Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de junho de 2013

Desabafos



Tenho andado arredada da blogosfera, por força das circunstâncias. Mas, agora que estou em casa, penso que as coisas normalizarão.

Estranho dizer que estou «em casa», agora que cheguei à Alemanha. É o problema de viver há tanto tempo no estrangeiro. Aqui, sou sempre uma estrangeira e, na verdade, já não me sinto completamente «em casa» quando estou em Portugal, um país que visito de fugida, onde não me banho diariamente, um banho que é essencial para falarmos, sentirmos, respirarmos e suarmos Portugal.

Desta vez, a minha visita foi ainda mais estranha do que o costume. A minha mãe foi operada a um cancro, em meados de Maio, um processo que me vi obrigada a acompanhar através de telefonemas, emails, SMS's e fotografias. É nestas alturas que sentimos as distâncias, que notamos que já não pertencemos...

Felizmente, correu tudo bem. Pouco tempo depois, estivemos juntas, pudemos conversar. Mas havia sempre uma barreira, uma distância, a consciência, de parte a parte, de que se tratava de uma situação especial, que, em breve, eu já não estaria ao lado dela.

À quimioterapia, seguir-se-á a radioterapia, o suficiente para ocupar os meus pais mais de meio ano, com viagens desgastantes entre Macedo de Cavaleiros e o Porto. É óbvio que já não são novos, já ultrapassaram os setenta. E eu fico preocupada com eles. E pergunto-me onde eu deveria estar, pergunto-me onde ela gostaria de me ter. Perguntas que não fiz e que ela não abordou. Com medo das respostas...


11 comentários:

Bartolomeu disse...

O efeito nefasto das perguntas, é normalmente, esse: o medo das respostas.
Quase sempre não as colocamos, quando antecipamos uma resposta que nos colocará num bêco sem saída, ou com uma saída que será dolorosa, para uma ou ambas as partes.
A vida por vezes brinca com os nossos sentimentos e a nossa consciência, colocando-nos em frente, situações que gostaríamos de poder resolver de modo diferente àquele que nos é possível, sobretudo quando nessas questões estão envolvidas as pessoas que mais amamos.
Valha-nos os meios de comunicação capazes de nos aproximar um pouco as vozes e os corações, quando as distâncias geográficas impõem o afastamento da vista.
Os meus votos de melhoras da tua mãe, Cristina!

Ana Lemos disse...

Pois...as situações em que nos dividem o coração, em que vivemos com as dúvidas permanentemente a repetir dentro de nós....são muito desgastantes. Espero que a sua mãe melhore rápido e que reaja bem, dentro dos possiveis, ao tratamento :)
Força!!! Beijinhos

Cristina Torrão disse...

Muito obrigada pelas vossas palavras :)

Tens razão, Bartolomeu. Embora eu gostasse mais de acompanhar certas situações pessoalmente, é bom que, hoje em dia, haja tantas possibilidades de comunicar à distância. E também há situações em que as pessoas até gostam de poupar aqueles que amam. Talvez seja esse o caso da minha mãe, talvez ela ache bem que eu não me ocupe diariamente do seu caso. Foi também isso que faltou perguntar, mas, quem sabe, ainda chegará a altura... ;)

E esperemos que corra tudo bem, sim, Ana! Obrigada pelas suas palavras :) Um grande beijinho.

Teresa disse...

Cristina, espero sinceramente que corra tudo muito bem. Passei o Verão com sessões diárias de radioterapia, de segunda a sexta, 37 no total (e com dois internamentos pelo meio, com quimioterapia 24/24 durante cinco dias, só me tiravam um bocadinho de manhã, para poder tomar banho). Moro em Benfica e todos os dias uma ambulância vinha buscar-me para me levar ao IPO - está a ver a distância, poucos minutos - e trazer-me a casa. E chegava sempre exausta. Por isso confesso que o que mais me impressionou no caso da sua mãe foi a distância a percorrer.
Que corra tudo mesmo muito bem, é o que desejo do fundo do coração.

Teresa disse...

Acho que não assinalei a notificação de comentários.

Cristina Torrão disse...

