Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de outubro de 2011

Aprender a Rezar na Era da Técnica



Lenz Buchmann, um cirurgião que, a certa altura, decide seguir a carreira política, é destituído de sentimentos, devido à educação que teve. Os agradecimentos e os elogios incomodam-no, tudo o que seja emotivo é por ele desprezado:

Mas a cada dia que passava, os elogios e a admiração técnica que os doentes, os colegas médicos e o pessoal do hospital lhe dirigiam tornavam-se insuportáveis. Não o irritava ser considerado competente mas sim que essa competência fosse confundida com uma certa bondade, sentimento que desprezava em absoluto. E essa confusão - entre bondade e competência técnica - começava a corroer a barreira que Lenz havia construído entre a sua profissão e a sua vida particular na qual a dissolução de valores morais era nítida. O prazer que sentia em humilhar prostitutas, mulheres fracas ou adolescentes, pedintes que lhe batiam à porta ou a própria mulher, não podia ser mais antagónico com a aura que alguns familiares de doentes por si operados e salvos lhe colocavam em volta.
(página 32)


Este livro é uma verdadeira sucessão de frases de alta qualidade literária e o carácter da personagem principal espelha-se, tanto na linguagem fria, mas eficiente, como na estrutura de capítulos curtos e estanques. Dir-se-ia tratar-se de um livro perfeito.

Mas quanta perfeição aguentamos? Às vezes, eu tinha a impressão de estar a ler algo escrito por uma máquina programada com a receita da qualidade literária pura e dura. Chegou mesmo a aborrecer-me, confesso que estive para o largar.

Mas a persistência compensou. Um crime e a doença de Lenz Buchmann acabaram por fazer deste livro um romance que cativa o leitor, a ponto de lhe custar largá-lo, para fazer uma pausa. Por fim, a ironia suprema: Lenz Buchmann, que gosta de humilhar os outros e que não admite uma falha (principalmente, em si próprio), acaba os seus dias totalmente inútil e fraco. A humilhação final é deixar-se chegar a um estado que não lhe permite sequer suicidar-se, seguindo o exemplo do pai (Pelo chumbo - dizia Frederich ao seus dois filhos -, um Buchmann morre pelo chumbo; página 108), figura que ele venera, apesar de lhe ter dado uma educação desumana.

- Nesta casa o medo é ilegal - era uma das frases mais marcantes de Frederich Buchmann.
(...)
Frederich castigava as manifestações de medo de qualquer dos seus filhos fechando-os à chave num compartimento da casa, «a prisão», em que tapara as janelas, em que não havia uma única peça de mobília ou objecto.
Poucas vezes (embora marcantes) Lenz foi colocado na «prisão» por cometer a ilegalidade de mostrar medo. Pelo contrário, o seu irmão Albert era constantemente trancado naquele espaço que suspendia o lado lúdico, o ataque ou a defesa. Era, em absoluto, um espaço neutro, onde as funções dos gestos se tornavam nulas: o movimento era desnecessário e quase ridículo. As paredes não eram superfícies estimulantes para um humano, muito menos sendo ainda, esse humano, uma criança. Era um espaço, por isso, que esmagava a infância - uma massa pesada esmagando outra bem menos robusta -, era impossível naquele espaço agir ou mesmo pensar de acordo com a idade.
(páginas 91/92)

Um retrato psicológico interessante. Eu, porém, apreciaria uma escrita mais emotiva. Afinal, tudo na vida são emoções. Bani-las, como faz Lenz Buchmann, é ter medo delas; decretar o medo como ilegalidade, é ter medo do medo - nada mais emotivo.

30 de outubro de 2011

Mais um aniversário

Parece que foi ontem que a trouxemos cá para casa, uma cachorrinha de 8 semanas, que cabia em duas mãos. Tínhamos de ter muito cuidado para não a pisar, pois, na sua ânsia pelo calor de um ser vivo, estava constantemente entre os nossos pés. À noite, gania e tremia, tanta falta ela sentia do aconchego da mãe e dos irmãozinhos, mesmo estando o seu cestinho ao lado da nossa cama. De vez em quando, eu estendia a mão, para a tocar, e sentia-a a tremer. Mas sabia que, se a pusesse na cama, nunca mais a de lá tirava. Por isso, resistia à tentação, embora, por vezes, tivesse mesmo de cerrar os dentes. Tínhamos planeado tirá-la do quarto, assim que fosse mais crescida e perdesse o medo. Mas nunca tivemos coragem, ela lá continua, no seu sítio de sempre.


