Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

20 de outubro de 2011

A arte de bem ouvir

Ouvi-a com paciência e ternura. Não aconselhei nem repreendi, tão-pouco disse que não se afligisse ou que no futuro há sempre uma aberta, raios de luz. Isso poderá ela descobrir um dia por si só, pois a consciência da perda é condição do resgate, é o painel a indicar o bom caminho.

Todos se apressam a dar a sua opinião, a dar conselhos, a tentar consolar-nos, a fazer-nos esquecer os problemas, que tenhamos fé num futuro melhor. E esquecem-se de que precisamos, acima de tudo, de quem nos ouça. Apenas ouvir, sem julgar, sem aconselhar, sem repreender. Ouvir.

5 comentários:

Bartolomeu disse...

É da natureza humana, Cristina.
Quando nos encontramos perante alguém que nos confidencia os seus problemas mais íntimos e as preocupações mais profundas, sentimos íntimamente, o dever de ajudar essa pessoa a ultrapassar o problema que a aflige.
Mas tens toda a razão; muitas vezes é somente a presença e a disponibilidade para ouvir, que o outro espera de nós.
Lembro-me de ha uns anos, uma amiga se ter zangado comigo porque, ao desabafar um problema que estava a ter com dois pastores alemães que tinha na quinta. Os animais tinham descoberto na vedação, um local por onde conseguiam sair para o exterior. Isso fez com que a GNR a contactasse, no sentido de manter os cães presos. Ela mandou reparar a rede, mas os cães voltaram a sair. Então ela, muito aborrecida porque os GNR voltaram a contacta-la, dizia-me em tom de desabafo: mas o que é que eles querem que faça, que mate os cães?
Na tentativa de a ajudar, fiz-lhe ver que os animais à solta poderiam causar um acidente de trânsito, ou morder em alguém. E expliquei-lhe que os cães quando andam em grupo, se tornam por vezes mais agressivos e imprevisíveis, que o facto de obedecerem às ordens dela, dentro da quinta, não era garantia de que à solta, pudessem atacar e até, matar alguém, o que seria muitíssimo trágico e iria sair-lhe mais despendioso, que mandar vedar de novo a quinta toda.
Reagiu péssimamente, chorou e, de uma forma agressiva disse-me que estava à espera do meu apoio e nunca de uma crítica, que não queria voltar a falar comigo, que a nossa amizade tinha terminado.
quando afinal, a minha preocupação foi unicamente de a alertar para os problemas maiores que poderia vir a ter.
Na altura fiquei meio atordoado, não percebi aquela reacção, alguns dias depois voltei a contacta-la, mas mantinha a mesma decisão de não querer voltar a falar comigo.
Quéquesepodefazer?
;))

Cristina Torrão disse...

Sim, é uma reacção natural, tentar ajudar. Mas li, há tempos, num livro sobre psicologia, que, na maior parte das vezes, somos melhor ajuda se nos limitarmos a ouvir. Também depende dos problemas. Eu estava mais a pensar em problemas do tipo: quando alguém está doente, tem um familiar doente, ou está a enfrentar um divórcio, uma separação, ou está depressivo, etc. Normalmente, dizemos a essas pessoas que se animem, levantem a cabeça, confiem no futuro, etc. Na verdade, há situações em que não há conselhos possíveis. E, se não sabemos o que dizer, o melhor é calarmo-nos, ouvir a pessoa (desabafar é sempre bom) e fazê-la sentir que não está sozinha, que estamos ao lado dela. Muitas pessoas cortam a palavra de alguém que está a desabafar, porque não lhes apetece ouvi-la, com frases do tipo: "Deixa lá. Isso passa." No fundo, é das piores coisas que se podem fazer.

Sim, é verdade que os cães, em grupo, se podem tornar agressivos. Li uma vez a seguinte frase: um cão é um cão, dois cães são uma matilha. Eu, que adoro cães, também teria medo se visse dois pastores alemães à solta, sem o/a dono/a por perto. E eles agem sempre em conjunto, isto é, se um resolve ser agressivo, o outro embarca logo, mesmo que não fosse essa a sua intenção inicial.
Aqui, na Alemanha, também é proibido andarem cães à solta, sem os donos, e eu acho bem.
Eu acho que a tua amiga se zangou mais por tu lhe mostrares a evidência de que ela devia resolver um problema, que ela, pelo menos, no momento, se sentia incapaz de fazer.

antonio ganhão disse...

Ouvir ou escutar, por vezes entre o ouvir e o escutar prefiro um bom silêncio.

Zélia Parreira disse...

Ah, minha amiga, sinto tanta falta disso... De quem me ouça, simplesmente, sem tentar resolver a minha vida, corrigir o meu feitio, moldar a minha personalidade...

Cristina Torrão disse...

António, é verdade que o silêncio também pode ser muito útil.

Zélia, adoram moldar-nos, principalmente a nós, mulheres...