Gostei muito de te ver por aqui, Teresa e obrigada pelo teu testemunho :)
A minha mãe também vai ter cerca de 30 sessões de radioterapia, todos os dias, mas só a partir de Outubro. A quimioterapia está prestes a começar, mas penso que as sessões dela não vão ser tão longas como as tuas. E os meus pais têm, felizmente, um pequeno apartamento perto de Espinho, onde costumam passar férias e que lhes vai dar muito jeito nesta altura (quer dizer que farão várias vezes a viagem de Macedo até lá, mas não imediatamente antes ou a seguir ao tratamento).
De qualquer maneira, estou bastante preocupada, devido à idade avançada. A minha mãe parece-me muito receosa, espero que isso não prejudique o modo como reagirá aos tratamentos.
Mais uma vez, muito obrigada.
Presumo que já passaste o pior e é bom saber que estás bem :)

Teresa disse...

Cristina, vamos falar francamente: a questão da idade também me inquieta. Se para mim foi duro, para uma pessoa com mais 20 anos será possivelmente ainda mais desgastante. Possivelmente, repito. Porque cada caso é um caso, e os tratamentos e as dosagens são diferentes de pessoa para pessoa.

A tua mãe está muito receosa? Eu estava aterrada! Os piores momentos de toda a doença foram justamente no dia do 1.º internamento, em que começaria a fazer químio e radio em simultâneo. That day I hit rock bottom. A minha irmã teve de vir arrancar-me a casa para me levar para o IPO, eu estava em pânico. Nesse dia tive dores lancinantes, as mais fortes que já tinha tido. Chorei ininterruptamente umas cinco horas seguidas, pelo menos, um choro silencioso, não conseguia que as lágrimas parassem de correr.
Porque era o desconhecido, como é agora para a tua mãe. Na manhã seguinte a enfermeira disse que eu tinha tido uma noite muito agitada. Mas o que interessa é que nessa altura já sabia como era e como ia ser. Acordei com um moral novo. Fui tomar banho, lavei e sequei o cabelo, pintei-me, perfumei-me e voltei para a cama e para o Bóbí. Um ritual que nunca mais abandonei. À noite o inverso, desmaquilhar-me, tratar a pele, lavar os dentes. A partir daí as dores foram sendo cada vez menores e mais espaçadas. Aquilo é para nos curar. Tenta transmitir isto à tua mãe. Agora peço sempre por ela. Ela que não tenha medo, vai ver como é bem menos difícil do que os negros fantasmas dos seus medos. A sério.

Cristina Torrão disse...

Este blogger, às vezes, é mesmo desesperante! Respondi ao teu comentário, Teresa, com um texto bastante longo e, quando o tentei submeter, desapareceu!!! Não sei se agora vão aparecer dois comentários muito parecidos, mas vamos lá:

Começava eu por dizer que as tuas palavras são sempre incríveis, de tão sinceras e de tão bem espelharem as vivências :)
Nunca tinha ouvido falar de sessões de quimioterapia tão demoradas como as tuas! A minha mãe disse-me que as três primeiras dela demorarão cerca de uma hora, mas as três seguintes 4 ou 5 horas.
Eu acho que era capaz de entrar em pânico, como tu, mas é difícil de dizer qual o nível de receio dela, pois é muito introvertida, foi assim educada. Eu sempre tive dificuldades em saber o que ela pensa, ou acha, de determinado assunto, ou o que sente... E isso ainda me inquieta mais, pois, em situações destas, acho que o melhor é extravasar, dizer que se tem medo, chorar...
Depois, além da idade, há a questão da fragilidade. Desde pequena que ouço dizer que a minha mãe é frágil, mas acho que também isso foi uma questão de educação. Educaram-na na crença de que todas as meninas/mulheres são frágeis, incapazes de lidarem sozinhas com a vida e com grande necessidade de proteção. Não sei até que ponto ela acredita realmente nisso. Eu sempre achei que ela não é tão frágil como se diz. Mas terá ela consciência disso?
Espero que seja eu a ter razão e que haja, dentro dela, uma força anímica que a faça reagir. Ela diz-me que não me preocupe, que sabe lidar com doenças. Já teve várias, até já foi operada duas vezes (antes desta), mas nunca se tratara de um cancro.
Enfim, resta-nos esperar, rezar e desejar que corra tudo bem.
Fico muito sensibilizada pelo teu interesse e a tua dedicação, muito obrigada, Teresa :)

Teresa disse...

