Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

15 de agosto de 2012

Os cães mordem


Eu não podia deixar de escrever sobre isto. Ao insistir na harmonia entre humanos e animais, de como podemos aprender com eles, de como se podem estabelecer verdadeiras amizades, etc., mostro apenas que situações dessas são possíveis e tento contribuir para que sejam cada vez mais possíveis.

Os cães não são computadores que se programam como bem entendemos, não têm um botão de ligar e desligar. São seres vivos, com vontade própria e, embora inteligentes, agem muito mais por instinto do que nós, que aprendemos a controlá-lo (uns mais do que outros). Porém, por ser um animal social, que se submete a um líder e anseia contribuir para o bem da sua matilha, o cão presta-se, mais do que qualquer outro animal, a interagir connosco. Mas é um grande erro pensar que eles são como nós, que agem como nós e que aprendem o mesmo que nós. É um grande erro pensar que os podemos humanizar. Um cão é um cão e uma pessoa é uma pessoa.

Neste caso, eu apenas pergunto: o que raio estavam a fazer dois Dogues Argentinos num terraço de apartamento, no centro de uma grande cidade? Infelizmente, há quem use os cães (como usa os carros) para mostrar grandeza e importância, para intimidar, quem diga que cães pequenos não são cães a sério (será que também pensam que pessoas pequenas não são pessoas a sério?). Eu não sei se existem raças potencialmente perigosas, aliás, nem os especialistas chegaram ainda a uma conclusão sobre isso. O que sei é que os cães, em relação ao seu peso, têm muito mais força do que um ser humano. A minha Lucy pesa apenas sete quilos e, se lhe apetecer ir para a direita, enquanto eu quero ir para a esquerda, tenho de usar de muita força na trela para a arrastar. Nenhum ser humano – repito: nenhum – está em condições de medir forças com um cão de grande porte, como um Dogue Argentino.

Ter cão não é apenas tê-lo, é preciso educá-lo, aprender a conhecê-lo. É preciso estabelecer uma relação de grande confiança com ele, uma relação em que cão e pessoa se olhem nos olhos e se entendam, sem palavras, nem outros gestos (a propósito, não fixem o olhar de um cão que não conhecem). E, acima de tudo, é preciso deixar-lhe claro quem é o líder. Tudo isto requer tempo – muito tempo – e dedicação e nem toda a gente está disposta a isso, ou tem essa possibilidade. E, normalmente, o facto de existirem dois cães numa casa quer precisamente dizer que as pessoas não dispõem do tempo suficiente para tratar de um e arranjam-lhe um/a companheiro/a, para que não se sinta sozinho. Normalmente, dá para o torto. Um cão, em vez de dois, não tira trabalho. Dá, sim, trabalho a dobrar!

Nenhum cão gosta, por natureza, de crianças, é preciso adaptá-los a elas, de preferência, desde o início. Os cães costumam reagir com agressividade aos gritos e aos gestos bruscos das crianças, a não ser, como digo, que lhes conheçam os modos. É preciso, principalmente, muito cuidado com crianças menores de quatro anos, não só pelo seu tamanho e impotência, mas pelo facto de elas, igualmente, ainda não controlarem os seus instintos. É certo que há cães mais agressivos do que outros, cães mais pacientes do que outros, cães mais medrosos do que outros (um cão medroso é um potencial cão agressivo) como há pessoas mais agressivas, mais pacientes e mais medrosas do que outras. Mas não se sabe se essas características dependem da raça.

Não posso ajuizar sobre as razões que levaram a esta tragédia. Mas há um bebé morto, há duas famílias desfeitas e há uma criança que nunca superará o trauma de ter visto a irmã pequenina ser morta por um cão. E há um cão que será abatido. Os únicos responsáveis são os donos do cão, que estarão desfeitos, a esta hora. Mas não deixam de ser os responsáveis.

Tudo isto me deixa triste. Muito triste.

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5 comentários:

Imperatriz Sissi disse...

Um excelente post, com o qual concordo a 100%. É incrível como as pessoas não pensam, antes de adoptar ou adquirir um cão - ou qualquer outro animal de estimação - se este se adapta ao seu estilo de vida, família, tipo de casa, etc. E não é por falta de informação, pois ela está disponível em abundância. Regem-se por modismos: há uns anos foram os huskies, não se via outra coisa. Ninguém se preocupava em saber que o huskie é um cão que gosta do ar livre e grandes áreas abertas, que caça - tudo o que apanha - que tem uma força descomunal (puxa trenós) é irrequieto, difícil de disciplinar e não gosta do calor, entre outras particularidades. Só pensavam no lindo cãozinho de olhos azuis que fazia um vistaço. Cão, automóvel topo de gama a leasing ou carteira de luxo contrafeita, é tudo o mesmo para estas pessoas. Resultado: pouco depois, havia muito "lobinho de olho azul" nos canis. Depois vieram os pit bull e os rotweiler, que substituiram os dobermann dos anos 80...tudo com as consequências que se sabe. Nos anos 2000 têm sido os labradores, mais sossegados, mas comilões e bons para quem tem uma casa cheia de crianças mas não precisa exactamente de um cão de guarda. Isto revolta-me, porque é de uma pretensão atroz, porque impede que os "cães demodè" arranjem quem os adopte (se calhar, livram-se de boa...) e porque geralmente acaba com o abandono do animal tão cobiçado a início, quando não acaba em tragédia como foi, infelizmente, este caso. Felizmente conheço alguns criadores conscientes que se recusam a vender animais a gente que revele tendências destas, ou não tenha as condições adequadas ao comportamento do cão. Parabéns pelo post, e peço desculpa pelo comentário longo...mas isto fere-me cá dentro de uma maneira muito pessoal.

Tiago R Cardoso disse...

Excelente texto.

Cristina Torrão disse...

Escreve quanto quiseres, Sissi! A mim também me fere...

Obrigada, Tiago.

Bartolomeu disse...

É como dizes Cristina; muitos donos de cães, demonstram possuir muito menos inteligência que os seus animais.
Muitas pessoas decidem possuir e interagir com animais de diversas espécies, sem conhecerem préviamente as suas caracteristicas comportamentais, os seus habitos e as suas necessidades, e sem perceber préviamente se possui condições para proporcionar ao animal, esse conjunto de "necessidades".
Adoro cavalos, ha anos que anseio possuir um; tenho área de terreno, instalações e possibilidades económicas, sei montar, falta-me tempo disponível para tratar convenientemente dele, para lhe dispensar a atenção, que um animal daquela tipologia requer. Por isso, mantenho o desejo e espero por reunir as condições necessárias, e depois usufruir de tudo o que um cavalo nos proporciona.
;)

Cristina Torrão disse...

Espero que tenhas essa paciência, Bartolomeu ;)
Na região onde vivo (uma pequena cidade, perto de Hamburgo, com aldeias perto, onde há quintas) também há muita gente que gosta de cavalos e algumas pessoas precipitam-se, arranjam um e, depois, vêem-se aflitas. Mas também há quintas onde se dão aulas de equitação a crianças, normalmente, com póneis (no início). Há quem deixe o emprego para ganhar a sua vida assim. Mas é sempre um risco.