Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

29 de março de 2013

Humildade

O dever de ser humilde está fortemente enraizado na nossa tradição judaico-cristã. Mas o que é, verdadeiramente, ser humilde?

Na minha opinião, este conceito tem sido mal interpretado e tem servido para alimentar o desejo de manipulação inerente ao ser humano (refiro-me mais a quem subjuga, mas a humildade também pode ser um meio de manipulação). Confunde-se humilde com subserviente, com a proibição de dizer «não», com o imperativo de obedecer sem limites, com o servir de capachinho, com o aguentar impropérios e maus tratos sem reclamar, etc.

Cada um de nós é único, à sua maneira. Devíamos aprender com toda a gente. É este o segredo da humildade.

Estas palavras de Kirpal Singh, líder espiritual indiano, encerram, a meu ver, o verdadeiro significado de humildade. Devemos estar predispostos a aprender algo com qualquer pessoa, seja ela rica ou pobre, velha ou nova, homem ou mulher, iletrada ou culta, com ou sem deficiência. Os pais, por exemplo, não deviam ter problemas em descer ao nível dos filhos e aprender com eles, porque, sim, podemos aprender muito com as crianças. E nenhum ser humano devia ter vergonha de aprender com um animal, porque também eles têm muito que nos ensinar. Assim como a Natureza! Humildade significa, pois, «aprender com», em vez de «rebaixar-se perante». Há aqui uma grande diferença!

É necessário observar, dar-se ao trabalho de compreender, vivermos de olhos abertos e recetivos a todos os estímulos; saber reconhecer a sabedoria alheia e os nossos erros, mas sem nos anularmos, pois temos uma dignidade a preservar. Respeitemo-nos, para que nos respeitem; sejamos humildes com dignidade!

27 de março de 2013

Naquele Tempo (16)


A velha tese do total desaparecimento da escravatura durante a Idade Média nunca teve grande sucesso entre nós. Os compêndios falavam nisso, mas os medievalistas sabiam que a escravatura se havia prolongado durante séculos, sobretudo em virtude das presas capturadas por ocasião da guerra com os muçulmanos. A obra clássica de Charles Verlinden, em 1995, mostrou mesmo que nos países mediterrânicos e concretamente em Portugal não chegou a haver um verdadeiro hiato entre a escravatura propriamente medieval e o comércio de negros capturados em África desde a primeira metade do século XV. O recente livro de divulgação de Jacques Heers, de 1981, já traduzido em português (1983), veio enquadrar todo o problema da escravatura medieval como uma característica do mundo mediterrânico, principalmente nos sectores urbanos, estudou as suas modalidades e a sua relação com o serviço doméstico e esboçou mesmo uma certa geografia da distribuição e dos circuitos comerciais.

(...) mesmo no Norte do país, em Aveiro e no Porto, se praticava a compra e venda de escravos, até de escravos brancos. Domingos Anes de Vilar era decerto um mercador especializado neste tipo de negócio, visto que adquire uma moura e vende pouco depois uma branca. Podemos alcançar uma ideia do seu preço no princípio do século XIV. Confirma-se, pois, o que Heers concluíra, ou seja, que a prática da escravatura se manteve, principalmente em meios urbanos e como complemento do serviço doméstico, englobando sobretudo o mundo feminino.

Páginas 379/380 - Comércio de escravos em Portugal no século XIV

25 de março de 2013

Gostei!

Como dizia Goya: «a razão cria monstros».
Cuidado com quem somente raciocina.
Temos de raciocinar e sentir.
E quando a razão se separa do coração, comece a tremer, porque esse tipo pode te levar ao fim da existência humana do planeta.

O Mandamento que Deus esqueceu: «Serás parte da Natureza. Obedecerás à Natureza da qual fazes parte».