Questão 1: comentários perdidos.
Isso aconteceu-me dezenas de vezes, e (lei de Murphy a funcionar) geralmente quando os comentários eram longos. Aconteceu-me há dias, e precisamente aqui. Melhor, ia acontecendo, porque adquiri o salutar hábito de copiar o texto (só copiar, nem é preciso pô-lo num word) antes de carregar em publicar.De vez em quando o Blogger pede que iniciemos sessão. Quando reparei que eu estava assinalada como Google e não como Teresa, intuí logo o que se seguia. Dito e feito: inicio sessão, passo a aparecer como Teresa e o comentário, claro, tinha desaparecido. Mas estava previdentemente em memória, foi só fazer ctrl+v. Começa a fazer isso e vais ver as arrelias que evitas.

2. Como te disse, cada caso é um caso, e a quimioterapia que nos é prescrita é absolutamente individual. A minha Mãe, por exemplo, há nove anos, fazia sessões de três horas de três em três semanas. Nestes nove anos muita coisa evoluiu, os progressos são constantes. No meu caso, o ataque foi tão violento porque o tumor estava enorme e não era sequer operável "sem risco e em segurança" (palavras dos médicos). E foi aquela sábia combinação de quimio e radio que me foi administrada que me salvou a vida. O IPO tem dos melhores oncologistas do mundo.

À minha consulta de reunião de grupo, ou de decisão terapêutica, em que estavam presentes cinco médicos (a minha médica, o médico que me ia acompanhar na quimio, a médica que me ia acompanhar na radio, um outro médico que já não me lembro por que estava ali e a Dr.ª Ana Francisca Jorge, directora de Ginecologia do IPO. Na altura eu não sabia, mas fiquei depois a saber que é uma sumidade internacionalmente considerada. E foi justamente ela, que, à saída da consulta, me deu um conselho que acho que deverias passar à tua mãe, caso não lho tenham dado ainda. «E não oiça conversas de sala de espera!» Eu já estava de iPod na mão, e apontei-lho a sorrir, maneira de lhe dizer que não havia esse perigo.

Isto pode parecer insignificante, mas não é. E pode parecer egoísta, mas também não é. É mera preservação. Estamos ali todos pelos mesmos motivos, cada qual lida com a doença à sua maneira, mas todos temos medo, muito medo. E há uma boa dose de sofrimento para todos e cada um. Chegam-nos os nossos medos e os nossos sofrimentos, não queremos ouvir os dos outros (e há pessoas que têm uma necessidade quase mórbida de contar) e pensar coisas inevitáveis como "e se isto também me acontece?" e encolhermo-nos ainda mais de medo. para ouvir estão lá médicos, enfermeiros, auxiliares, voluntários e padres.

Pensarás agora que fui um monstro de egoísmo nos meus três internamentos e nas idas diárias à radioterapia. Acho que não fui, sinceramente. Nas enfermarias fui sempre a mais nova e a que tinha maior mobilidade (mesmo a arrastar o Bóbi). Como tal, muitas vezes ofereci e dei ajuda nas coisas mais insignificantes: levantar-me para ir desligar uma luz que estava a incomodar alguém que não conseguia alcançar o interruptor, ou para ir apanhar qualquer coisa que tinha deixado cair ao chão, sei lá! Neste último internamento, a senhora da cama da frente acordou a meio da noite aos gritos. Chorava de dor. Toquei imediatamente a chamar a enfermeira de serviço e fui para junto dela. Dei-lhe a mão, tentei dizer-lhe palavras calmantes "vai já passar, é só mais um bocadinho, a enfermeira já aí vem, vai passar!" Propus-lhe que rezássemos juntas, consegui que ela rezasse comigo um Pai Nosso entrecortado de lágrimas e gemidos de dor. E depois uma Ave Maria. Entretanto já a enfermeira tinha chegado e deitou-me um olhar aprovador e grato enquanto preparava qualquer coisa para lhe administrar. E a crise passou.