A nossa Lucy faz hoje 8 anos, o que, para um canino, já é alguma coisa. Felizmente, a esperança de vida de cães e gatos domésticos aumentou bastante, nos últimos anos, devido aos cuidados que se lhes proporcionam. Principalmente, os gatos fizeram grandes progressos, já vi bichanos na sala de espera do veterinário com respeitáveis 20 aninhos! Os cães de mais longevidade ficam-se pelos 15/16 anos (raças pequenas) e 12/13 anos (raças maiores). Mas tivemos um caniche aqui na vizinhança que ficou a um mês de completar os 18!

A ti, minha querida Lucy, desejo-te ainda muitos anos de vida. Obrigada por nos teres ensinado a amar e a respeitar, não em função do que alguém possa fazer por nós, mas apenas pelo simples facto de esse alguém existir. E por nos teres ainda ensinado em que consiste a verdadeira confiança mútua e a aceitar os outros, tal como eles são.



P.S. Não reparem no estado da manta, aos nossos pés. É a manta da Lucy, que ela pode esgadanhar a seu bel-prazer ;-)

28 de outubro de 2011

1º Aniversário

O Andanças faz hoje um ano e quero aproveitar esta ocasião para agradecer a todos os que por aqui passam.

Obrigada!

26 de outubro de 2011

Quando a televisão mete medo


Declarações de Renate Blum-Maurice, psicóloga, prestadas a um jornal alemão, sobre o efeito que a TV pode ter nas crianças (tradução minha):

É um erro pensar que crianças pequenas não registem o que ouvem ou vêem na televisão, mesmo os bebés podem já reagir a emoções negativas. Quando elas não entendem o que se passa, desenvolvem medo. Além disso, não controlam os seus sentimentos tão bem como os adultos e têm a tendência para achar que lhes poderia acontecer o mesmo, perante violência, ou uma qualquer tragédia. Se não se lhes explicar devidamente de que se trata, podem cismar, durante muito tempo, com imagens traumáticas. Os pais deviam controlar o tempo que as crianças passam em frente da televisão e, mesmo as que já se encontram em idade escolar, não deviam ver televisão sozinhas.

A melhor maneira de evitar os medos e os traumas, é falar sobre os programas que se vêem, principalmente, as imagens e as notícias más. Os pais devem falar com os filhos sobre aquilo que lhes mete medo e, claro, adaptar o discurso à idade das crianças.

Para a socialização das crianças, é preciso que elas aprendam que existe sofrimento, violência e crueldade. Mas, ao mesmo tempo, devem verificar que há pessoas que não ficam indiferentes a situações desse tipo e que se preocupam em ajudar e em trabalhar para a paz. Uma vez entendido isso, os pais podem dizer, com toda a clareza, que determinada situação também os assusta, ou os põe tristes.

Uma vida familiar estável, o brincar e o carinho ajudam a superar perturbações. Uma história, ou mesmo, uma oração, ao deitar, contribui para acabar o dia em bem e "despir-se" de vivências negativas.

23 de outubro de 2011

Do que as crianças realmente precisam



Li, num jornal alemão, uma entrevista a uma psicóloga infantil, Merle Dettbarn. E, porque adorei muitas das suas declarações, decidi partilhá-las aqui (tradução minha):

Os dias cheios de actividades, que os pais organizam para os seus filhos, podem pôr as crianças sob pressão. Os pais querem o melhor para os filhos, mas, cuidar deles é hoje, muitas vezes, confundido com desenvolver permanentemente o seu intelecto e as suas capacidades. Entre os trabalhos de casa, as lições de piano, a ginástica, a natação e outras actividades sobra pouco tempo para as necessidades emocionais das crianças. E, no entanto, elas precisam, acima de tudo, de boas relações pessoais para um desenvolvimento saudável - relações com os pais, com os amigos e com outros parentes. Quando perguntamos às crianças o que é importante para elas, as duas respostas mais frequentes são: tempo para brincar com os amigos; pais que se interessem por elas. Os pais deviam, por isso, fazer com que estes desejos fossem realizados.