São palavras do escritor uruguaio Eduardo Galeano, proferidas no decorrer deste apontamento televisivo:



23 de março de 2013

Adolescência

Caio nas armadilhas
que pretendo
evitar.
Anulo a energia,
a criatividade,
porque mas roubam.
Simulo,
finjo
e odeio-me por isso.
Castigo-me,
entregando-me às pessoas erradas.
Masoquismo?
Antes ignorância,
impotência,
solidão.
Fujo de mim mesma,
sem sair do sítio.

Recordações são
aquilo que fomos,
aquilo que somos.

Poema incluído na V Antologia de Poetas Lusófonos







21 de março de 2013

Pré-Publicação #16



- Não se diz que estamos todos nas mãos de Deus? Pois, então, não podemos cair mais fundo do que isso.
Quedou-se perplexa. Depois, contrapôs:
- Há quem caia no inferno…
A moura tornou a fixar nela os seus olhos negros, muito brilhantes:
- Não acredito que Deus deixe cair quem n’ Ele acredita!
A moça tentava captar a profundidade daquela afirmação. Recordou as aulas do convento, da leitura da Bíblia. Havia o Deus cruel, vingativo e castigador do Antigo Testamento. Mas também havia o Deus misericordioso, que perdoava e que agarrava precisamente aqueles que caíam mais fundo. E era esse o Deus de Jesus Cristo!
Mas como sabia a moura coisas daquelas?
- Não sabia que eras cristã. Vós não rezais a um tal de Alá?
- Deus é Deus, dê-se-lhe o nome que se lhe der – retorquiu, sorrindo.

19 de março de 2013

Descubra as semelhanças!


Da homilia do papa Francisco na missa solene de inauguração do seu pontificado (hoje, 19 de Março):


De um post meu, publicado quatro dias antes:


Da Declaração dos Direitos dos Animais:

Artigo 2º
1. Todo o animal tem o direito de ser respeitado.
3. Todos os animais têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

'Tamos nessa, Chico!


Respeitar as fronteiras

Man soll mit Vorsicht zärtlich sein.
Uma frase de Wilhelm Busch, que, em português, soa mais ou menos assim:
Deve-se ser carinhoso com cuidado.

É importantíssimo sermos carinhosos. Mas não devemos transformar o ser carinhoso num pretexto para atuarmos sempre que nos apetecer. Reconhecer, sem nos ofendermos, que um determinado momento não será o mais apropriado para se ser carinhoso com alguém, aceitando que essa pessoa reaja contrariada e incomodada, caso a "ataquemos" com ternuras, é, também, uma prova de amor.

Todos temos fronteiras que devem ser respeitadas. Em relação a crianças, principalmente, às mais pequenas, pode ser difícil, para os pais, aceitá-las. Mas uma criança que não vê as suas fronteiras respeitadas, não irá, um dia, respeitar as dos outros.

Proximidade, que permite espaço próprio; segurança, que não subjuga, nem esmaga - o verdadeiro amor.

16 de março de 2013

V Antologia de Poetas Lusófonos


A Folheto Edições publica, pela quinta vez, a Antologia de Poetas Lusófonos, com a participação de 147 poetas, oriundos de 15 países. E eu estou entre eles!

Na verdade, não me considero poeta, gosto muito mais de escrever (e de ler) prosa. Mas há sempre aqueles momentos em que nos ataca um estranha inspiração... E vai-se escrevendo um poema, ou outro. Quando soube desta iniciativa, enviei três poemas à Folheto Edições e tive o prazer de os ver selecionados. Além disso, sou livre de os publicar aqui, o que farei, nos próximos tempos.
 
Para já, transcrevo dois excertos do Prefácio de Adélio Amaro:

A V Antologia de Poetas Lusófonos é como uma esbelta e simples trança de uma criança, onde poetas dos vários cantos do mundo vão entrelaçando a estrofe, a rima ou quadra transmitindo ideias, pensamentos, desejos, esperança e sonhos.
 

É uma Antologia com poemas simples e outros mais eruditos, mas todos eles com mensagem, seja ela de amor, de tristeza, de angústia ou de experiência de vida.


