Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de fevereiro de 2014

A família tradicional - teoria e realidade

Uma pequena análise histórica mostra-nos que não há uma forma natural de família. Quem vive com quem e quais os papeis atribuídos aos homens, mulheres, crianças e restantes parentes varia muito, conforme a cultura e a época. Clã, tribo, parentela, família, casa - os conceitos que, ao longo da História, serviram para identificar um sistema de humanos a viver sob o mesmo teto variaram muito.

Entre os Sumérios, Egípcios e outros povos da Antiguidade era comum a existência de várias esposas, do que resultavam grandes "famílias" de meios-irmãos, até existia o casamento entre irmãos. À "família" romana pertencia igualmente a criadagem, semelhante ao conceito medieval de "casa". Aos pais e filhos juntavam-se os avós, tias e tios solteiros, criados e outro pessoal. Muitas vezes, a ligação entre pais e filhos nem era muito forte, principalmente entre os nobres. Estava fora de questão uma fidalga amamentar os seus rebentos e existia o costume de enviar as crianças para uma outra casa, a fim de serem educadas. Normalmente, saíam de casa dos pais pelos sete anos, mas podia também ser mais cedo. Em Portugal, o nobre responsável pela educação de um filho de outro fidalgo era o Aio, assim como D. Egas Moniz foi Aio de D. Afonso Henriques.

O conceito atual de "família" só surgiu na França do século XVIII, desenvolvendo-se, no século XIX, com a Revolução Industrial, a família nuclear, englobando pai, mãe e filhos, mais por motivos económicos.

A análise histórica também nos mostra que nem tudo era melhor antigamente, pelo contrário. Durante esses tempos difíceis do século XIX, negligenciavam-se, muitas vezes, crianças mais pequenas, a fim de diminuir o número de bocas a alimentar, assegurando a sobrevivência do resto da família. E todos sabemos que quase não havia casamentos por amor, mas sim por conveniências sociais, económicas, etc.

Um outro aspeto era a frequente inclusão de filhos ilegítimos na família nuclear, o que, ao contrário do que possa parecer, não favorecia um convívio são dessas crianças com os outros membros da família. Os bastardos eram normalmente vistos como um fardo, discriminados e obrigados a executar trabalhos mais duros. Também morriam muitas mulheres de parto, pelo que os homens tornavam a casar, duas, três ou mais vezes, ou seja, eram frequentes as famílias que hoje apelidamos de patchwork. Os enteados, aliás, à semelhança dos ilegítimos, quase nunca eram bem tratados.

Hoje em dia, todos sabemos que a família passa mais tempo separada do que junta: os pais trabalham, os filhos passam o dia nos colégios, escolas ou infantários. E ainda não há muito tempo se proibiam as crianças de "boa casa" de brincarem com filhos de pais separados.

Por tudo isto, talvez fosse bom que a Igreja Católica se adaptasse aos tempos atuais, aceitando novas formas de família. À convicção do arcebispo alemão Gerhard Ludwig Müller de que não se mexe nos dogmas da Igreja, respondeu o cardeal hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga: «o mundo meu irmão, o mundo não é assim. Devias ser mais flexível, ao ouvir as opiniões dos outros, para que não te limtes a dizer não»*.

A doutrina cristã não devia ser uma teoria abstrata, reduzida a uma ideologia. Devia estar ao serviço das pessoas, cumprindo o seu pressuposto de fortificar a sua fé, em vez de as afastar.

* Declarações lidas na KirchenZeitung



2 comentários:

Bartolomeu disse...

Chamam-lhe, ordinariamente; evolução social. Mas que fatores, sociais, religiosos, intelectuais, geográficos, astrológicos e até meteorológicos - digo eu - entram na composição desta equação? Para mim, toda a organização social e parental, tem o propósito-base de preservar a espécie. E de que maneira é que a espécie se preserva? Alimentando-se! E para que possa alimentar-se, a espécie necessita de conseguir alimentos e, para os conseguir, necessita de energia. Ora, como a espécie envelhece e nesse processo a energia vai enfraquecendo, a espécie tem de garantir a si mesma a manutenção dessa energia e a forma natural que encontrou para atingir com sucesso esse "estado", foi, procriando. Assim, e para garantir a procriação, o macho e a fêmea da espécie, organizaram-se de forma a garantir que a reprodução fosse efetiva e que os novos, resultante dessa união ficassem também unidos pelos laços familiar, garantindo aos mais velhos, a fonte de energia necessária. Resumindo: parece-me que a "coisa" está diretamente relacionada com a garantia da paproca, mas posso estar enganado... ;))))

Cristina Torrão disse...

Não há dúvida de que é a sobrevivência da espécie e a propagação dos genes que está na base da constituição daquilo a que chamamos família. Claro que atingimos uma grande evolução cultural, tecnológica, etc. Mas, na origem, somos animais, como todos os outros :)