Felicidade material não é a mesma coisa que felicidade emocional. Os media e a sociedade transmitem aos pais a mensagem de que os filhos são felizes se lhes forem proporcionados bens materiais. É claro que as crianças se alegram ao receber uma playstation nova. O importante é, no entanto, terem pais com tempo para elas. Com isto, não me refiro apenas à presença física, mas também emocional, ou seja, relacionar-se com a criança, mostrando verdadeiro interesse pelos seus assuntos e problemas.

Resposta à pergunta: o que deseja às crianças, hoje em dia?
Desejo-lhes tempo para brincar, tempo, que elas próprias planeiem. Desejo-lhes que se sintam integradas numa comunidade, que corresponda às suas expectativas. Pode tratar-se da família, mas também podem ser amigos, um bairro, ou um clube desportivo. As crianças não devem ser adultos pequenos, tomando responsabilidades que pertençam aos pais e às quais elas se sentem incapazes de corresponder. Desejo-lhes que possam ser crianças, com tudo o que este conceito engloba.

21 de outubro de 2011

Massacre



Para que fique claro: apesar de eu ser uma acérrima defensora dos direitos dos animais e de publicar histórias de amizade entre humanos e criaturas ferozes, não sou uma idealista, que julga que devíamos ir todos fazer festinhas às criaturas, para que elas ficassem mansinhas como a minha cadelinha terrier e  vivêssemos lado a lado, felizes e contentes. Se eu vivesse na cidade americana de Zanesville, estado do Ohio, onde mais de 50 animais perigosos andaram à solta, e se visse um leão ou um tigre à minha frente, também gostava que surgisse um polícia, ou alguém com uma arma, para matar o animal, antes que ele me atacasse.

No entanto, aquilo que, à primeira vista, parece uma ameaça de animais ferozes, foi, na verdade, mais uma vez, terror espalhado por uma mente humana doente, frustrada, perversa, paranóica, depressiva, eu sei lá.

Segundo a Reuters, Terry Thompson, o dono do zoo, mantinha os animais em más condições, chegando a alimentar os leões com carne de cavalos da sua propriedade que morriam de malnutrição. Os animais não estariam sequer habituados à presença humana, dado que Thompson não costumava receber visitas (...) Médicos veterinários que visitaram o local descreveram as condições do zoo como "deploráveis", diz a Reuters.

Ou seja, os tigres, leões, ursos, lobos, etc. não foram só vítimas da polícia que os abateu, mas, acima de tudo, de um ser humano que, um dia, vá-se lá saber porquê, se lhe meteu na cabeça ter um zoo privado!

Os animais do mundo existem pelas suas próprias razões. Não foram feitos para os humanos, assim como os negros não foram feitos para os brancos nem as mulheres foram criadas para os homens - Alice Walker

Quem é aqui feroz e perigoso?
As criaturas não pediram para ir para lá, não escolheram aquela vida e tenho a certeza de que preferiam, milhões de vezes, que as deixassem em paz, a viver no seu habitat natural.
O ser humano, por sua vez, não hesitou em pôr em perigo os seus semelhantes, ao soltar os animais, antes de se suicidar!

No meio de tanta tragédia, tento consolar-me com a ideia de que estes animais, depois de uma vida horrível, viveram algumas horas de liberdade, antes de serem abatidos. E havemos de nos encontrar no Paraíso. Porque, se no Paraíso de Deus, o leão convive com o lobo e o cordeiro, é mesmo para lá que eles vão!

20 de outubro de 2011

18 de outubro de 2011

Da nossa relação com os animais I

A história do leão Christian, lembrou-me de abordar um outro assunto: a crença de algumas pessoas, ao abandonar os seus animais, de que não lhes estão a fazer mal nenhum, pois estão a devolvê-los à Natureza, o lugar de onde eles vêem.

Nada de mais errado!

Os animais domésticos não fazem ideia de como é a da vida na Natureza. Qualquer mamífero, antes de atingir a sua independência, tem de passar por uma fase de aprendizagem, que, nalguns casos, é bem longa (os cães e os lobos ficam de 8 meses a um ano junto dos pais, incluídos na matilha/alcateia; os ursos vivem de dois a três anos com a mãe). Sem esses ensinamentos, vêem-se indefesos e praticamente incapazes de tratar da sua vida.


