Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

26 de fevereiro de 2011

Batalha de São Mamede



Foi na sequência da Batalha de São Mamede, a 24 de Junho de 1128, às portas de Guimarães, que D. Afonso Henriques atingiu a liderança sobre o Condado Portucalense. O nosso primeiro rei tinha entre dezassete e vinte e dois anos (no meu romance, ele tem vinte). Estava ainda longe de ser o Conquistador que conhecemos da nossa História, não passava de um jovem inexperiente. Mas os barões portucalenses apoiavam-no em peso. Também não há certezas quanto ao número exacto de guerreiros envolvidos, as fontes, como sempre, são contraditórias. Afonso Henriques, porém, teria muito mais gente do seu lado do que sua mãe, pensa-se que à volta de 600 homens, contra cerca de 300 de D. Teresa (há quem fale do Recontro de São Mamede, em vez da Batalha, já que, ao todo, o número de tropas não atingiria o milhar).
 



Em Miniatura


Poderia pensar-se que a vitória do infante estava assegurada, mas, pelos vistos, houve problemas. Devido à inexperiência do jovem? Há, inclusive, uma lenda que diz que Afonso Henriques, vendo a coisa malparada, terá abandonado o campo de batalha. Só a perseverança de Soeiro Mendes o Grosso, representante da poderosa família de Sousa, o terá convencido a regressar à luta.

Eu usei uma versão um pouco diferente (a ideia de que Afonso Henriques teria fugido não combina com o seu carácter). Inventei um desaguisado entre o príncipe e aquele barão, antes da batalha, que levou o primeiro a ordenar ao segundo ficar na vila com os seus homens (Guimarães era vila), a fim de a defender, em caso de necessidade. Soeiro Mendes acatou a ordem, mas contrariado. Durante a batalha, o jovem dá conta do seu erro:


Afonso olhou à sua volta, as perspectivas não eram animadoras. Os guerreiros continuavam espalhados pelo campo, abrindo espaços que poderiam permitir ao inimigo aproximar-se das muralhas. Precisava de mais gente.
Tinha de ir buscar o Grosso!
Custava-lhe dar o braço a torcer, mas mais importante lhe era a vitória, que lhe permitiria a soberania sobre o Condado. Vendo-se livre naquele momento, não quis perder tempo a arranjar um mensageiro e decidiu ele próprio ir ao encontro de Soeiro Mendes.
            Ainda não acabara de contornar o castelo, já o barão vinha à frente dos seus homens, ao seu encontro. Travaram as suas montadas, Soeiro Mendes bradou-lhe:
            - Sempre me viestes dar razão?
            - Porque deixastes o vosso posto, sem a minha ordem expressa? - berrou o príncipe de volta, ignorando-lhe a pergunta.
            - Não houve ataque à vila. Eu bem vos disse que...
            Interrompeu-se, quando Afonso lhe agarrou nos arreios do cavalo e lhe bradou na cara:
            - Nunca vos esqueçais de quem detém o comando, D. Soeiro Mendes!
            Os dois olhavam-se ferozes, quando surgiu um cavaleiro vindo da refrega:
            - D. Afonso! Os homens de D. Fernão Peres aperceberam-se de que deixastes o campo de batalha. Logo se espalhou entre eles o rumor que teríeis fugido para vos enfiardes no vosso castelo. Os nossos olham em volta e não vos vêem, perdem a coragem…
Era imperioso dar a volta à situação, a sua liderança, todo o seu futuro, estavam em jogo, Afonso não se podia permitir uma derrota. Deu ordem de avanço e fez-se ao caminho, com o Grosso e os guerreiros deste na sua peugada. O príncipe entrou no campo de batalha como um raio, berrando de fúria e atirando um cavaleiro inimigo ao chão à primeira pancada da sua maça.
- D. Afonso Henriques regressou!
A palavra espalhou-se, os cavaleiros ganharam ânimo. E, com as forças frescas de Soeiro Mendes, o inimigo, surpreendido e agora claramente em menor número, não tardou a fraquejar. Os primeiros começaram a fugir, os que ficavam, rendiam-se. Alguns, vendo-se perante Afonso, largavam as suas armas e desmontavam, prontos para lhe jurarem fidelidade.


etc...