Os gritos de dor, Cristina, são horríveis. Lembro-me de estar na casa de banho muito tarde, no meu ritual de beleza nocturno e de ter começado a ouvir gritos lancinantes vindos de um quarto próximo, e de imediatamente ter feito um pedido aflito e silencioso: «Meu Deus, ajuda-a, por favor! Ajuda-a, meu Deus!»

Teresa disse...

(...) O Blogger não aceitou o comentário, por demasiado longo (esta é nova, não é? Tive de o cortar ao meio e, pela primeira vez, tive mesmo de abrir uma folha de word. Cá vai o resto.

Os gritos de dor, Cristina, são horríveis. Lembro-me de estar na casa de banho muito tarde, no meu ritual de beleza nocturno e de ter começado a ouvir gritos lancinantes vindos de um quarto próximo, e de imediatamente ter feito um pedido aflito e silencioso: «Meu Deus, ajuda-a, por favor! Ajuda-a, meu Deus!»

A oração. Imóvel na mesa de radioterapia, solitária naquela sala blindada, rezava e rezava e rezava. E todos os dias tinham mais alguém por quem pedir em especial. A primeira foi uma Andreia de 17 anos logo no primeiro dia. Estremeci por dentro. Eu já vivi muito, e vivi coisas muito felizes. Ela estava apenas a começar, e via-se que estava a sofrer tanto. A cada dia havia novas pessoas a acrescentar à lista, como o rapazinho calvo de quatro ou cinco anos, cor de cera, que estava num patamar, o pai de cócoras a tentar confortá-lo. Tive de parar a meio do lance de escadas, onde eles já não podiam ver-me, para ali mesmo pedir imediatamente por ele.

Como a Rosinha, a minha adorada técnica de radioterapia, diz muitas vezes, porque me via do outro lado, enquanto ela e a equipa iam monitorizando tudo o que se passava na minha sessão, "O que tu rezavas! O que tu rezavas!"

Cristina, qualquer coisa em que aches que a minha vivência ou a minha opinião possam ser úteis à tua mãe, não hesites, tens o meu endereço privado.

Uma última coisa: a fragilidade da tua mãe. Qualquer coisa (intuição baseada na experiência) me diz que ela vai surpreender muita gente que a conhece e nela aponta essa fragilidade. Em situações como estas é frequente descobrirmos em nós forças que nem sabíamos ter.

Nem vou reler, que isto já está enorme. Limito-me só ao prudente ctrl+c antes de publicar.

Um brande beijo para ti, e a cura para a tua mãe. Ouvi muitas vezes desejos de melhoras dirigidos a mim, nunca os retribuí, antes disse sempre "cure-se!" ou "ponha-se boa!" As melhoras desejam-se para uma gripe ou para uma unha encravada. Para um cancro deseja-se a cura. Pelo menos é o que eu penso.


Cristina Torrão disse...

Não te acho nada egoísta, Teresa, há momentos em que é legítimo ocuparmo-nos de nós próprios. É uma questão de amor-próprio e só quem sabe amar-se a si próprio consegue dar amor aos outros. Egoísmo, para mim, é quando prejudicamos outros, sem olhar a meios, a fim de realizarmos certos caprichos. Reunir forças, a fim de salvar a própria vida, pode ser tudo, menos um capricho!

Ainda assim, conseguiste pensar nos outros :)

Também acho que a minha mãe nos vai surpreender a todos ;)
E, sim, o mais horrível ainda é quando doenças destas atacam crianças e jovens. Um filho de uns vizinhos nossos (na Alemanha), adoeceu com leucemia, aos doze anos. Tanto ele, como a família, passaram um ano horrível. À custa de infeções, ele esteve em perigo de vida várias vezes. Graças a Deus, curou-se, agora tem 14 anos e não tem tido problemas. Esperemos que assim continue!

Mais uma vez, muito obrigada, do coração :)
Vou-te pondo a par da situação através de email.

P.S. Às vezes, também faço o ctrl+c antes de publicar um comentário, mas, quando se passa muito tempo sem problemas, começamos a ficar mais descuidados. Mas estou a ver que, principalmente com textos longos, todo o cuidado é pouco...