Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de maio de 2012

Crime na Feira do Livro


Mord auf der Buchmesse, em alemão, ou The Bookfair Murders, em inglês, é um policial de Anna Porter sobre dois importantes agentes literários americanos assassinados durante a Feira do Livro de Frankfurt. Um tema, sem dúvida, original e interessante.

O livro introduz-nos num mundo literário a milhares de léguas de distância do nosso (e do europeu, em geral). Trata-se de um mundo em que os autores de best-sellers, ao assinarem um contrato com uma editora, recebem, em adiantado, de dez a vinte milhões de dólares. Também há adiantamentos para livros que ainda nem sequer foram escritos! Acrescente-se que estas somas são calculadas, não só em função dos livros que se venderão, mas, igualmente, dos filmes e/ou séries de TV que virão a ser realizados, baseados na respetiva obra.

Este negócio é dominado pelos agentes literários. Na América, nenhum escritor é levado a sério se não se fizer representar por um agente. São eles que negoceiam com as editoras, em sistema de leilão, isto é, o agente, na posse de um novo original, contacta as editoras e oferece-o àquela que pagar mais (pelo menos, assim se passa com autores conhecidos). São precisamente dois destes agentes, que movimentam milhões de dólares, as vítimas da Feira de Frankfurt.

O livro, no entanto, desilude um pouco. Depois do começo fulminante e, enquanto o leitor espera ansiosamente pelas investigações do inspetor de polícia alemão, há uma mudança de cenário. A personagem principal, uma editora americana famosa, regressa a casa e envolve-se em confusões com uma das suas autoras e a sobrinha desta. Na verdade, tudo isso tem a ver com os crimes ocorridos em Frankfurt, mas isso não é evidente para o leitor, que fica com a sensação de que se está a perder tempo e desejando que o enredo volte ao assunto inicial. Só muito perto do fim é feita a ligação.

De qualquer maneira, pelo menos, para mim, foi muito interessante ver como funciona o mercado editorial americano, que dá ao livro, sem o mínimo de pudor, um estatuto não assumido pelo europeu: um produto comercial, onde o conteúdo é o menos importante.

Não há versão portuguesa e The Bookfair Murders só é adquirível na Amazon (com uma capa, aliás, horrível, na minha opinião).


Da autora, Anna Porter, só encontrei um livro na Wook e na Bertrand, igualmente em inglês, com o título Kasztner's Train.

29 de maio de 2012

Passeio de barco

Olha, isto é interessante!

Então, isto é que é andar de barco... Está bem!

Já chega de água. Deixa-me ver o que está debaixo desta mesa.

Ao colo do dono, a apanhar sol, também não se está mal.

27 de maio de 2012

Pré-Publicação #9


Caíram os dois sobre a palha. O mundo dos pensamentos, dos cálculos, das considerações, da consciência, deixou de existir. Apenas sensações existiam, impulsos inexplicáveis, uma paixão quente e arrebatadora, dois corpos que pareciam precisar um do outro para sobreviver. O que mais a surpreendia era a sensação de liberdade. Sentia-se livre de obrigações, de culpa, de pecado. Aquela união parecia-lhe tão natural, quanto divina. Necessária!
Só quando o êxtase chegou ao fim, ela começou novamente a aperceber-se do local onde se encontravam: o cheiro da palha fresca em que estavam deitados, o silêncio que os rodeava, interrompido aqui e além pelo resfolegar dos cavalos.
Permaneciam deitados, enroscados um no outro, como se pudessem eternizar aquele abraço. Ela não se atrevia a falar, com medo das palavras que lhe apetecia dizer. E esperava que ele também não o fizesse. No dia seguinte, ele desapareceria da sua vida, para sempre, e ela faria penitências, a fim de redimir aquele pecado.

25 de maio de 2012

Faca de dois gumes

Mais um excerto da entrevista a Isabel Zambujal, publicada na OML nº 107 e conduzida por João Morales:

Como comentas o sucesso deste tipo de livros, entre auto-ajuda, conversas com Deus e fórmulas infalíveis para ser feliz?