Afonso Henriques foi, a partir daquele dia, o líder incontestado do Condado Portucalense. Condado que ele transformou em reino, exercendo a regência até à sua morte, em 1185. Foram quase sessenta anos à frente dos destinos de Portugal!

25 de fevereiro de 2011

Adenda ao "post" anterior

Mais uma vez, alguns dos links que publiquei não funcionam. Não sei porque isso acontece, são todos testados, quando escrevo os textos. De qualquer maneira, aqui deixo novamente os que dão acesso aos blogues da Manuela Cruz Dias:

Tertúlia de Sabores (http://tertuliadesabores.blogs.sapo.pt)

Teoria do Tudo e do Nada (http://teoriadotudoedonada.blogs.sapo.pt)

24 de fevereiro de 2011

Um Livro, Um Rei e Um Doce



Foi este o título que a Manuela Cruz Dias, conhecida por Moira na blogosfera, escolheu para um post dedicado a D. Dinis e ao Mosteiro de Odivelas, a propósito do meu livro. A Manuela tem um blogue delicioso, na verdadeira acepção da palavra, pois ela é uma artista da cozinha. Além disso, é uma grande fotógrafa. Tanto as receitas, como as imagens que ela publica no Tertúlia de Sabores, são obras de arte, fica-se logo com vontade de experimentar as iguarias. Aliás, ela foi entrevistada por Pedro Rolo Duarte e João Gobern, a 14 de Agosto de 2010, no programa Hotel Babilónia, da Antena 1. O Pedro Rolo Duarte declarou-se admirador do Tertúlias de Sabores, elogiando o design do blogue e as fotografias da Manuela, chamando a atenção para o facto de que a comida é uma das coisas mais difíceis de fotografar. Para provar que, tanto eu, como o conhecido jornalista, temos razão, é só compará-las com as de outros blogues dedicados à culinária.





Mas a Manuela também gosta de ler e interessa-se por História. Foi por essa razão que eu deparei, em Setembro de 2008, com o post que ela escreveu sobre o meu primeiro livro, A Moura e o Cruzado (que passou a chamar-se A Cruz de Esmeraldas, quando mudei de editora) na Teoria do Tudo e do Nada (o seu outro blogue, onde se pode comprovar o talento dela para a fotografia em geral). Nessa altura, eu ainda não andava pela blogosfera, mas houve trocas de emails entre nós as duas e acabámos por nos conhecer pessoalmente, na Feira do Livro de Lisboa, em 2009.

Agora que ela leu o D. Dinis, decidiu ligar a literatura à culinária. A par da opinião que expressa sobre o  livro, apresenta uma receita conventual do Mosteiro de Odivelas, mandado construir por D. Dinis. E foi lá que o Rei Lavrador ficou sepultado, como já aqui referi.





E aqui apresento eu também os Queques de Especiarias, do Livro de Receitas da última Freira de Odivelas, aproveitando as fotografias da Manuela, claro.





Para ficarem a par desta e de outras receitas deliciosas, é favor irem ao Tertúlia de Sabores. E deleitem-se, que os olhos também comem!


Passatempo (V)

A decorrer, desde ontem, passatempo D. Dinis, no Destante.

23 de fevereiro de 2011

O Cinema Que Temos

Museu de Alberto Sampaio


Enquanto esperamos por uma longa-metragem, digna de Óscar (na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, por exemplo), venho chamar a atenção para um filme animado sobre D. Afonso Henriques, realizado por Pedro Lino, resultante de uma parceria entre o Museu de Alberto Sampaio e a Câmara Municipal de Guimarães. É mais para miúdos, mas, garanto-vos, também agrada a graúdos. Eu adorei! Em cinco minutos e meio, dá-se conta das etapas essenciais da vida do fundador da nacionalidade. Foi o primeiro filme animado que vi sobre ele e espero vir a saber de mais iniciativas deste género.