No caso do leão Christian, a sua preparação para a vida selvagem foi feita com muito cuidado. Teve, inclusive, de travar amizade com um leão mais velho, o que não foi nada fácil. Nos primeiros contactos, o outro leão reagia extremamente agressivo, com medo de que o mais jovem lhe fizesse concorrência. Mas ele era imprescindível, para que Christian aprendesse regras básicas, por isso, os humanos arriscaram pô-los frente a frente, não havia outra hipótese.

É um momento muito emocionante. O leão mais velho precipitou-se para cima de Christian, como se o quisesse desfazer. Felizmente, isso não aconteceu. O instinto de Christian salvou-o e ele logo se deitou de costas, num gesto de submissão. Mesmo assim, o outro não o largou, durante largos segundos, não queria que houvesse motivos para dúvida, de quem era o chefe. Passados esses momentos, os dois tornaram-se grandes amigos e, em mais uma lição que os animais nos dão, o mais velho não mais insistiu em espezinhar ou humilhar o mais novo (como muitos de nós gostam de fazer, em relação aos seus subordinados). Uma vez esclarecidos os respectivos papéis, a vida decorreu pacífica, em respeito mútuo.



Mas retornemos aos animais domésticos abandonados, "devolvidos à Natureza", nomeadamente, os cães, que são os que eu conheço melhor. Além da falta de aprendizagem, temos de ter em conta que a maior parte das raças caninas actuais não são o resultado da selecção natural, mas da intervenção humana. Caso contrário, nunca existiriam raças tão pequenas, como os chihuahua, terrier, ou teckel. Nem nunca existiriam raças de pelo encaracolado, como os caniche, ou outras, de pelo longo. Caso não usufruam do tratamento adequado, podem-se lá alojar parasitas (larvas), alimentando-se do cão vivo, originando feridas e doenças horríveis.



Sem a intervenção humana, o cão seria sempre mais ou menos do tamanho do lobo e teria um pelo curto e denso. Fomos nós que interviemos, somos nós que temos obrigação de tratar deles. Sem prejuízo para quem opte por não manter animais em sua casa. Maltratá-los e/ou abandoná-los é que não!

15 de outubro de 2011

Humildade

Aprendemos, desde pequenos, que devemos ser humildes. O culto da humildade está muito enraizado na nossa cultura e tradição religiosa. Cristo é visto como o símbolo máximo da humildade, ao ter sido crucificado para salvar a Humanidade.

Mas não usaremos nós um conceito deturpado de humildade? Devemos subjugar-nos perante os outros, em todas as circunstâncias? Devemos atender mais às necessidades dos outros, do que às nossas? Ter os outros em melhor conta, do que nós próprios? E onde fica a auto-estima, a consciência do nosso valor e das nossas qualidades?


Na verdade, só quem possui auto-estima e uma personalidade forte tem algo para dar aos outros. Cristo, no fundo, é o melhor exemplo disso. Um homem servil, com tendência para a subjugação e sem poder de decisão, nunca seria capaz de arrastar multidões. Mesmo alguém como São Francisco de Assis teve de irradiar carisma e ser resoluto para convencer tanta gente a seguir o seu exemplo.

O Jornal do Bispado de Hildesheim diz-nos que a humildade deve expressar-se em respeito mútuo e, não, em servilismo. Mas a verdade é que a Igreja nos tem ensinado a sermos servis, sem respeito nenhum pelas nossas próprias necessidades.

Vejamos a seguinte passagem da Carta de S. Paulo aos Filipenses (2, 3-4): Nada façais por espírito de partido ou por vanglória, mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem atender cada um a seus próprios interesses, mas aos dos outros.

Isto pouco tem a ver com respeito mútuo, que implica que nos encaremos ao mesmo nível. Contudo, é interessante verificar que, na versão alemã, há uma pequena diferença no texto. Mantém-se o considerai os outros superiores a vós mesmos, mas diz-se: sem atender cada um apenas a seus próprios interesses, mas também aos dos outros (Jeder achte nicht nur auf das eigene Wohl, sondern auch auf das der anderen). Duas palavras acrescentadas, que fazem toda a diferença.

