Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de julho de 2014

Escritos soltos # 1



Nunca dei à Luísa a atenção devida. Nem sequer a desejei completamente, quando nasceu, perguntando-me porque fizera o raio daquele casamento, de que me arrependi mal pronunciei o «sim». Porque fazemos tais coisas, sabendo, no íntimo, que não vão resultar?
Medo da solidão…
Estava cheia de me sentir sozinha. Estava cheia de mágoas, não aguentava mais o caos em que se transformara a minha vida, a partir daquele março de 1974, cheia de depender da caridade de quem, no fundo, me desprezava.
Conheci o Armando numa das manifestações do Verão Quente, numa altura em que julgava não mais ser capaz de amar. O Armando divertia-me, com aquele seu jeito despreocupado. E eu queria deixar as agruras para trás, queria acreditar que a vida ao lado dele fosse mais fácil. Casámos em 1976, quando ele arranjou o emprego no banco, apesar de eu ainda andar a tirar o curso.
A despreocupação do Armando revelou-se uma grande armadilha, mais uma, na minha vida. Era esbanjador, incapaz de assumir responsabilidades. Começou a faltar o dinheiro para a renda da casa, para as compras… O ordenado do banco fugia-lhe entre os dedos como areia numa mão aberta, sobrevivíamos à custa das minhas explicações de português e francês. Ficava cada vez mais difícil, as discussões eram constantes. E eu debatia-me com insónias, pesadelos e ataques de ansiedade.
Sabia que o melhor seria a separação… Não fosse a minha insegurança, o medo da solidão que me guia para dependências cegas. Comecei a acreditar que tudo melhoraria, assim que acabasse o curso e começasse a dar aulas. E assim que tivéssemos um filho! De repente, senti-me como se tivesse descoberto a pólvora: o meu ordenado de professora dar-nos-ia conforto financeiro, um filho aproximar-nos-ia, salvando o casamento… Fiquei tão obcecada, que deixei de tomar a pílula no meu último ano de faculdade, sem sequer informar o Armando. No fundo, sabia que ele não concordaria. Dizia constantemente que ainda não queria filhos, que éramos muito novos, que deixássemos passar algum tempo.
Ficou furioso, quando soube da gravidez, queria que eu abortasse. Mas eu acreditava firmemente que um filho nos uniria. Ser pai haveria de lhe incutir responsabilidade…
Porque tendemos a acreditar que a nossa felicidade e a solução dos nossos problemas dependem unicamente de fatores exteriores a nós? É um erro, mesmo um abuso, usar um ser ainda não nascido para salvar um casamento. Ou para atingir um qualquer objetivo pessoal. Qualquer vida deve valer por si própria, nunca ser um instrumento para atingir um fim. Não uma vida!


2 comentários:

Bartolomeu disse...

Porém... foi e é esta, a realidade que muita gente vive... adiar as decisões, esperando que algo de extraordinário as resolva em seu lugar.

Cristina Torrão disse...

É isso mesmo, Bartô.