A resposta está nas palavras "ajuda" e "feliz". Há muitas pessoas perdidas nas suas próprias vidas e escolhas. Não são a minha opção de leitura, mas este género de livros torna-se para muitos uma ferramenta de análise e reflexão que cada um tem o direito de usar como bem entende. Já lá vai o tempo em que se queimavam livros na fogueira para ninguém os poder ler.

Considero esta resposta honesta e lúcida. O livro é, acima de tudo, um meio de transmitir cultura. Mas, quem idealiza o livro como tal, esquece-se que ele é, igualmente, uma faca de dois gumes. O seu conteúdo tanto pode ser nobre, como burlesco, vulgar, ou, até, prejudicial.

Mas quem decide o quê? Os editores, em princípio, separam o trigo do joio, mas não há ninguém detentor da verdade absoluta. E, do outro lado, há as modas, os gostos e as necessidades dos leitores, aliados ao imperativo de vender livros. Não deve ser fácil manter o equilíbrio sobre trilho tão estreito e íngreme...

24 de maio de 2012

A Moura em alemão

Deu-me um trabalhão, mas consegui traduzir A Cruz de Esmeraldas para alemão. O meu marido teve de ajudar, porque o alemão é uma língua desgraçada. Mesmo depois de 20 anos de Alemanha (e uma licenciatura em Estudos Ingleses e Alemães) ainda não consigo escrever isenta de erros!

Mas o Horst não só corrigiu o texto, como modificou a capa, para que eu possa pôr o romance como ebook à disposição. Descubra as diferenças:










Dei-lhe o título original: A Moura e o Cruzado. Para já, só parentes, amigos e conhecidos me farão o favor de descarregar (e talvez ler) este livro.

Se alguém conhecer alguém que queira ler o livro em alemão, pode fazer o download aqui.





22 de maio de 2012

A solidão (ou não) de quem escreve

A escrita tem essa extraordinária vantagem de, mesmo sendo um acto solitário, nos afastar da solidão. Claro que ler também tem esta particularidade, mas escrever ainda é mais intenso. As personagens não nos são apresentadas, somos nós que temos o poder de as criar.

(excerto da entrevista a Isabel Zambujal, conduzida por João Morales e publicada na OML nº 107)

21 de maio de 2012

Febre de Sábado à Noite


Não se riam. Eu tinha 13 anos e adorava. À falta de um gira-discos em casa, aproveitei umas férias em Andorra, no Verão de 1978, para comprar um gravador de cassetes (naquela altura, esses aparelhos eram mais baratos por lá). E a primeira cassete que adquiri, o primeiro registo de música gravada da minha vida, foi precisamente a banda sonora do Saturday Night Fever.

O filme só o vi anos mais tarde. É muito brutal, nomeadamente, na maneira como os homens viam as mulheres. Mas Saturday Night Fever é mais do que isso: é o retrato dos primeiros tempos das discotecas, o que tem charme. E ainda acho que o Stayin' Alive é uma das melhores canções de todos os tempos, com uma magia muito própria.

Fiquei, por isso, triste, ao ouvir a notícia da morte de Robin Gibb. Dos quatro irmãos, resta o mais velho, Barry. Curioso, como se foram primeiro os mais novos, com o Andy, aquele que nunca pertenceu aos Bee Gees, à frente.


20 de maio de 2012

Por associação

Há qualquer coisa enternecedora num partido que se propõe rechaçar os ditames da troika, que impõe os interesses da Alemanha, ao mesmo tempo que perfilha uma ideologia alemã. Ou talvez não seja enternecedor. Mas é qualquer coisa. E das interessantes.

Assim termina Ricardo Araújo Pereira a sua crónica "Boca do Inferno", de 17 de Maio, em que comentava o facto de o partido da extrema-direita grega ter obtido bons resultados nas eleições. E eu lembrei-me do meu Cloning Adolf, o ebook que pus à disposição, ali, na barra lateral. Porque, a páginas tantas, pode ler-se o seguinte:

    “Esta gente não pode ser nazi.”
    “Ora essa!”
    “Pertencem a grupos étnicos diferentes, enquanto Hitler pregava a supremacia da raça ariana.” Olhou-me irónica e acrescentou: “Não é preciso ter ganho o prémio Nobel para perceber que não dá a bota com a perdigota.”
    Ergui os ombros:
    “A verdade é que a ideologia hitleriana arranjou adeptos no mundo inteiro, logo a seguir à morte do sujeito, até nos países que sofreram os horrores do nazismo.”
    “Mas isso não faz sentido.”
    “O que prova que só gente psicologicamente afetada se pode entusiasmar por uma aberração dessas.”