Não consegui trazer para aqui o vídeo, terão que ir ao site do Museu. É só usar o link. E quem tem filhos, é mostrar-lhes!

É o que temos. E já não é mau!

20 de fevereiro de 2011

Teimosia

Nota: Não pretendo "catequizar" ninguém, apenas, digamos, proporcionar matéria de reflexão. Interesso-me por Psicologia e leio muito sobre o tema. Este post, à semelhança do Relativizar (e outros que se seguirão) resultam dessas leituras e exprimem aquilo que me parece correcto.






A teimosia é vista como um grande defeito, algo a corrigir, principalmente, quando a pessoa "teimosa" ignora conselhos que lhe sejam dados e persiste na sua intenção.

Eu já aqui chamei a atenção para a frase do Prof. Eduardo Sá, autor do livro Sindicato da Bondade: "Ninguém educa com bons conselhos, mas com bons exemplos". Crianças e jovens, principalmente, não têm paciência para ouvir "bons conselhos", preferem ficar à espreita da primeira oportunidade de os contrariar.

Se alguém (seja criança, ou adulto) insiste em fazer algo, claro que se lhe pode dar a nossa opinião, mas seria bom que prescindíssemos de censurar, ou julgar, essa pessoa, por ela levar a sua avante. A melhor maneira de aprendermos algo é cometendo erros.


Eddie


Os animais não entendem a nossa linguagem, o que nos treina a aceitar a teimosia, ao mesmo tempo que nos mostra como as experiências (principalmente, as más) ensinam melhor do que qualquer conselho. Tivemos um cãozinho (o nosso saudoso Eddie) que, em cachorrinho, insistia em transportar pauzitos na boca ao comprido, assim como se de um charuto se tratasse. Tínhamos medo que ele se magoasse e fazíamos trinta por uma linha para lhe dar a entender que era muito melhor transportar aquele objecto atravessado. Em vão, claro. Por outro lado, não queríamos impedir que ele brincasse com pauzitos e íamos aturando aquele comportamento. Até ao dia em que um pauzinho bateu no chão e a outra extremidade lhe foi de encontro ao céu da boca. O Eddie ganiu com dores. Mas, a partir daí, transportou sempre os pauzitos como devia ser!

Os pais gostariam de poupar os filhos a experiências más e/ou dolorosas, mas, na verdade, assim se aprendem as lições para a vida. Como nos diz o psicólogo alemão Karl König, a aprendizagem resultante da sequência tentativa/erro é essencial para a criança. O papel dos pais será mais o de acompanhantes, mostrando compreensão para os problemas e as angústias dos filhos, independentemente da idade destes. Claro que também são orientadores, mas, na medida do possível, sem julgamentos ou censuras. Não é vergonha nenhuma admitir que se errou, pelo contrário. Por isso, será bom evitar frases do género: "Estás a ver? Eu bem te disse. Bem feito!" Isto gera vergonha, por se ter errado. E, ainda, raiva, revolta e falta de confiança nas próprias capacidades.



Foto recebida por email sem indicação da fonte


Em vez de teimosa, eu prefiro dizer que sou persistente, que tenho objectivos a atingir e que não deixo que ninguém me impeça de fazer aquilo que acho certo (não vale prejudicar terceiros, claro). Se, mais tarde, constato que estava errada, resta-me a grandeza de o admitir. Sem vergonha!

16 de fevereiro de 2011

O Cerco a Guimarães e a Lenda de Egas Moniz

Egas Moniz na corte de D. Afonso VII


Todos nós conhecemos a lenda de D. Egas Moniz de Ribadouro, que se apresentou, junto com a família, a el-rei D. Afonso VII, primo de D. Afonso Henriques, com uma corda à volta do pescoço, para que o monarca pudesse fazer justiça. Egas Moniz via-se impossibilitado de manter a sua palavra, ao prometer a D. Afonso VII, por altura do cerco a Guimarães, que o primo lhe prestaria vassalagem.

