Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de agosto de 2013

Donos do Planeta

"Os humanos e os animais multicelulares fazem muito estardalhaço e dão muito nas vistas, mas este foi, é e sempre será o planeta das bactérias".

Adriano Henriques, cientista do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em entrevista à Ler nº 125, Junho 2013


29 de agosto de 2013

Silêncio

Ao completar os 25 anos, a revista Ler iniciou o projeto 15/25, convidando jovens dos 15 aos 25 anos a enviarem os seus textos. Os melhores são publicados em cada edição da revista. No número de Junho passado, houve um texto, de uma jovem de 19 anos, que me seduziu da primeira à última palavra. Intitula-se Silêncio e transcrevo-o aqui, com a devida vénia à Inês Valadas, de Reguengos de Monsarás:

Quero falar com alguém. Já queria falar com alguém ontem, quando não conseguia adormecer. Era tarde; é sempre tarde quando eu não consigo adormecer e acho que se falar com alguém o sono chega. Mas na verdade sei que o sono não chega e na verdade sei que não há nada para dizer a ninguém. Estou triste. Duas palavras e a necessidade extrema de me afogar.
Houve um tempo em que a tristeza era feita de momentos e horas. Era feita de uma sensação de líquido quente a passar-me na garganta. Demorava tempo a descer. Fazia-me correr às voltas no quarto como se num descampado de frente para o horizonte. - Tocar no nada. E pôr as mãos em tudo. Achava sempre que se corresse de encontro ao horizonte ia chegar a outro lado, em que a minha tristeza não fosse minha. Eu ia contra as paredes, eu via o branco e sabia que um dia as palavras não iam chegar. E cansava-me, como se houvesse de que estar cansada. Era o cansaço de quem não dorme mil anos, e mil anos procura por algo que não encontra.
Ontem quando quis falar com alguém, não o quis realmente. Era a necessidade de deixar sair a tristeza. Alojou-se na garganta e tornou-se seca. Tornou o peito ainda mais seco que a garganta. A minha pele está cheia de cicatrizes invisíveis. Eis a beleza. A beleza que abraço como se outro género nunca pudesse chegar-me. Não é brilhante. É áspera e cinzenta. É a beleza de quem quer chorar e não consegue porque a tristeza já não é líquida. Fez-se pedra. Agora quando abro a boca só sai silêncio - enrolo-me como se num cobertor. Continua a fazer frio.
Tenho a cabeça sintonizada em perguntas que não faço a ninguém. Porque ninguém tem a resposta. Ser autossuficiente em sentimentos passou a ser uma forma de viver e não um estado de guarda. Sou de mim, tudo o que os outros deveriam ser. Faço de mim tudo o que eles não conseguem fazer. E no entanto abandono-me. Acabo com a escuridão à cabeceira, como familiar que me vê morrer. Nestes dias tenho morrido muito. Tenho ficado sentada como que invisível na passividade dos dias e passividade me tenho tornado. Um oceano de águas escuras e espessas que se movem tão lentamente quanto o modo de câmara lenta. E deixo-me estar, levada por ondas que não me salvam nem me condenam. Se há um inferno, deve ser isto. Não ser capaz de viver e não ser capaz de morrer.
Em tudo me anulo na justificação de algo que não sei o que é. Para todos acho que preciso de ter justificações e esqueço-me que somos como ilhas longe de terra. Onde vivo, não existem barcos. Nem quem tenha coragem de nadar.
Duas palavras e a vontade extrema de me afogar em mim. Como cair para sempre e sentir o corpo leve. Podia jurar que chove dentro de mim. E a suposta luz do sol não abre espaço a que eu possa dizer: estou triste.
Talvez queira conversar com alguém amanhã. Ou só ficar em silêncio. Sei que estou cansada, um cansaço de mil anos. Cansaço que vai durar para sempre.
Se há um inferno, deve ser isto. Não ser capaz de adormecer e não ser capaz de acordar realmente.


27 de agosto de 2013

Experiências de quase morte



Todos nós já ouvimos falar destas experiências: as pessoas veem-se a entrar num túnel, no fim do qual as espera uma luz forte. Experimentam a sua vida a passar por elas a grande velocidade, enquanto as envolvem as vozes daqueles que amam. Ficam imunes ao medo e à dor e conseguem ver o seu próprio corpo deitado, o pessoal médico a tentar reanimá-las.



São relatos que nos ajudam a acreditar numa vida depois da morte. Mas há céticos. E cientistas da Universidade de Michigan descobriram algo que pode dar razão a estes últimos: nos primeiros momentos, a seguir à morte, uma atividade cerebral repentina pode ser responsável por tais visões, assim uma espécie de truque da Natureza, que, perante a angústia, nos dá a ilusão de estarmos a entrar num sítio agradável. Até agora, tal atividade cerebral era considerada impossível, já que, a partir do momento em que o coração parasse de bater, nada mais poderia acontecer. A equipa à volta do cientista Jimo Borjigin diz que é precisamente ao contrário: dada a última batida cardíaca, a atividade cerebral atinge, por breves momentos, um valor oito vezes mais alto do que o normal.