13 de outubro de 2011

"O Livro", aquele que para mim é único

Assim se chama uma das rubricas do ...viajar pela leitura... A sua autora, a Paula, teve a gentileza de me convidar a dissertar sobre o tema. Não foi fácil, nunca é fácil, escolher um único livro. Decidi escrever sobre o livro que me mostrou onde podia eu descarregar toda esta imaginação que me tem acompanhado durante quase toda a vida. Por incrível que pareça, durante muito tempo, eu não sabia o que fazer com ela.

Quem estiver interessado, aqui.

12 de outubro de 2011

O Papa e os Verdes

aqui e aqui falei de como a Igreja Católica Alemã toma um rumo ligado à ecologia, seguindo a filosofia da preservação do património que nos foi oferecido por Deus (sem esquecer o respeito que os animais nos merecem).

Bento XVI confirmou essa tendência, na viagem que fez ao seu país natal, em Setembro. No seu discurso perante o Bundestag (parlamento alemão), o Papa elogiou o movimento ecológico alemão dos anos 70, quando jovens se aperceberam de que havia alguma coisa que não estava bem na nossa relação com o Planeta. Nas suas palavras, a matéria não é apenas material para as nossas obras, a Terra possui a sua própria dignidade, devemos ouvir a sua linguagem e responder-lhe coerentemente.


Bento XVI teve o cuidado de afirmar que não estava a fazer propaganda por partido nenhum, nem nunca o faria. Mas é interessante verificar que, depois do discurso, a que se seguiram os cumprimentos, o Papa apertou, em primeiro lugar, a mão do ministro-presidente do estado de Baden-Württemberg, Winfried Kretschmann, pertencente ao Partido dos Verdes. Membros do partido Die Linke (uma espécie de Bloco de Esquerda) chegaram a criticar, com uma ponta de inveja, que Bento XVI não tivesse mencionado o seu empenhamento pela Paz. E isto, apesar de muitos deputados deste partido terem deixado a sala, antes do discurso, em protesto demonstrativo contra o facto de ser dada a hipótese a um líder religioso de discursar no Bundestag.

Tradução portuguesa do discurso de Bento XVI perante o Bundestag.

10 de outubro de 2011

Gosto muito de te ver, leãozinho...

Os animais podem amar? Ou só gostam da vida que lhes proporcionamos? E, depois de uma longa separação, pode um animal selvagem reconhecer os humanos com quem brincou na sua infância?
A história do leão Christian deita por terra muitos preconceitos que temos em relação aos animais. Mesmo eu, que estou convencida de que eles têm sentimentos, fiquei siderada, ao ver o documentário no Canal Arte. Infelizmente, o vídeo do programa não está, neste momento, disponível, mas há muitos no You Tube. Já lá vamos...

A história


No fim dos loucos anos 60, dois jovens australianos, John Rendall e Anthony Bourke, a viver em Londres, resolveram adoptar um leão bebé, nascido num zoo. Não era fácil mantê-lo na grande cidade. Felizmente, um padre anglicano pôs-lhes um terreno à disposição, para que o animal pudesse gastar as suas energias.
Mas Christian ia ficando cada vez maior, os dois jovens começaram a perceber que não o poderiam manter durante muito tempo. A solução? Entregá-lo a um zoo, ou a um circo.

John e Anthony tinham ganho afecto ao leãozinho e não conseguiam imaginá-lo a viver em cativeiro. A única possibilidade que eles encaravam, era soltá-lo em África, onde ele poderia viver em liberdade, na companhia dos seus semelhantes. Mas pode um leão, que foi educado por dois humanos numa cidade, adaptar-se à vida selvagem?


Não foi fácil. Assim como se revelou uma verdadeira odisseia conseguir autorização das autoridades quenianas para que Christian fosse aceite no seu país. Aos dois jovens valeu a ajuda de George Adamson, um inglês que tratava de leões, num reservado queniano.
Depois de dificuldades iniciais com um leão adulto, necessário para introduzir Christian na vida da selva, os dois animais travaram amizade.

