Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

27 de setembro de 2013

Que Importa a Fúria do Mar


Este livro é e ficará conhecido por descrever o inferno do Tarrafal. Eu lembrar-me-ei sempre dele por causa da menina que foi despachada pela mãe para a casa de uns tios velhos e excêntricos, que tinham uns segredos horripilantes guardados num armário. São referentes a essa parte do enredo os dois excertos que publiquei aqui e aqui.

Mas haverá outras razões para o recordar: o trabalho infantil na indústria vidreira da Marinha Grande, na primeira metade do século XX; a pobreza miserável do nosso país, nesse tempo; os primórdios do Partido Comunista; uma história de amor que não deu em nada porque a lembrança que guardamos do ser amado é, muitas vezes, alindada pela memória e pelos sonhos que construímos; um trauma de infância que implica culpa que não se suporta; outro trauma de infância da tal menina despachada, que seca por dentro.

O ponto de contacto entre estes elementos? A menina sêca de sentimentos torna a descobri-los (aos sentimentos) já adulta, jornalista, entrando em contacto com um idoso, o tal que viveu o inferno do Tarrafal e que lhe conta a história da sua vida. Perguntar-me-ão o que tem o mar a ver com tudo isto. Bem, a resposta está no livro...

Ana Margarida de Carvalho descreve atrocidades, muitas atrocidades, atrocidades inimagináveis. A sua escrita é tão vertiginosa e densa, que só nos apercebemos de parte do enredo e das emoções que nos pretende transmitir mais tarde. Por vezes, nem nos apercebemos. Só entendi os dois capítulos iniciais, depois de ler o final do livro. E só entendi o final, depois de relido o início.

Se acham esta opinião um pouco confusa, experimentem ler o livro! De qualquer maneira, acho que devia ter ganho o Prémio LeYa (foi "só" finalista). Pela originalidade e pelo ritmo intenso, em contraste com uma certa monotonia. Aliás, também Os Olhos de Tirésias teria sido um digno vencedor.



3 comentários:

NLivros disse...

Interessante a tua opinião.
Vou pesquisar mais sobre este livro.

Bartolomeu disse...

Cristina, minha Amiga; considero de mui alta nobreza de carácter e de espírito, usares o teu espaço para divulgar e enaltecer obra alheia.
É justo que faças, como tão justo seria que o fizesse no seu espaço, todos os que já leram os teus livros.
Considero a tua atitude, demonstrativa de um salutar poder de humildade e... de bom gosto.

Cristina Torrão disse...

Como digo, Iceman, a escrita é pouco "ortodoxa", o estilo oscila entre o denso e o simples, requer habituação. Na verdade, gostei das partes mais simplesmente escritas do que outras, cheias de segundos sentidos. E não desanimes se não entenderes os dois primeiros capítulos ;)

Obrigada, Bartolomeu. Na verdade, gosto de escrever sobre o que leio e também serve de treino, refletir sobre os livros, o que gostei, o que não gostei... ;)