Durante muitos séculos, acreditou-se que este acontecimento fosse verídico. Na verdade, terá sido obra de um trovador da corte de D. Afonso III, pai de D. Dinis, chamado João Soares Coelho. Na segunda metade do século XIII, a família de Ribadouro estava extinta, mas João Soares Coelho era descendente dela por linha bastarda. A fim de honrar o seu antepassado, criou um cantar épico, a Gesta de Egas Moniz, onde se contava o episódio. Este entranhou-se no imaginário colectivo e foi incluído nas crónicas medievais, como se de um facto se tratasse.

De facto, a lenda (como todas as lendas, baseada em acontecimentos verídicos) apresenta algumas incongruências. Está historicamente provado que existiu o cerco a Guimarães, no Outono de 1127. O que fica por dizer é que, nessa altura, era D. Teresa quem regia sobre o Condado Portucalense, pois ainda não se tinha dado a batalha de São Mamede! Afonso Henriques, com cerca de dezoito anos, era um jovem infante (por sua mãe se intitular rainha), que não tinha ainda travado nenhuma batalha, nem feito uma conquista que fosse!




D. Teresa


D. Teresa hesitava em prestar vassalagem ao sobrinho. E o jovem monarca, andando pela Galiza, terá resolvido cercar Guimarães, a fim de pressionar a tia, que estaria em Coimbra. Não se sabe se exigiu a vassalagem ao primo, mas talvez tencionasse puxá-lo para o seu lado, isolando a mãe.

E terá alcançado o seu objectivo! Afonso Henriques começou por oferecer resistência, pois houve alguns dias de combates (terão sido os seus primeiros combates "a sério"). Mas cedo constatou que travava uma luta inglória. Talvez fosse Egas Moniz, quem negociou uma solução com el-rei. Foi essa a minha opção, afinal, há uma lenda a seguir:

 
            - São por demais conhecidas as intenções rebeldes dos senhores portucalenses.
            - E é vosso primo o regente do Condado?
            - Não. Mas chegou-me aos ouvidos que ele é venerado pelos mais poderosos. E que se intitula infante, ou mesmo príncipe! Com que direito? Ele será, no máximo, um conde, e isso, só quando substituir a sua mãe. Ficará, para sempre, um vassalo da coroa leonesa, como o seu pai antes dele. É isso mesmo que eu quero que fique claro entre nós.
            Aclarando a garganta, Egas retorquiu, num tom que denunciava intimidade:
            - Aqui entre nós, alteza, vosso primo é um jovem inteligente, de bom coração, a quem meu irmão Ermígio e eu próprio demos uma educação esmerada. Mas é também orgulhoso e, desculpai-me a franqueza, teimoso que nem um asno! Reconheço que a política interna do Condado Portucalense passa por uma fase confusa. Mas lembro que a regente é sua mãe. Vosso primo, no fundo, não tem autoridade para assumir a submissão de vassalagem. O que quer dizer que, mesmo que ele vos preste agora homenagem, poderia, mais tarde, anular a validade de tal juramento.
            - Há uma certa verdade nas vossas palavras, D. Egas Moniz - replicou o rei pensativo, tamborilando com as pontas dos dedos no braço do cadeirão. Depois, declarou: - Fiquemos, então, por uma prova da sua amizade!
- Prova de amizade, alteza?
- Exactamente. A fim de me assegurar a sua colaboração em tempos futuros.
            - E de que maneira seria dada essa prova?
            - Tenho que regressar à Galiza, onde deixei casos pendentes. Gostaria que meu primo me acompanhasse, para que nos conhecêssemos melhor e para que ele subscrevesse os meus diplomas.
            Egas respirou fundo e perguntou:
            - Se eu vos prometer que ele irá convosco, poreis fim ao cerco?
            - Imediatamente.
            - Dou-vos, então, a minha palavra, meu rei e senhor.

