Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

22 de fevereiro de 2013

Dilemas

Quando se tem uma boa ideia para um livro e talento para escrever, é legítimo que se usem todas as possibilidades à disposição?
Explico-me melhor: é legítimo usar informações e vivências que possam prejudicar terceiros, a fim de escrever um bom livro?

O telefilme que o canal alemão ARD transmitiu na semana passada, com o título Stille (sossego; silêncio) tratava desta temática. Um jovem escritor causa furor com o seu livro de estreia e é nomeado para um importante prémio literário. Mas há vários problemas, no meio disto tudo. O primeiro é que ele se baseou nas suas vivências com um pai egocêntrico e narcisista, que nunca ligou à família. Esse pai ainda é vivo. E o próximo problema é que esse pai é um conhecido jornalista, com um talk show televisivo campeão de audiências.


O jornalista famoso fica tão afetado pela estreia literária do filho, que abandona toda a sua vida, a fim de se isolar nas montanhas tirolesas. E também o filho, que julgara ter-se finalmente libertado do círculo familiar, onde só ao progenitor era permitido brilhar, se dececiona ao constatar que muita gente acha que ele, no fundo, deve o sucesso ao pai, pois só o facto de este ser famoso terá contribuído para a atenção dada ao livro.

Apesar de tão boa temática, o telefilme também dececionou, pois deixa muitas pontas soltas. Além disso, prende-se com enredos secundários, na minha opinião, desnecessários. Por exemplo: o facto de a esposa do filho, apesar de muito jovem, padecer de uma doença grave (não se chega a saber se é incurável). Ao dividir com a sogra os cuidados a prestar à enferma, o rapaz acaba por se envolver com aquela, ainda nova e bem-parecida.

O telefilme foi baseado no livro Cleaver, de Tim Parks e, mais uma vez, seria interessante saber se o escritor resolve melhor todos estes conflitos. Não há tradução portuguesa, mas pode ser adquirido em inglês, na Wook (seguir o link).


6 comentários:

Fátima Soares disse...

Olá Cristina. Penso que ne todos os meios devem servir para se alcançarem os fins, mas talvez ele quisesse mesmo atingir o pai ou teria quiçá talvez "disfarçado" de modo a escrever e a focar certos pormenores mas contornando d'outra forma. Enfim formas de ser com as quais não concordo. Beijinho amiga bom fim de semana.

Unknown disse...

Cristina,
penso que a resposta será negativa e que não devemos prejudicar ninguém para atingir o sucesso... pelo menos no caso de não ser esse o nosso desígnio. :)
A visão do amor ao próximo e da necessidade de rectidão na conduta tem muito que se lhe diga e muito por onde começar. Não pretendo entrar por aí. :)
No caso que ilustra o seu post parece-me, com o meu mau feitio, que se trata de um caso em que a vingançazinha acaba por não correr como poderia (e deveria). Saiu-lhe o tiro pela culatra, como diz o povo.
Brincando com a situação e entrando um bocadinho onde disse que não o faria, outros diriam que "se escreveu direito por linhas tortas", :)
Mas isso é uma visão que a cada um compete e, como já referi, tenho mau feitio e não sou exemplo para ninguém! ;)
Cumps.

Cristina Torrão disse...

Sim, não há dúvida de que foi uma vingança. Por outro lado, há certas coisas que custam a calar... Tratando-se, porém, de uma pessoa tão conhecida, talvez fosse realmente aconselhável fazer a coisa de outro modo.
Enfim, um assunto bem polémico...

Belinha Fernandes disse...

Gostava de ver esse documentário. Há poucas semanas vi um filme fraco chamado As palavras. As interpretações são boas mas o filme, que até começa bem, depois descamba. É sobre um escritor que encontra um manuscrito e que o plagia.Podia ser bem melhor se eles não tivessem feito filme como se se tratasse de um conjunto de bonecas russas - uma história dentro de outra e esta dentro dessa. Eu gostei da parte em que o escritor descobre o manuscrito e fica esmagado pelo que encontra, ele que sonhava ser um autor publicado, e depois não resiste a apropriar-se daquelas palavras, daquelas vidas ali descritas. Depois é o choque quando ele conhece o verdadeiro autor! É pena que a partir daí o filme perca o norte.Esse escritor do documentário podia ter escolhido fazer as coisas de outra forma. Porque é que não resistiu?

Cristina Torrão disse...

É uma pena quando um bom tema é desperdiçado (e o plágio é, sem dúvida, um bom tema). Há muitos exemplos de flmes que começam bem, com temas interessantes, mas que, depois, não os sabem resolver.

Só uma chamada de atenção, Belinha: no meu post, não se trata de um documentário, mas também de um filme (realizado não para o cinema, mas para televisão).
Pergunta porque é que o escritor não resistiu. Eu penso que isso tem a ver com o grau de injustiça das suas vivências. Se sentimos que tivemos de aguentar muita injustiça calados, durante um determinado tempo, é difícil resistir a não divulgá-la. Uma outra explicação poderia ser a sua falta de escrúpulos. Não me pareceu que fosse esse o caso, embora, para o final, ele se pergunte se é igual ao pai, ou seja, se tentou igualmente atingir o sucesso a qualquer preço.

Belinha Fernandes disse...

Tem razão, confundi! Talvez consiga ainda ver o telefilme, vou ficar atenta.