Descobertas que, a confirmarem-se, bem podem pôr em causa muita coisa em que acreditamos. Mesmo mais coisas do que muitos de nós imaginam: as experiências que levaram a estas conclusões foram feitas com ratazanas! O que prova que também o cérebro dos animais irracionais (ou, pelo menos, de alguns deles) usa truques semelhantes ao do nosso. E torna a estar em causa o facto de os animais terem sentimentos, imaginação, medo da morte e outras aptidões que muitos de nós acham exclusivas do homo sapiens.

Nota: o link conduz a um artigo em alemão



25 de agosto de 2013

Micro-conto

Dois irmãos, tão próximos na infância, tão distantes na idade adulta...
Ele, um pouco mais novo, habituou-se a ver na irmã alguém que tomava conta dele e lhe ensinava coisas, mas também alguém que lhe satisfazia caprichos e que não se zangava, quando ele lhe pregava partidas (algumas, cruéis). O contrário não se verificava. Foi assim que os pais quiseram. E ela, obediente, sujeitava-se.
Em adulto, ele parece não precisar de quem tome conta dele e lhe ensine coisas. Continua a pregar partidas, mas a outros, assim como procura outros que lhe satisfaçam os caprichos.
Deixou de precisar da irmã. E descartou-a.

Nota: este texto foi-me inspirado por esta pergunta da Alice Alfazema.


23 de agosto de 2013

Bebé, adultos e animais reais


Daqui

A qualidade da fotografia deixa muito a desejar. É natural, pois não foi tirada por um profissional, mas por Michael Middleton, o sogro do príncipe William. O jovem casal quis assim, nada de artificialismos e retoques, tudo muito natural, como costuma acontecer numa reunião de família. E não tiveram problemas com a proximidade do bebé com os seus cães. Parece que Lupo, o coker spaniel, pertence ao jovem casal e Tilly, o golden retriever, todo pachorrento lá atrás, é o cão da família Middleton.

É conhecida a paixão de Isabel II pelos seus welsh corgis, que começou na infância. Os cães passeiam-se pelos palácios que habita, inclusive, Buckingham. E estão presentes nalgumas audiências e receções. Eu vi, na televisão alemã, uma equipa de futebol inglesa, na altura, com um guarda-redes alemão (Lehmann) a ser recebida pela rainha. Lá vinham os corgis (penso que oito) no encalço da soberana, espalhando-se pela sala e examinando, com a maior descontração, o calçado dos jogadores. Estes olhavam-nos entre o divertido e o incomodado.

Escusado será dizer que Isabel II agiu com a maior naturalidade, como se fosse habitual ver cães em situações daquelas. Os corgis e restantes cães são considerados membros da família e o príncipe William foi criado nesse ambiente. É natural que siga a tradição com o próprio filho. Há quem fique chocado, perante tal, quem proteste. Não sabem nem sonham que só assim se criam verdadeiros cães familiares, só desse modo as coisas funcionam com harmonia e se evitam tragédias.

Não se trata de pôr os animais ao nível das pessoas. Trata-se de zelar pela vida e pelo conforto das pessoas. Porque é mesmo assim: acarinhando os animais, fazem-se pessoas mais felizes!


21 de agosto de 2013

Amigos imaginários


O nosso cérebro faz, por vezes, associações curiosas. Eu sempre associei Calvin & Hobbes ao livro O Meu Pé de Laranja Lima, do brasileiro José Mauro de Vasconcelos. Ambos nos falam de crianças que criam um amigo imaginário.

Entre longas-metragens e adaptações televisivas, O Meu Pé de Laranja Lima vai já na quinta versão. Lembro-me de ver uma delas, na televisão, penso que foi a primeira versão em cinema, que estreou em 1970, dois anos após o lançamento do livro. Já não sei que idade tinha, mas sei que o filme me comoveu até às lágrimas. E admirei a coragem do miúdo, o Zezé, ao atrever-se a conversar com uma árvore, desabafando e diminuindo a sua solidão. Digo coragem porque, na altura, constatei que nunca me havia atrevido a tal, apesar de ter a sensação de que o necessitava. Acho mesmo que invejei o Zezé, que possuía uma pequena árvore tão carinhosa, que o compreendia tão bem...

O receio de que me descobrissem e ridicularizassem sobrepôs-se àquela necessidade. Nunca me atrevi. Com o passar dos anos, o assunto foi esquecido. Mas quando, já com mais de vinte anos, comecei a ler as tiras de Calvin & Hobbes na imprensa, algo recalcado manifestou-se no meu interior. Fascinou-me que um menino se atrevesse a considerar um tigre de peluche o seu melhor amigo, que o ouvia, o compreendia, o aconselhava e, muitas vezes, o salvava dos seus fantasmas. O pormenor que mais me emocionou (algo que ainda hoje idolatro) foi o facto de o tigre confidente/protetor ser muito maior que o miúdo. Porém, nas cenas em que a mãe ou o pai de Calvin falam com o filho, o tigre torna a ser de peluche, quatro vezes mais pequeno, e ocupa um lugar discreto no quadradinho (passa mesmo despercebido).

Ainda hoje me atinge uma sensação de oportunidade perdida, por não ter criado o meu próprio amigo, grande e forte, quando sentia falta dele.