Tenho muita pena de não poder ir à apresentação do livro. Mas deixo aqui o convite para quem tenha possibilidades de ir a Leiria, no dia 23 de Março.

15 de março de 2013

Dominai sobre todos os animais que se movem na Terra




aqui falei no Instituto para a Zoologia Teológica (Institut für Theologische Zoologie), com sede em Münster, na Alemanha. Um dos seus fundadores é o padre Rainer Hagencord que, já depois de ter sido ordenado, tirou os cursos de Biologia e Filosofia, com foco na Biologia do Comportamento, interessando-se pelo diálogo interdisciplinar entre Teologia e Biologia.

Deparei, agora, com a sua interpretação da passagem do Génesis, em que Deus cria os animais:
Deus disse: «Que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies». E assim aconteceu.
Gn 1, 24

Em seguida, Deus cria o homem e a mulher e diz-lhes:
«Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra».
Gn 1, 28

O padre Rainer Hagencord diz-nos que estas passagens foram, durante séculos, mal traduzidas e interpretadas, pois eram vistas como a legitimação teológica para podermos fazer dos animais aquilo que quiséssemos. Os estudiosos da Bíblia atuais, pelo contrário, indicam-nos que estas palavras nos iniciam nas nossas responsabilidades. Foi, de facto, definido um poder dos humanos em relação aos animais. Mas o poder bíblico está, num rei que se quer justo, sempre ligado à responsabilidade e ao respeito. E, segundo o padre Rainer Hagencord, principalmente o respeito em relação a todos os seres vivos deve começar a ganhar um novo significado para os cristãos.

Esta interpretação está de acordo com o Artigo 2º da Declaração dos Direitos dos Animais, aprovada pela UNESCO e pela ONU:

Artigo 2º
1. Todo o animal tem o direito de ser respeitado.
2. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito. Tem a obrigação de empregar os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
3. Todos os animais têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Nota: O novo papa adotou o nome de Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, o santo patrono dos animais. Espero que o pontífice leve isso em conta.

13 de março de 2013

O Primeiro Mandamento

Dita o Primeiro Mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas.

Mas como funciona isso, amar Deus, algo que não se pode explicar, algo que não é palpável, nem visível? Na nossa tradição católica, aprendemos que tal se atinge à custa de muitas rezas, muitas missas, muitas hóstias papadas e muitas promessas a Nossa Senhora de Fátima. Jeremias Müller, um monge beneditino alemão a viver no mosteiro austríaco de Admont, indica-nos cinco caminhos para encontrarmos Deus no nosso mundo palpável e o podermos amar.

1 - Mesmo não tendo sentimentos, a Natureza reage à nossa interferência, à maneira como a tratamos. A nossa relação com ela exige carinho e cuidado, tal como as relações que temos uns com os outros. E, sendo a Natureza obra de Deus, um caminho para O amar é, portanto, amar a Natureza e cooperar com ela (atrevo-me a acrescentar aqui os animais; apesar de Jeremias Müller não os referir, eles fazem parte da obra de Deus).

2 - «Eu só posso amar Deus, se me amar a mim próprio como ser humano e todos os outros com quem eu vivo», diz-nos Jeremias Müller. Aceitar-me a mim próprio e aos outros, respeitar e impor fronteiras, saber fazer e respeitar exigências, é, também, uma maneira de amar Deus.

3 - «O que pretende o ser humano, quando estuda e pesquisa», pergunta o monge beneditino e dá a sua opinião: «Ele pretende, apenas, entender a vida sob diferentes perspetivas, sobretudo o fenómeno que representa o próprio ser humano, seja através da Medicina, da Física, ou das Ciências Jurídicas. A Ciência é, por isso, o terceiro caminho para amar Deus. Ao descobrirmo-nos a nós próprios, descobrimos o Criador que está por trás. Neste terceiro caminho, Jeremias Müller inclui o amor pela Arte, que, no seu caso, se reflete no amor pelos livros. Amar um livro é amar a sabedoria do seu autor e, por consequência, Deus, a origem dessa sabedoria.