John e Anthony regressaram a Londres. As saudades de Christian, porém, não queriam passar. E, um ano mais tarde, resolveram regressar ao Quénia. George Adamson avisou-os de que podia ser uma desilusão. Christian estava perfeitamente integrado na vida selvagem. Depois da morte do leão seu amigo, formara a sua própria família. O mais certo seria não reconhecer os seus dois antigos tratadores.


O resultado foi surpreendente, capaz de nos pôr boquiabertos e de amolecer o coração dos mais cépticos. Na sua alegria infinita, Christian abraçou os seus amigos humanos e encheu-os de carícias. Abraços de alegria e amor sinceros, porque os animais não fingem. As fotografias falam por si, mas, mais impressionante, é ver os vídeos, principalmente, essa cena do reencontro. Aqui, pode-se ver um, com duração de 3 minutos, e aqui um outro, de 5 minutos.


John e Anthony visitaram o "seu" leão mais duas vezes. Mas ele, a certa altura, deixou de surgir, como se lhes dissesse: apesar do nosso passado em comum, pertencemos a mundos diferentes. Vós tendes a vossa vida, eu tenho a minha.
Os dois humanos compreenderam. Amar também é compreender. E aceitar e respeitar o outro, tal como ele é.


9 de outubro de 2011

Coincidências lá das Caxinas

Uma das Crónicas de um Matemático Exilado no Mundo:

 Quem é?
 Manuel Salsão.
 Quem?!
 Ontem telefonei...
 Ah, sim, faça favor de entrar!
 Disse-me que era para vir agora.
 Sim, claro, peço desculpa, não liguei ao nome.
 Não tem mal.
 Então você é das Caxinas?
 Sou sim, e com muito orgulho!
 Terra de craques.
 É mesmo... André, Paulinho Santos, Hélder Postiga e agora o maior: Fábio Coentrão!
 É impressionante!
 E muitos outros por lá apareceram, só que nunca tiveram chances.
 Acredito.
 Deve ter a ver com a nortada... ou com o sargaço...
 Quem sabe...
 Por lá já se diz que é uma queca um craque! Se der rapaz, claro.
 Parece mesmo!
 É por isso que aqui venho.
 Disse-me que tem um filho que vai dar craque?
 Tem pormenores que não enganam!
 Vamos lá então ver isso.
 Repare nesta foto!
 Foto antiga?
 Tirada há uns tempos.
 Era novinho...
 Mas querem investir em craques novos, não é mesmo?
 Sim, sim, mas sem exageros!
 Reparou no cabelo?
 Louro... desgrenhado...
 Ora! Está a ver?
 E o que o faz pensar que o seu filho vai dar craque?
 Além do cabelo?
— Sim, detalhes importantes.
 Bom, eu era vizinho do pai do Coentrão e a minha mulher era vizinha da mãe do Coentrão.
 E mais?
 Sabe como se chama o meu filho?
 Não, não disse.
 Fábio... Fábio Salsão!
 Boas coincidências, mas...
 E não ficam por aí!
 Trouxe algum vídeo do rapaz?
 Sim, trouxe um neste CD.
 Vamos lá então ver o seu talento.
 Vamos lá!
 É este o seu filho?!
 Sim, claro, repare num detalhe importante.
 Qual detalhe?
 Veja com que pé ele chuta: esquerdo!
 Mas que idade tem o seu filho?!
 Dois anos.
 É novo demais!
 Meu caro, lá das Caxinas, ou investe agora ou depois os tubarões levam.

(O próprio "visado" também achou graça).

7 de outubro de 2011

Cerco e Conquista de Lisboa XI

Em Miniatura
        

           A 25 de Outubro, Afonso tomou posse de Lisboa, já a população moura havia entregue os seus haveres e as suas casas aos cristãos. No cimo da torre de menagem, o rei mandou içar o estandarte com os escudetes azuis em forma de cruz e ainda erigir uma grande cruz de madeira. Descido aos jardins da alcáçova, dirigiu-se à porta onde Martim Moniz tinha morrido entalado e ordenou que se gravasse, naquele lanço de muro, o nome e o retrato do herói.
            Junto à mesquita aljama, anunciou a conversão desta em Sé catedral. A 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, D. João Peculiar presidiria à sua solene purificação. E, para bispo da nova diocese, Afonso nomeou o prelado inglês Gilbert de Hastings, que agradeceu, emocionado.
            Aos cruzados ali reunidos, o rei comunicou ainda os seus planos de extensão das duas capelas construídas junto aos cemitérios. No oriental, onde estavam enterrados os alemães e flamengos, mandaria construir um mosteiro, que se chamaria de São Vicente e para onde seriam trasladados os restos mortais do santo. A capela junto ao outro cemitério, a ocidente da cidade, onde repousavam os corpos dos ingleses e franceses, seria transformada numa igreja, que se chamaria dos Mártires.