E, já que estou com as mãos na massa, aqui vai mais um excerto:

    “Não gosto de estrangeiros”, disse ela, de repente.
    “Como?”
    “A França tornou-se num país de imigrantes, que nos tiram o trabalho e destroem os nossos costumes e tradições. Participei durante anos em comícios e demonstrações da extrema-direita, mas de nada adiantou. No entanto, sob as ordens do nosso Führer dominaremos o mundo!”
    “Sra. Relot, permita-me lembrar-lhe a coragem de certos franceses do século XX, que arriscaram as próprias vidas, e muitos perderam-na, a fim de expulsar os nazis da sua terra! Nunca ouviu falar da Résistance?”
    Ela olhava-me como se eu tivesse falado chinês. Mas eu já não me segurava:
    “Que significa isso de não gostar de estrangeiros? Todos nós o somos, em determinadas circunstâncias. Você própria, minha senhora, é uma estrangeira, aqui no meu país. E o que são os seus compinchas nazis? Nazis dos quatro cantos do mundo? Um bando de estrangeiros! Quando dominarem o planeta, que costumes e tradições adotarão? Franceses? Americanos? Alemães?”
    Dei conta que a minha voz tinha aumentado de tom, as últimas palavras haviam sido quase gritadas. Mais alguém me teria ouvido? Receoso, pus-me à escuta de passos... Mas nada aconteceu. Só a Sra. Relot me continuava a fixar, como se eu fosse uma criatura exótica. Perguntei-lhe:
    “Entendeu-me, minha senhora?”
    “Claro, não sou surda.”
    “E então?”
    “E então, o quê?”
    “Não tem nada para me dizer?”
    “Absolutamente nada.” Acrescentou, presunçosa: “Eu não me deixo levar em cantigas. Todos nós idolatramos o Führer e, sob o seu comando, dominaremos o mundo. Mas só se o senhor, meu caro Professor, fizer o seu trabalho e acabar com os seus discursos demagógicos!” Olhou-me desconfiada: “O senhor é comunista?”

Fazer o download aqui, ou clicando na imagem da barra lateral.


19 de maio de 2012

Eh, valente soldado!

O toureiro francês mais famoso acabou com a perna perfurada na praça de touros de Madrid mas voltou à arena, ainda a sangrar, para matar o animal.

Adoro coisas destas!

O touro não teve hipótese de escolha, viu-se, de repente, numa arena. Quando foi atacado, defendeu-se. E, quando julgava que não o molestavam mais, eis que surgiu o agressor, qual Cristo ressuscitado a sangrar das chagas (que isto, já dizia o Tomé, é ver para crer, não fosse o touro pensar que se tratava do irmão gémeo) e deu cabo dele.

Garanto-vos: se isto é um homem, ainda dou em lésbica!


18 de maio de 2012

Passatempo (IX)


Passatempo a decorrer, até ao dia 26 de Maio, n'As Leituras do Corvo. É só responder a três perguntinhas, muito fáceis, para quem frequente aqui o Andanças. Haverá dois vencedores, com direito a livro autografado.
Boa sorte!


17 de maio de 2012

Sem papas na língua

Portugal era e é muito pequeno. Mas havia de ter nascido mulher em 1943! Aí era mesmo uma redoma asfixiante. Na minha família, para além da redoma do salazarismo, havia aquela imposta pela Igreja Católica e pela minha mãe. Eu tinha umas dez redomas a asfixiar-me, não podia respirar. Só aguentei porque me fui embora. Os meus pais perceberam que eu ia explodir. Eu era menor, não podia sair sem autorização deles. Se não tivesse saído de Portugal, ter-me-ia suicidado em 1972.