4 - O que, para uns, é Ciência, para outros é o trabalho manual, a profissão. Respeitar e admirar o trabalho do trolha, do pintor, do eletricista e do colocador de alcatifas, que vão criando uma casa confortável para as pessoas que lá viverão, é, também, uma maneira de sentir amor por Deus.

5 - Na sua última sugestão, o monge beneditino refere a sua própria rotina no mosteiro, à volta do pressuposto Ora et Labora, reza e trabalha. O quotidiano, marcado por várias celebrações do ofício divino, a horas certas, proporciona encontrar um ritmo onde se pode sentir Deus em todas as fases do dia.

Dispenso este último caminho, não pretendo tornar-me monja beneditina (embora respeite quem escolha essa via e ache que temos muito a aprender de quem leva uma vida de meditação e contemplação). Mas gosto de acreditar que o melhor caminho para Deus seja amar e respeitar a vida, em todas as suas formas e variações.

11 de março de 2013

11 de Março - 38 anos

Andam por aí os restos do passado
Andam por aí os testos
Dos restos mortais dos tachos
De comida amarga
Que os que ainda vivem à larga
Nos querem fazer engolir
É a boca do lobo
A morder a nuca do povo
A boca do lobo
A morder na nuca do povo

A 7 de Março de 1975, os versos de Sérgio Godinho, pela voz de Carlos Cavalheiro, abriam as hostilidades. Davam um sinal inequívoco de que a revolução estava longe de terminar. O melhor – ou o pior, conforme o ponto de vista – haveria ainda de acontecer. As posições extremavam-se, as frentes posicionavam-se e armavam-se. «Os camponeses terão as armas», escreveu Gabriel García Márquez, «quando souberem contra quem têm de as usar. É uma promessa formal do MFA».

O XII Grande Prémio TV da Canção transpirava o odor revolucionário do início daquele ano. Apresentado pelos jovens Maria Elisa e José Nuno Martins (já lá iam os tempos de Artur Agostinho), contou com intérpretes como José Mário Branco, Jorge Palma e Fernando Girão. A Boca do Lobo seria a vencedora lógica de tal certame.

Mas dizem que somos poetas. E os poetas não são lógicos: A Boca do Lobo perdeu por dois votos, apesar de ter roubado o show a todas as outras participações. Quatro dias mais tarde, a 11 de Março de 1975,  houve uma tentativa de golpe de estado. O general Costa Gomes falou numa aventura reacionária com o general António de Spínola à frente.

O braço-de-ferro entre os dois generais começou logo a seguir à revolução, tornando a Junta de Salvação Nacional pequena demais para os albergar. Identificado com a direita, Spínola perdeu terreno para o MFA e procurou apoio civil, apostando naquilo a que chamava «maioria silenciosa», ou seja, o povo anónimo. Os seus objetivos não foram atingidos, a sua situação tornou-se insustentável e o primeiro Presidente do Portugal de Abril acabou por fazer as malas, a 28 de Setembro de 1974. Foi naturalmente substituído pelo general Costa Gomes.

Anda aí o funeral dos parasitas
Anda aí o carnaval
Anda aí como aliás já se previa a cia
Quem é que não desconfia?
Quem é que se quer meter
Na boca do lobo
A morder a nuca do povo


A 11 de Março, houve um ataque aéreo ao Regimento de Artilharia Ligeira 1, no bairro lisboeta da Encarnação, do qual resultaram um morto e catorze feridos. Surgiram apelos à mobilização popular por parte da Intersindical e, pelas 13 horas, foram erguidas barricadas de civis armados nas estradas de acesso a Lisboa. A casa de Spínola foi assaltada e o general acabou por fugir para Espanha.