Na já aqui falada biografia do nosso primeiro rei, o Prof. Mattoso prova que ele confirmou, com a sua assinatura, três importantes diplomas de D. Afonso VII, lavrados a 13 de Novembro de 1127, em Santiago de Compostela (pouco depois do cerco a Guimarães). O que até terá agradado a Afonso Henriques:


Afonso achava agora perceber o que levara seu primo a pôr cerco a Guimarães. D. Teresa insistia em considerar a Galiza como sua parte da herança, o que, com certeza, causava valentes dores de cabeça a Afonso VII. Ora, se este conseguisse captar a amizade do infante, que representava o futuro do Condado Portucalense, matava dois coelhos com uma cajadada: livrava-se das exigências da tia e assegurava um colaborador!
Por seu lado, Afonso só tinha a ganhar com esta história: convencia o primo das suas boas intenções, sem, ao mesmo tempo, lhe prestar vassalagem, pois ainda não possuía autoridade para tal. Uma simples promessa de amizade não tinha qualquer valor legal. Além disso, o facto de el-rei se contentar com uma solução que salvava a honra das partes, sem resolver o problema de fundo, agradava a Afonso, fazia-o sentir-se em vantagem neste primeiro contacto entre eles, sem a interferência de terceiros.

Afonso Henriques terá, mais tarde, posto Egas Moniz em dificuldades, ao não levar a sério esta "prova de amizade". Depois de São Mamede, conquistou territórios galegos, mandando mesmo construir um castelo em Celmes, desafiando o poder do primo.

13 de fevereiro de 2011

A Investidura de D. Afonso Henriques

À semelhança do que acontece com o seu nascimento, também não há certezas quanto à data em que D. Afonso Henriques foi armado cavaleiro. Oscila entre 1120 e 1126. Assim se desconhece igualmente a sua idade, à altura. Eu segui a versão do Prof. Mattoso, na já aqui citada biografia, que aponta Março de 1126. E, como escolhi o ano de 1108 para o nascimento do nosso primeiro rei (por razões de enredo), ele teria, então, 17 ou 18 anos.

Quanto ao local, não há dúvidas: Zamora. E porquê Zamora, se o jovem D. Afonso estava tão ligado aos barões portucalenses? Na verdade, o senhorio desta cidade leonesa pertencia, junto com Astorga, a D. Teresa, como sinal da sua vassalagem a el-rei de Leão. Era costume o suserano dar, ao seu vassalo, o senhorio de territórios que lhe pertenciam, precisamente, como sinal da obediência deste.


Catedral de Zamora


Segundo o Prof. Mattoso, Zamora teria ainda outro significado. A irmã de D. Teresa havia falecido e o filho desta, D. Afonso VII, primo do nosso D. Afonso, dava os primeiros passos do seu reinado. A fim de afirmar o seu poder, o jovem soberano exigiu a fidelidade dos barões dos reinos que lhe pertenciam: Leão, Castela e Galiza. D. Teresa hesitava em prestar-lhe vassalagem (como o filho, a seguir a ela) e o sobrinho marcou encontro com ela, em Março de 1126, no lugar de Ricobayo, perto de Zamora. A investidura de D. Afonso Henriques seria, assim, uma tentativa, por parte de D. Teresa, de impressionar o sobrinho rei, mostrando-lhe que tinha um herdeiro para o reino da Galiza, que ela reclamava para si:


Uma chama de fúria assomou nos olhos castanhos da rainha, que, porém, logo se apagou. D. Teresa ensaiou até novo sorriso, ao dizer:
- Esses ricos-homens que me abandonaram parecem adorar-vos. Com certeza que lhes agradará a vossa investidura de cavaleiro.
Ao aperceber-se das verdadeiras intenções de sua mãe, o jovem sentiu uma ponta de desilusão. Mas retorquiu, em tom despreocupado:
- Agora compreendo o vosso repentino interesse pela minha pessoa. Exibindo-me, não só reforçareis as vossas exigências perante meu primo, como agradareis aos senhores portucalenses.


