre de vigia na ponta sudoeste, mais um pequeno bairro, na zona ribeirinha.
            De repente, Konrad teve a impressão de que as grossas portadas de madeira chapeadas em ferro se abriam! Devem ser brincadeiras deste sol diabólico, pensou, enquanto piscava os olhos.
            Sentiu necessidade de refrescar as têmporas e caminhou até à margem do esteiro, aproximando-se perigosamente do arrabalde, no qual ninguém sabia dizer se havia sentinelas por sobre os terraços das casas que formavam uma verdadeira muralha. Alheio ao perigo, Konrad humedeceu a testa e os cabelos. E logo uma brisa o refrescou.
            Observou as embarcações abandonadas, que flutuavam sobre as ondas suaves. Era altura de maré cheia e o Tejo, forçado pelo oceano, despejava água no esteiro, alargando-o cada vez mais e originando a doce ondulação, que embalava as faluas dos pescadores. Konrad teve vontade de se deitar numa delas. Que sonhos lhe traria aquele doce embalar?
O esteiro galgava a areia das suas margens a olhos vistos. Numa questão de momentos, Konrad encontrava-se enfiado na água até aos joelhos.
            Mas permanecia tranquilo. Tudo à sua volta se quedava estranhamente calmo e sereno..

4 comentários:

Bartolomeu disse...

«Do cimo de um cerro, avistaram o lado ocidental de Lušbūna.»
Oh Cristina... palpita-me que o amigo Konrad não perdeu tempo e mal chegou, foi direitinho ao Bairro Alto... prás jolas... e assim... e tal. Até táva calor...
;))))
Excelente descrição, Cristina!
O ideal seria possuirmos a fórmula que nos permitisse estar lá e ver o que eles viram, ouvir o que eles disseram, etc.
;)

Cristina Torrão disse...

É verdade. Os livros de História não nos dão estas impressões (nem é o papel deles). Imaginemo-las...

Olinda Melo disse...

Olá, Cristina

Gostei.Uma bela maneira de descrever a Tomada de Lisboa, com incidência nas impressões que as personagens teriam tido(neste caso, Konrad).Na verdade, esta é a fórmula de sucesso do romance histórico: traz ao nosso conhecimento factos históricos e, ao mesmo tempo, alimenta a nossa imaginação.

Obrigada pela sua visita.

Abraço

Olinda

Runa disse...

Parabéns pelo teu blog. Tem artigos interessantes e muito bem elaborados. Para além da poesia, a história é um assunto que me apaixona. Voltarei mais vezes, com certeza.

Abraço

Runa