Também sedes do CDS, do PPD e do PDC foram assaltadas. As forças militares de direita foram desmanteladas, ao serem presos vários dos seus elementos, assim como capitalistas e potenciais líderes políticos. Afinal, continuavam as prisões políticas. Até 25 de Novembro, haveriam de passar pelos cárceres revolucionários cerca de cinco mil detidos políticos. E tiveram sorte em não acabarem no Campo Pequeno!

A 12 de Março, extinguiu-se a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado e criou-se o Conselho da Revolução. Foram nacionalizados bancos, companhias de seguros, empresas de eletricidade, transportadoras, cimenteiras, siderurgias, companhias petrolíferas e empreendeu-se a Reforma Agrária no Alentejo, com a expulsão dos latifundiários e a criação de cooperativas, sob a orientação do PCP.

Anda, a gente vai começar
A gente já começou
A gente vai acabar
Aquilo que começou
A gente vai acabar

Com a boca do lobo
A morder na nuca do povo


8 de março de 2013

As Noivas de Alá

Todos já ouvimos falar de mulheres que participam em ações terroristas do fundamentalismo islâmico, algumas, em ataques-suicidas. A realizadora israelita Natalie Assouline quis saber o que leva mães de família, ou grávidas, a matarem-se a si e aos outros, sem piedade. Para isso, acompanhou e filmou, durante dois anos, detidas palestinianas numa prisão israelita de alta segurança. No seu filme Shahida - Brides of Allah, estreado em 2008, ela apresenta-nos essas mulheres e as suas declarações, sem comentar, ou explicar. O espetador deve tirar, por si, as suas conclusões.

Confesso que, por vezes, me senti indignada, ao ouvir aquelas mulheres declararem fria e laconicamente que só descansarão quando morrerem todos os israelitas; ou que os seus filhos (a maior parte deles, crianças) sentem orgulho pela mãe presa, que mandou uma data de israelitas pelo ar. Pelos vistos, chega para os compensar por uma infância e uma juventude vividas sem mãe!

O caso da mulher grávida à altura da sua detenção (e do ataque de sua autoria), que deu à luz na prisão e foi autorizada a ficar com o filho durante os primeiros dois anos deste, provocou-me sentimentos muito contraditórios. Por um lado, ela e as outras reclusas não se cansavam de dizer à criança (um rapaz) que ele haveria de ser um lutador de Alá, um grande guerreiro da jihad. Por outro, foi difícil assisitir ao dia em que o miúdo foi obrigado a deixar a mãe, juntando-se, aliás, ao pai e aos irmãos mais velhos. A imagem da mulher a chorar sozinha, na sua cela, fica-nos gravada na memória.

Mas a pergunta fica: o que leva estas mulheres a destruirem a sua vida e as das suas famílias?

Acho que encontrei a explicação (ou, pelo menos, parte dela) numa moça, aliás, solteira e sem filhos. Começou por dizer que não fizera nada de mal, limitara-se a passear pela zona de fronteira entre a Palestina e Israel com uma faca no bolso. A sua intenção nunca fora matar, mas acharam-na suspeita, revistaram-na e encarceraram-na. Durante a conversa com Natalie Assouline, ela dá a entender que fez aquilo de propósito, desejando ser presa!

Entretanto, cumpriu a sua pena e foi libertada. Mas, passado um mês, tornou à prisão! E, desta vez, foi mais aberta com a realizadora do documentário. Afirmou que resolvera voltar, porque em casa lhe batiam, tanto a mãe, como um irmão.  Além disso, proibiram-na de falar. Era autorizada a cumprir as tarefas do quotidiano, mas sem abrir a boca. «Aqui», disse ela, referindo-se à prisão, «sinto-me melhor, sou mais respeitada!» Mais acrescentou que as outras detidas, mesmo que não o admitam, estavam ali pela mesma razão: por terem problemas em casa!