Foto de José Filipe

Para se ser digno da investidura, havia que cumprir um ritual:


Foi então em Zamora, nas margens do rio Douro, cidade leonesa que pertencia ao senhorio de sua mãe, que Afonso Henriques foi armado cavaleiro, em Março de 1126.
            Os combatentes a cavalo não precisavam de ter obrigatoriamente origem nobre, mas o cavaleiro originário da alta nobreza era considerado um guerreiro divino, ao serviço de Deus, combatendo os infiéis e protegendo os pobres e os fracos. Para se alcançar este estatuto, havia que cumprir um ritual. Também Afonso purificou o corpo e a alma: tomou banho, jejuou um dia inteiro e passou a noite em vigília, numa capela. De manhã cedo, entrou na catedral de Zamora, envergando uma vestimenta branca e comprida, que ostentava a cruz azul do Condado Portucalense. O bispo abençoou a espada e as esporas, em cima do altar. Afonso tomou-as, armando-se ele próprio.


Ponte medieval sobre o Douro, Zamora

Como se vê, Zamora tem ainda um significado especial, que não terá contado para a decisão de D. Teresa, mas que não deixa de ter um certo encanto, para nós portugueses: fica situada na margem direita do rio Douro. E é uma cidade belíssima, a hora e meia de carro de Bragança, merece uma visita.


Zamora, nas margens do rio Douro

9 de fevereiro de 2011

A Rainha D. Teresa

O facto de o reino de Portugal ter tido a sua origem numa luta entre mãe e filho, com um amante da primeira pelo meio, à semelhança do complexo de Édipo, já deu azo às mais variadas interpretações. No entanto, disputas familiares eram frequentes na Idade Média, em que os reinos mais não eram do que "propriedade familiar", que se transmitia de geração em geração.

A tradição atribuiu a D. Teresa o papel de vilã, a viúva que se envolveu em aventuras amorosas, prejudicando o próprio filho, obrigando-o a revoltar-se. A realidade terá sido um pouco diferente e D. Teresa merecia um lugar bem mais prestigiante na nossa História (o que, aliás, vem acontecendo, nos últimos anos). Tanto ela, como a irmã D. Urraca, afirmaram-se num mundo de homens, dirigindo os destinos de vastos territórios.


A Esfera dos Livros


O desejo de D. Afonso Henriques se tornar rei teve origem na própria mãe. D. Teresa intitulou-se rainha e reclamava para si a Galiza, como parte da herança de seu pai, o imperador D. Afonso VI. Junto com D. Fernão Peres de Trava, o mais poderoso nobre galego, planeava a junção do Condado Portucalense à Galiza. Porém, além da oposição de sua irmã, regente dos reinos de Leão e Castela, D. Teresa via-se a braços com a resistência dos barões de Entre Douro e Minho, a quem não agradava o protagonismo de Fernão Peres de Trava. Estes representantes das mais poderosas famílias portucalenses abandonaram a corte da rainha, em Coimbra, e reuniam-se em conspirações no Paço de D. Paio Mendes da Maia, arcebispo de Braga:


- A D. Fernão Peres foi concedida a tenência de Coimbra, - lançou Soeiro Mendes Grosso, cheio de desdenho.
- A maior humilhação, - atalhou Paio Soares - é o facto de D. Fernão nos limitar a confirmantes de documentos, tirando-nos qualquer papel de protagonismo na luta contra os almorávidas. Acaso esquece ele que foram os senhores da Maia que conquistaram o castelo de Montemor-o-Velho, às portas de Coimbra, numa altura em que aquelas terras ainda estavam nas mãos dos infiéis? - Acrescentou, orgulhoso: - Todos os meus antepassados participaram nas campanhas da Beira, comandadas por el-rei D. Fernando, o Magno, que culminou com a conquista da própria cidade de Coimbra.
- E vosso pai, - completou o arcebispo - o meu falecido irmão, foi governador de Santarém, ao tempo em que essa cidade pertencia ao imperador D. Afonso VI, mas que, infelizmente, se encontra novamente em poder da mourama.
Perderam-se em lembranças, recordaram glórias militares, sentados em redor da lareira do arcebispo. Também a família de Egas Moniz se podia orgulhar dos seus pergaminhos. Os Gascos, antepassados dos Ribadouro, tinham combatido igualmente os mouros, antes da conquista de Coimbra, e intervindo na ocupação do vale do Douro, a leste da foz do rio Paiva. A indignação contra o galego Fernão Peres de Trava, que se atrevia a tomar conta dos destinos do Condado Portucalense, ia crescendo. Os ânimos exaltaram-se, o arcebispo acabou a bradar:           
- Pois eu, meus senhores, com a autoridade que Deus delegou nas minhas mãos, declaro a ligação entre D. Teresa e D. Fernão Peres incestuosa!
            - Pelo amor de Deus, eminência, - assustou-se Egas Moniz.
            - Bem sabeis que a nossa rainha já andou de amores com D. Bermudo Peres de Trava, o próprio irmão do actual amante.
            - O mesmo D. Bermudo, - acrescentou Ermígio Moniz - que casou há meses com a sua filha D. Urraca Henriques. D. Teresa fez do amante seu próprio genro.