Com os meus colegas masculinos, percebi que eles iam para a cama com as alunas, e digo: “Vocês não estão bons da cabeça!” Diziam uns aos outros: “Aquela vai à cama?! Se soubesse, tinha-lhe dado melhor nota.” Isto assim, à minha frente! Eu dizia: “Esperem ao menos que elas acabem a licenciatura.” Mas os meus colegas achavam normalíssimo ir para a cama com as alunas. Em Portugal há a promiscuidade do sexo e a promiscuidade do parentesco.


16 de maio de 2012

Fotografia

Quem gosta de fotografia, não deve deixar de visitar o site do Manuel Varzim. Lamento não ter aqui nenhuma para amostra, mas elas estão protegidas contra a cópia. E faz sentido, quando se trata de obras de arte. Cliquem, que vale a pena!

15 de maio de 2012

Novo regresso de Sherlock Holmes


O detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle continua a inspirar cineastas. Guy Ritchie (também conhecido por ser o ex-marido de Madonna) realizou, em 2009, este filme, com Robert Downey Jr. e Jude Law nos principais papéis. Existe já a sequela, A Game of Shadows, com os mesmos atores.

Achei interessante, mas não posso dizer que tenha gostado. O ritmo é tão acelerado, que quase não temos tempo de raciocinar sobre o que está a acontecer. Dir-me-ão que sou antiquada, mas penso que um ritmo destes não se adequa à época vitoriana. E o enredo entra muito no fantástico, ou seja, o verosímil é sacrificado em nome do espetáculo (o que não corresponde às minhas preferências).

De qualquer maneira, penso que o trabalho do realizador é de louvar, há sequências muito bem engendradas e boas cenas em câmara lenta, acompanhadas de efeitos sonoros a condizer. Além disso, o caráter do detective está bem conseguido. Sherlock Holmes tem um cérebro genial, mas, como pessoa, é difícil de suportar, criando uma relação de amizade/ódio interessante com Dr. Watson, em que há mais ironia do que no original de Sir Arthur Conan Doyle. Ah... E há uma mulher na sua vida!

Como alternativa, podem-se adaptar as aventuras de Sherlock Holmes ao ritmo do século XXI, situando-as na nossa era. Um Sherlock Holmes com telemóvel, GPS e internet? Na verdade, a BBC já produziu essa série, que me agrada bem mais do que o filme de Guy Ritchie.


A série intitula-se simplesmente Sherlock. O detetive é representado por Benedict Cumberbatch e o Dr. Watson por Martin Freeman. Já foram produzidos dois blocos de três episódios cada um. Eu só vi o primeiro bloco, de 2010, pois passou na televisão alemã, e não me consta que o segundo já tenha passado. Todos os seis episódios existem em DVD e Blu Ray. Deixo-vos com um trailer:


Adenda: mais sobre esta série aqui.

13 de maio de 2012

Pré-publicação #8


Embrenhou-se na serra, correndo sem parar, com a trouxa na mão. Não fugia apenas do mosteiro. Fugia também do turbilhão de sentimentos que alastrava no interior do seu peito, como o vinho de um cálice tombado numa toalha de linho. Fugia, como se o virar das costas à mancha negasse a sua existência.
Mesmo quando já sentia falta de ar e as pernas lhe doíam, ela continuou a galgar os caminhos íngremes da serra.
Chegou ao moinho de rastos e deixou-se cair no chão, a respirar às golfadas.
Não deu conta de se acalmar. A certa altura, tomou consciência do frio, dos pés gelados, sem saber há quanto tempo ali se encontrava. Rastejou até ao canto das mantas e assim ficou, tolhida, sem expressar qualquer reação. Ignorava fome e sede, ignorava tudo o que significasse vida, esse albergue de sensações e pensamentos que a aterrorizavam.
Só ao escurecer foi acordando daquele transe, que ia, enfim, sendo perfurado pelos espinhos da dor.

12 de maio de 2012

Opinião "Cloning Adolf"



O Manuel Cardoso já deu a sua opinião sobre o ebook que pus gratuitamente à disposição:

No meio dos fanáticos, como acontece em qualquer canto do mundo, também havia um português: o hilariante José Cebolo, um nazi que gostava de bom vinho e boas comidas (só um português podia curar as mazelas de Hitler com vinho tinto).