6 de outubro de 2011

Criticar os críticos


O escritor e crítico literário José Riço Direitinho atreveu-se a dar apenas duas estrelas e meia ao novo livro de Valter Hugo Mãe. Maria do Rosário Pedreira reagiu com indignação, insinuando que o primeiro teria inveja do segundo, por não gozar da mesma projecção nacional e internacional. A conhecida editora da Leya, de tão empenhada em defender o escritor que ela, em tempos, descobriu, saiu-se com esta interessante frase:


Ou seja, um crítico terá de se certificar que já leu, pelo menos, tanto como o escritor, cujo livro ele pretende analisar, além de ter o cuidado de verificar se já leu a sua obra anterior!

Curiosamente, José Riço Direitinho é, de facto, um escritor/crítico de grande visão. No blogue da LER, informam-nos que ele, há dois anos atrás, aconselhou a tradução da obra de um poeta sueco do qual quase ninguém ouviu falar e que, por acaso, foi o vencedor do Prémio Nobel da Literatura deste ano!

5 de outubro de 2011

Cerco e Conquista de Lisboa X

Lisboa mourisca, por Martins Barata


D. Afonso Henriques negociou a entrega de Lisboa com o alcaide mouro e fez questão de que não se vertesse mais sangue. Mas a população moura foi expulsa das suas casas e obrigada a entregar todos os seus haveres aos conquistadores cristãos.


            Esta era a segunda noite em que ninguém dormia na casa de Aischa.
            Haviam passado a anterior aterrorizados, enquanto os cruzados saqueavam a cidade. Felizmente, não tinham vindo todos, o que poupou algumas casas à loucura. Uns quantos ainda tentaram arrombar a porta de Malik Ibn Danaf, mas nessa altura já a milícia punha fim à matança, permitindo que Aischa e os seus ficassem pelo susto. O que os levava a pensar que a sua família, por alguma razão, se encontrava sob a protecção especial de Alá, pois fora uma das poucas que sobrevivera completa ao cerco.
            Nesta noite, de 23 para 24 de Outubro, reuniam todos os seus pertences, para que o mercador e os seus dois filhos os fossem depositar aos pés dos novos senhores de Lušbūna. Como ficara acordado entre o rei português e o alcaide, um contingente de trezentos cristãos ocuparia pacificamente a al-qasbâ, logo pela manhã, a fim de confiscar todos os haveres dos mouros e dos judeus. A cidade seria em seguida inspeccionada e, se algo mais fosse encontrado, sem ter sido entregue ou declarado, o dono da casa onde fosse feito o achado pagaria com a vida.
            (...)
            De tarde, vieram quatro cristãos armados inspeccionar a casa. A família e a criadagem estavam reunidas no jardim e, apesar de as vestes das mulheres serem de linho grosseiro ou de burel e de os véus só lhes deixarem ver os olhos, os soldados miraram-nas cheios de cobiça.
            (...)
            Antes de mandarem a família embora, os ocupantes informaram ainda que os cristãos pertencentes à criadagem eram livres de ficarem na cidade. A maioria, no entanto, não tencionava desligar-se da família do mercador. Sem posses, receavam ficar entregues à sua sorte. Eram moçárabes e os portugueses vindos do norte olhavam-nos com desconfiança. Além disso, sabiam que o seu patrão receberia a ajuda do irmão rico de Batalyaws. 
             Aischa sentia-se capaz de matar os quatro estranhos, que olhavam trocistas para aquela que fora uma das famílias mais ricas de Lušbūna e que agora se afastava, depauperada e de cabeça baixa. Nem sequer o seu único burro de carga que sobrevivera ao cerco podiam levar. Transportavam eles próprios a escassa roupa e algumas peças de louça barata, com que tinham sido autorizados a ficar.