O jovem Afonso Henriques era educado pelos irmãos Ermígio e Egas Moniz, que pertenciam à vaga de senhores descontentes. Por outro lado, começou a participar na corte de sua mãe, a partir dos catorze anos, confirmando os documentos mais importantes. A sua assinatura figurava ao lado da do próprio Fernão Peres de Trava. Mas a situação tornou-se insustentável. Por um lado, os barões portucalenses exerciam pressão sobre ele; por outro, o conde galego representava realmente uma ameaça ao seu direito de sucessão:


             D. Paio Mendes aclarou a garganta e retorquiu:
            - Bem... o que está em causa é o facto de ela ter estabelecido uma relação... íntima com a parentela do conde de Trava. Muitos de nós receiam que o Condado caia nas mãos de D. Fernão Peres.
            Estas palavras puseram Afonso desconfortável, fizeram-no lembrar que a sua estadia em Coimbra não correra como ele planeara. Apesar de ter confirmado vários documentos, não conseguira falar a sós com sua mãe sobre o seu verdadeiro papel na corte. Fernão Peres esgueirava-se por entre eles como uma serpente, com os seus olhos verdes, que a Afonso se assomavam venenosos. Os Trava eram famosos por aquela cor rara, gabava-se a beleza das suas mulheres. E os olhos verdes de D. Fernão tinham, pelos vistos, enfeitiçado a sua mãe.
O que mais desiludira o jovem, porém, fora a indiferença de D. Teresa perante as suas dúvidas. Contara com o interesse e o apoio dela, mas sua mãe mantinha-se distante. Afonso ainda tentara interessá-la pela sua instrução guerreira. Ela, porém, tinha-o despachado com um gesto impaciente, exactamente como fazia quando ele era pequeno. O que criara perguntas incómodas na cabeça do infante: teria que aguentar, para sempre, a sombra de Fernão Peres atrás de si? Que planos teria sua mãe para o futuro? E porque não os revelava ao seu único varão?

6 de fevereiro de 2011

Data e Local de Nascimento de D. Afonso Henriques

D. Henrique e D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques


Muito se tem escrito e discutido sobre a data de nascimento de D. Afonso Henriques, pois estamos na altura do seu 900º aniversário, já que ele terá vindo ao mundo entre 1106 e 1111. Em 2009, reavivou-se a polémica iniciada nos anos 90, quando Viseu comemorou o aniversário, reclamando-se "berço do nosso primeiro rei". O historiador A. de Almeida Fernandes defendeu que o fundador da nacionalidade terá nascido naquela cidade, em Agosto de 1109.


De facto, na sua biografia de D. Afonso Henriques (Temas e Debates 2007), o Prof. José Mattoso, um dos maiores especialistas de História Medieval Portuguesa, considerou, na página 27, que "a demonstração feita por Almeida Fernandes alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário."