Alguns dos personagens deste livro são exemplos perfeitos de seres humanos que perderam tudo quanto se possa considerar “vontade própria” ou personalidade. E essa “desconstrução” do ser humano é assustadoramente possível. Basta que se cultive a ignorância e a estupidez.

Para ler no Dos Meus Livros e no Destante.

Descarregar o ebook aqui.

11 de maio de 2012

Pagar o que é devido

Apesar de ser uma ideia utópica (mas o que seria de nós sem a utopia?), aqui vai: e que tal se os diversos integrantes do meio editorial pagassem o que é devido? Tal como está, o setor caminha para o abismo, porque ninguém paga a ninguém: as editoras não pagam à gráfica, as distribuidoras não pagam às editoras, as livrarias, por seu turno, não pagam a ninguém… Já para não falar do autor, coitado, que, na ótica destes ilustres promotores da cultura, já se deve dar por satisfeito com a publicação.

São palavras de Sérgio Almeida, jornalista da secção cultural do Jornal de Notícias, em entrevista ao Blogtailors.
Andei eu aqui a queixar-me e, afinal, isto toca a todos (ou quase todos). Bem, eu também desconfiava, como o disse , num comentário.

E, na mesma entrevista, Sérgio Almeida acaba por desmistificar o negócio dos livros numa frase:

Talvez seja defeito meu, mas gostaria de acreditar que os livros não são apenas bens económicos mas também culturais.

É mesmo defeito dele...


10 de maio de 2012

Boa história, ou boa escrita?

A Carla M. Soares, autora de Alma Rebelde (Porto Editora, 2012), citava, no seu blogue, aqui há tempos, uma pergunta que lera num outro: o que é preferível num livro, uma boa história ou uma boa escrita?

Lembrei-me de algo que li, também já há bastante tempo, no Blogtailors: Documentos que foram recentemente tornados públicos mostram que J. R. R. Tolkien terá sido nomeado, há 50 anos, para prémio Nobel de Literatura pelo seu colega e amigo C. S. Lewis. O júri rapidamente recusou a nomeação, afirmando que O Senhor dos Anéis não teria qualidade suficiente para concorrer. Nesse ano, o vencedor foi o autor jugoslavo Ivo Andrić.

O que é um bom livro? Só é boa escrita aquilo que é literário? A dificuldade passa, também, por definir o que é literário, o que é literatura. A tradição europeia desfavorece a imaginação, para exaltar a chamada escrita literária, mesmo que esta produza enredos fracos. A tradição americana já dá mais valor a uma boa história.

Numa entrevista que deu ao blogue Silêncios que Falam, o escritor Joel Neto disse o seguinte: continua a faltar diversidade à nossa literatura. Nem tudo devia ser formalismo. Tem de haver mais espaço para o romance clássico. E também devemos procurar uma literatura popular de qualidade, sem a qual continuaremos mais pobres do que poderíamos ser.

E eu comentei o seguinte: "Portugal parece-me ser um país de extremos: ou se publica literatura muito erudita, ou livros muito comerciais, sem qualidade. Quase não há um meio termo. As pessoas compram essa literatura erudita com o único fito de a pôr na estante e lêem O Segredo, ou coisas assim".

Penso que, nestes tempos de crise, talvez fosse boa ideia as editoras procurarem essa "literatura popular de qualidade", ou seja, livros que vendem bem, não escondendo a sua faceta comercial, mas que apresentam uma qualquer qualidade, seja a boa caracterização das personagens, ou o bom enredo (e uma escrita que, apesar de não sobressair do ponto de vista literário, seja correta e clara). Na minha opinião, os editores portugueses desprezam muito o enredo. Talvez lhe dessem mais importância, se houvesse uma  indústria cinematográfica, ou se os canais televisivos aproveitassem boas histórias para séries, em vez de insistirem em produzir telenovelas inenarráveis.

8 de maio de 2012

Ebook gratuito!