            Malik Ibn Danaf e os seus juntaram-se aos outros, judeus incluídos, que se dirigiam com as suas trouxas às portas ocidentais de Lušbūna. Mas, enquanto os judeus saíam pela bâb al-hadîd, a Porta do Ferro, a fim de ocupar o seu bairro a sudoeste da cidade que haviam deixado no início do cerco, os muçulmanos dirigiam-se à bâb al-khawkha, na intenção de se aquartelarem nas casas vazias do bairro de Alcamim, pois grande parte dos seus habitantes havia perecido. Muitos mouros tencionavam partir, mas para alguns as perspectivas noutro lado não seriam melhores do que as que ali teriam.



3 de outubro de 2011

Cerco e Conquista de Lisboa IX

Ilustração de Jorge Miguel

D. Afonso Henriques negociou a rendição com o alcaide mouro de Lisboa. Não haveria saque, os habitantes muçulmanos e judeus deveriam sair da cidade, aquartelando-se fora de muros, e não se verteria mais sangue. O alcaide e o seu genro eram autorizados a manter as suas posses. O rei português adivinhava problemas, pois sabia que os cruzados não prescindiriam do saque.


            Apesar do sucesso desta conversa, Afonso regressou ao acampamento preocupado. Receava a reacção dos cruzados, assim que soubessem que ele não satisfaria algumas das suas exigências. Os ânimos tinham estado exaltados nas últimas horas e começava-se novamente a falar no tesouro, que estaria enterrado na cidade.
            A reacção não se fez esperar. Alemães e flamengos insistiam em que os portugueses pouco tinham contribuído para a vitória, o que, no seu entender, não dava ao rei o direito de negociar sozinho com os mouros, roubando-lhes aquilo que lhes prometera. Muitos deles entraram nessa noite em Lisboa e espalharam o horror, saqueando, matando e violando.
            Afonso fervia na sua fúria. Ainda mais, quando soube que, aqueles que não davam largas aos seus instintos mais ferozes intra-muros, tinham o desplante de pretender atacar o acampamento português! Mandou chamar Arnulf de Aarschot e Christian de Gistell, que surgiram acompanhados de um prelado flamengo. 




Vendo-se numa situação crítica, D. Afonso Henriques optou por uma solução radical, lançando um ultimato aos cruzados, dando o tudo por tudo.


           Estabeleceu-se um silêncio perplexo. Afonso respirou fundo, controlando a sua fúria. Urgia pôr fim àquela situação, que ameaçava a vitória. Um ataque dos cruzados ao acampamento português seria o início de uma catástrofe. As hostes cristãs envolver-se-iam em lutas sangrentas, das quais só sairia um vencedor: a mourama!
O rei só viu um caminho para sair desta crise, um caminho deveras arriscado:
            - Se não fordes capazes de acabar com os motins, partirei, ainda antes do nascer do sol, com todo o meu exército, abandonando-vos à vossa sorte. Que eu prefiro prescindir de Lisboa, a quebrar os acordos firmados com o alcaide!
            Depois da tradução, Christian e Arnulf fixaram-no assombrados. O semblante de Afonso mantinha-se impassível, fazendo-os acreditar que ele realmente renunciaria a Lisboa, caso não pudesse manter a palavra dada. Na verdade, Afonso perguntava-se se teria ido longe demais.

Os cruzados aceitam, por fim, subjugar-se ao monarca português.


           Aos estrangeiros assomava-se arriscado ficarem entregues a si próprios perante os mouros, que lhes poderiam tornar a fechar as portas da cidade, forçando-os a partir para a Terra Santa de mãos a abanar. E os que haviam decidido ficar em Portugal sonhavam com os senhorios que o monarca lhes prometera.
Todos os cruzados juraram, no dia seguinte, 23 de Outubro, fidelidade a D. Afonso Henriques e aceitaram o acordo que ele havia estabelecido com o alcaide. Porém, a devastação, que muitos deles haviam provocado na noite anterior, já ninguém podia emendar. Inúmeros moçárabes, até o seu bispo, pereceram às espadas dos cruzados em fúria. Assim mataram eles os seus irmãos de fé, que tinham vivido em paz sob a regência dos muçulmanos.
            Um tesouro não foi encontrado.