Serão, portanto, mulheres cheias de ódio e vazias de amor e esperança, resultado de subjugação extrema e maus-tratos? Em Alá, julgam encontrar o amor, a proteção e o reconhecimento de que nunca na vida gozaram. São admiradas por lutarem pela sua religião, mesmo que deixem quatro, cinco, ou seis filhos em casa, filhos que são autorizadas a ver apenas de vez em quando, por escassos minutos de visita. O ódio que foram acumulando pelas humilhações e as injustiças que sofreram desde que nasceram é projetado em todos os não-muçulmanos, especialmente, nos israelitas (neste caso).

É esta a explicação para os atos das Noivas de Alá?




5 de março de 2013

A Escriba


Estava à espera de mais. O texto da badana, sobre o autor, diz que ele dedicou oito anos da sua vida a este romance, pelo que fiquei esperançosa quanto a um enredo bem elaborado. Mas não é isso que acontece. Há muitos elementos que são introduzidos vindos sabe-se lá de onde e diálogos que acontecem sabe-se lá porquê. E o final, apesar de empolgante, é confuso, pois há amigos que se revelam inimigos, para, afinal, se confirmarem como amigos (e vice-versa). Estas reviravoltas têm, a meu ver, duas grandes desvantagens:
1 - Tornam difíceis de explicar as ações dessas personagens noutras partes do romance.
2 - O autor sentiu necessidade de, nas últimas duas páginas, tentar explicar o que dificilmente tem explicação.
Um outro problema são informações históricas despejadas de forma inverosímil em certos diálogos. Bem sei que não é fácil resolver problemas destes, mas penso que o autor, em certas ocasiões, não se deu mesmo ao trabalho de procurar uma melhor solução.

Para quem não liga a pormenores destes, é uma leitura empolgante, com muitas surpresas, mas também com alguns momentos a dar para o morno. A época de Carlos Magno (a ação passa-se no ano de 799) está bem pesquisada, mas não sei se eram precisos os tal oito anos...

Enfim, talvez a Porto Editora devesse investir mais em autores portugueses, em vez de traduzir livros de escritores tão medianos, que não trazem nada de novo.

A tradução, do castelhano, é de Magda Bigotte de Figueiredo.

3 de março de 2013

Também pode ser assim!


Não sei quem foi o/a autor/a desta forma de protesto, mas dou-lhe os meus parabéns! É muito mais inteligente do que certos candidatos a advogados, que têm o mau gosto de nos pôr enojados perante um coelho empalhado a bambolear de uma forca (espero que fosse mesmo empalhado).

Já dizia a minha avó: o respeito é muito bonitinho! E quem não tem a humildade de respeitar os animais (sim, mesmo aqueles que servem para a nossa alimentação), dificilmente se respeitará a si próprio. Não precisa de gostar, mas tão-só de respeitar. É assim tão difícil? Qualquer ser vivo é digno de respeito pelo simples facto de existir!

Respeito pela vida é respeito por Deus e por toda a sua Criação!


2 de março de 2013

Pré-Publicação #15



Lavou as feridas, que não eram profundas, mas podiam infetar. Em seguida, tentou encontrar o casebre. Apesar de não ser tarefa fácil, ela confirmou conhecer aquela parte da serra e acabou por dar com ele. O telhado estava desfeito, mas as paredes continuavam de pé e, apesar de servirem de abrigo a algumas ratazanas, ela encolheu-se a um canto, embrulhada no seu manto roto, a tremer, de frio e de medo.
Para onde haveria de ir? Estava fora de questão ficar naquela terra, onde tinha caído em desgraça. E era certo e sabido que o seu amante, o cavaleiro garboso, não tinha condições de a proteger. O melhor seria seguir o curso do Douro, até ao Porto. Nos arredores da cidade e no concelho de Gaia, havia vários mosteiros. E qualquer mosteiro possuía um albergue para pobres.
Ela tornara-se nisso mesmo: uma pobre, sem lar, não possuía sequer uma trouxa, apenas a roupa que trazia no corpo e o seu livro de apontamentos, agarrado ao cinto. Poderia dormir algumas noites num desses albergues e comer alguma coisa, a fim de se fortificar e superar o susto por que ainda passava. Só depois pensaria no que faria a seguir.