À semelhança do que já se vai fazendo, também em Portugal (Luís Novais, por exemplo) decidi pôr um ebook à disposição. Começo esta experiência com o Cloning Adolf, que denomino de fantasia cómica (não tem nada a ver com o género histórico) e que já foi blogue, recomendado por Pedro Rolo Duarte no Janela Indiscreta, da Antena 1, a 28-07-2010.


Estamos na América do ano 2112. Um cientista especializado em clonar animais extintos é raptado por uma comunidade de nazis vindos dos quatro cantos do globo, cujo objetivo é dominar o mundo. Metido num bunker, ele deverá clonar o Hitler a partir de um carvãozinho surripiado do local em que o corpo do dito cujo foi cremado.



7 de maio de 2012

A viúva

Já aqui tenho reproduzido textos que o escritor José Rentes de Carvalho publica no seu blogue. Mas acho que nunca gostei de nenhum como deste, talvez pela sua honestidade e frontalidade. É difícil encontrar um escritor de sucesso tão independente do sistema e das ideias feitas. E a fina ironia... Simplesmente, adoro:

Tenho andado mole estes últimos dias, dor aqui, dor ali, indisposição, náuseas, tonturas, mas não consulto médico, nem na farmácia encontraria remédio, que isto, sei-o de fonte segura, é mau-olhado, pelo que amanhã irei a Mogadouro para que a vidente mo corte.
Foi assim: encontrava-me uma tarde da semana passada no espaço da Porto Editora na Feira do Livro, com Manuel Valente, senhor de simpatia, humor e excelentes maneiras, quando a  agradável conversa em que estávamos foi interrompida por duas idosas de fala castelhana.
A mais despachada deu um beijo ao Manuel, disparou uma rajada de vocábulos em que mal consegui compreender que vinha de algures e ia não sei onde. A outra idosa e eu mantínhamo-nos discretamente afastados, foi então que Manuel, num preâmbulo de apresentação,  perguntou:
- Você conhece a… - e disse o nome da viúva do laureado escritor.
- Não, não conheço – respondi, com verdade.
Em má hora o fiz. A viúva entesou, descairam-se-lhe  os cantos da boca ao mesmo tempo que soprava veneno e desprezo, os olhos, até então mortiços, despediram chispas.
Manuel teve direito ao beijo de despedida, a mim virou rabiosamente as costas, dando a impressão de que, fosse isso possível, com gozo me teria espezinhado.
- Mas não conhecia a…
- De facto não. Lembro tê-la visto numa revista, mas os fotógrafos, você sabe… Retocam, rejuvenescem. Não reconheci. Além disso, ora estou na Holanda, ora em Trás-os-Montes, o renome de quem é mundialmente famoso em Lisboa ou Lanzarote não chega a esses longes.
Despedimo-nos. Manuel foi à sua vida e eu desci o Parque a caminho do hotel, sentindo arrepios, um começo de náusea.


Obrigada, José Rentes de Carvalho. Gostava tanto que houvesse mais pessoas honestas e corajosas como o senhor!

6 de maio de 2012

Euforia futebolística

Com a aproximação do Campeonato Europeu de Futebol (à parte a polémica política com a Ucrânia), os alemães apetrecham-se com adereços, que estão cada vez mais baratos.


A par dos habituais tops, t-shirts, chapéus e cabeleiras, há extensões para o cabelo e pestanas postiças! Que estes artigos estejam ao alcance de qualquer um, não deixa de ser democrático. Por outro lado, são artigos de qualidade cada vez mais fraca, de usar e deitar fora, o que, como sabemos, não é nada bom para o ambiente.

Mas todos temos as nossas frivolidades e toda a gente sabe que o meu ponto fraco tem a ver com a Lucy. Por isso, achei piada a mais um adereço:


Pois é! Também há "camisolinhas" para cães, como nos mostra o malandro a roubar uma salsicha da mesa! Por 1,99 euros confesso que estou tentada a comprar uma para a minha piquena. É só pena não ser com as cores portuguesas...


4 de maio de 2012

Levantar o Céu


Este é o novo livro do Prof. José Mattoso, disponível na Feira do Livro de Lisboa. E, a este propósito, um excerto de entrevista (os sublinhados são da minha responsabilidade):

Não se zanga quando ouve, na praça pública, referências à Idade Média como a idade das trevas? Mesmo quando várias das tragédias evocadas, como a Inquisição, são posteriores...