Os vimaranenses não se conformaram. Barroso da Fonte, licenciado em Filosofia, jornalista e autor de vários livros em poesia e prosa e que, entre muitas outras funções que já exerceu na sua vida, foi Director do jornal O Comércio de Guimarães, assim como do Paço dos Duques de Bragança e do Castelo de Guimarães,  publicou Afonso Henriques: um Rei polémico (reimpressão 2010, Âncora Editora), onde, além de defender a tradição, relata a polémica à volta deste tema.




Com iniciativas destas, os defensores da tradição de Guimarães foram acusados de serem movidos apenas por interesses bairristas. Afinal, os especialistas defendiam a hipótese de Viseu e, por mais que custasse aos vimaranenses, teria que se reescrever a História!

A verdade, porém, é que o próprio Prof. Mattoso tem vindo, há cerca de um ano, a distanciar-se da tese de Almeida Fernandes. Começou por afirmar, num colóquio internacional, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, de 14 a 16 de Dezembro de 2009, que "o valor da hipótese do nascimento em Viseu depende do grau de certeza relativo ao ano. Ora, havendo contradição entre as fontes, não se pode considerar seguro o ano do nascimento sem discutir o seu valor. Consequentemente também o lugar é incerto." Reiterou esta opinião no seu contributo para a História dos Reis de Portugal (Quidnovi 2010).





Num estudo publicado na Medievalista online Nº 8, o Dr. Abel Estefânio chega à conclusão de que os anos mais prováveis para o nascimento de D. Afonso Henriques são os de 1106 e 1110. As divergências "resultam dos problemas de transmissão textual, da complexidade e da confusão entre os diferentes métodos de cálculo de datas utilizados, num tempo em que não havia calendários".

Exponho, agora, o que, quanto a mim, invalida a tese "Agosto de 1109, em Viseu", à semelhança do que fiz na Nota Final do meu romance Afonso Henriques o Homem. Na citada biografia, em que o Prof. Mattoso nos diz que a hipótese de Viseu é a mais provável, lê-se, algumas páginas mais à frente (página 31) que D. Afonso VI, por ocasião das Cortes de Toledo no Verão de 1108, rompeu o vínculo de fidelidade com o genro, o conde D. Henrique, pai do nosso primeiro rei. Este teria, então, encetado uma viagem à sua Borgonha natal, regressando cerca de um ano mais tarde, no Verão de 1109. Ora, se D. Teresa não o acompanhou, ficando o casal afastado um do outro durante um ano, como poderia D. Afonso Henriques nascer à altura do regresso do pai? Para nascer em Agosto de 1109, o fundador da nacionalidade teria que ser gerado em Dezembro de 1108. Mas, nessa altura, pelos vistos, seu pai estava na Borgonha, enquanto sua mãe se quedava por terras portucalenses!!!

Talvez os historiadores devessem, de vez em quando, considerar os aspectos prosaicos da vida





Não há um outro lugar no nosso país, onde se sinta tanto a presença de D. Afonso Henriques, como na chamada Colina Sagrada, coroada pelo Castelo de Guimarães.



E, sendo as fontes tão contraditórias, minando as hipóteses de que este problema algum dia possa ser resolvido, fiquemo-nos pela tradição: D. Afonso Henriques nasceu entre 1106 e 1111, em Guimarães!


4 de fevereiro de 2011

Delito de Opinião

Hoje também estou no Delito de Opinião.

Agradeço ao Pedro Correia esta oportunidade e desejo sucesso e felicidades a todos os membros da equipa.

2 de fevereiro de 2011

Quando Lisboa Tremeu


Uma boa ideia, já cá faltava um romance que desse a dimensão da tragédia. Gostaria, no entanto, de fazer um reparo, algo que me irritou durante toda a leitura.

É verdade que um inglês, por mais tempo que viva em Portugal, nunca conseguirá falar Português correcto. E também é verdade que o Inglês se tornou numa língua universal.

Mas estamos no século XVIII! Gostava que me explicassem como é que um homem, que passa o tempo todo a dizer coisas do género: "Damn! Eu forgot que eles are coming", é entendido por uma escrava e mais uma data de gente que nunca aprendeu línguas!

Um doce a quem me der uma explicação verosímil!