Não acho que seja precisa uma atitude apologética, explicando que esse é um conceito primário e redutor. Foi refutado já tantas vezes e de forma tão clara que não vejo nisso grande problema. Pode acontecer é que seja apenas expressão de um primarismo cultural que é lamentável. Mas há mais qualquer coisa: o Liberalismo e, sobretudo, o Iluminismo é muito responsável pela inferiorização da Idade Média, por causa da noção de progresso. O Iluminismo procura a racionalização e o progresso e desvaloriza tudo o que seja intuitivo, tudo o que seja [do domínio do] jogo...

Dizia que a Idade Média era muito mais tolerante e diversificada, que o clero não era tão dogmático como mais tarde alguns missionários...

Não diria "muito mais" tolerante. Diria mais tolerante e menos dogmático. Isso resulta sobretudo da prática das instituições. A Igreja quis formatar o homem de uma certa maneira, impor-lhe um modo de comportamento demasiado rígido. Por exemplo, a confissão sacramental, que aparece no Concílio de Latrão em 1215, ou a regra de ir à missa uma vez por semana ou o matrimónio como sacramento... O clero começou a pensar que eram objectivos. Mas não são senão meios pedagógicos.
É verdade que a sociedade ocidental ganhou, do ponto de vista moral, com o matrimónio monogâmico. Mas, na prática, o concubinato era extremamente difundido. A Igreja conviveu com isso. Era preferível ter sido um pouco mais tolerante. A prática das visitas canónicas na região de Coimbra no século XVI era uma autêntica espionagem da vida privada das pessoas que levava a uma hipocrisia que não trouxe vantagem nenhuma em relação a uma certa tolerância medieval.


2 de maio de 2012

Da Língua Portuguesa

Imagem daqui

Nós, os portugueses, originários de um país periférico, que já não é bem Europa, mas que ainda não é África, nem América, pomos sempre muito empenho no difundir da nossa língua. Porque já fomos grandes e espalhámos o idioma pelos quatro cantos do mundo, achamos que o mundo, hoje em dia, está muito interessado na divulgação do português.
Longe disso! Nos países de expressão latina, ainda há um certo reconhecimento pela língua de Camões, mas, saindo desse círculo (na Alemanha, por exemplo), o português é encarado como um idioma exótico. Quando dei aulas de português a alemães, em escolas de línguas de Hamburgo, os cursos da nossa língua eram mais caros que os de castelhano, inglês, francês e italiano, porque eram postos a par dos de idiomas mais raros e menos procurados, como o dinamarquês, o holandês, ou o sueco. E até o facto de um dos países maiores do mundo falar português não ajuda, porque o Brasil é incluído na América do Sul, onde domina o castelhano. Podem não acreditar, mas muitos alemães, pessoas até bem informadas, ficam admirados por eu lhes dizer que no Brasil se fala português. Respondem-me: "Ah, sempre pensei que fosse espanhol..." (Eles dizem sempre "espanhol" - spanisch). São atitudes que já não me chocam, afinal, vim para aqui no longínquo Setembro de 1992.

Vem isto a propósito de finalmente ter visto, num jornal alemão, o português ser considerado um idioma dominante. Porém, não com aspetos positivos. Um Professor de Linguística da Universidade de Bremen organizou uma Conferência Internacional, no passado mês de Março, sobre impérios linguísticos que se impõem e fazem desaparecer línguas mais raras e fracas.
O inglês, o russo e o chinês são considerados os maiores impérios linguísticos. Mas, para demonstrar como as línguas dominantes contribuem para a perda de cultura e património, o Professor Thomas Stolz deu o exemplo do português. Disse ele que o avanço da nossa língua no Amazonas asfixia as línguas locais que têm inúmeras palavras para definir troncos e folhas da flora local. Com o desaparecimento desses termos, que não têm equivalência em qualquer outra língua, perdem-se, segundo o Professor Stolz, conhecimentos sobre o meio-ambiente e a maneira de o preservar.

Pois! Quem é que nos mandou ir declamar os Lusíadas para a selva amazónica?

Imagem daqui