Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

29 de agosto de 2014

Excerto (1)


«Ganhou o caciquismo. Fez-se uma lista de cidadãos republicanos influentes para agir neste sentido, que contemplava um conjunto bem definido de ações: promessas de emprego, abertura de caminhos vicinais, contratos de negócios, etc. e tal.
Outro republicano, não menos ilustre, propôs subornar o presidente da comissão eleitoral para não registar no caderno elelitoral alguns cidadãos reconhecidamente votantes no partido inimigo. Alguém respondeu que esta proposta já tinha barbas e que só dava bronca nas mesas eleitorais e má imagem ao partido.
Outro, também ilustre, achava uma rica ideia canalizar determinada verba para a compra de votos aos eleitores perfilados nos outros partidos, tal como faziam os pretos (regeneradores) e os brancos (progressistas). Esta ideia era tão velha como o mar, mas foi a que mais adorei; e rezei para que alguém, preto ou branco, se lembrasse de comprar o meu voto. Em tempo de crise todos os reais são poucos, e eu poderia comprar mais um fato».

In "Os Azares de Valdemar Sorte Grande", António Breda Carvalho

Nota: esta cena passa-se pouco depois da implantação da República em Portugal, quando se preparam eleições.


27 de agosto de 2014

«Quem se lembra hoje do extermínio dos Arménios?» perguntou Hitler

Este ano, assinala-se o 100º aniversário do início da Primeira Guerra Mundial, a guerra das malfadadas trincheiras. Mas a guerra de 1914/18 não foi só feita nas trincheiras, nem causou miséria e mortandade apenas na Europa. Foi igualmente palco de um genocídio perpetrado pelo Império Otomano sobre os Arménios, de que mal se fala nas nossas longitudes, e que provocou a morte de cerca de dois milhões de pessoas.

Durante os primeiros dois anos a seguir à sua entrada na guerra, a 29 de outubro de 1914, a Turquia praticou o extermínio sistemático da minoria arménia, que se alargou a cristãos de outras etnias. O ponto de partida foi a ofensiva falhada no Cáucaso, em fins de 1914 e início do ano seguinte. Os Arménios de determinada província apoiaram os russos neste conflito e, embora a maioria dos restantes se mantivesse do lado dos turcos, foi determinado o seu extermínio. Normalmente, as populações arménias eram sujeitas a marchas forçadas de centenas de quilómetros, ou transportadas em carruagens de gado, e deixadas a morrer à fome e à sede em regiões inóspitas. Muitos deles, porém, foram sumariamente assassinados e muitas mulheres e crianças forçadas à conversão ao Islão.

Nem todos os turcos pactuaram, mas sofreram as consequências. Os governadores de Ankara, Kastamonu e Yozgat, que demostraram resistência a estas práticas, foram demitidos, os de Basra e de Muntefakt chegaram a ser executados.

Apesar da derrota do Império Otomano, aliado da Alemanha e da Áustria, os responsáveis pelo genocídio não sofreram qualquer tipo de consequências. Isto terá inspirado o próprio Hitler que, cerca de 25 anos mais tarde, instado por alguns dos seus colaboradores sobre o possível impacto dos seus planos, terá replicado: «Quem se lembra hoje do extermínio dos Arménios»?

Nota: informações tiradas da KirchenZeitung


26 de agosto de 2014

Nada como ler os clássicos (11)

Despido, soprada a vela, depois de um rápido sinal da cruz, o Fidalgo da Torre adormeceu. Mas no quarto, que se povoou de sombras, começou para ele uma noite revolta e pavorosa. André Cavaleiro e João Gouveia romperam pela parede, revestidos de cotas de malha, montados em horrendas tainhas assadas! E lentamente, piscando o olho mau, arremessavam contra o seu pobre estômago pontoadas de lança, que o faziam gemer e estorcer sobre o leito de pau-preto. Depois era, na Calçadinha de Vila-Clara, o medonho Ramires morto, com a ossada a ranger dentro da armadura, e el-rei D. Afonso II, arreganhando afiados dentes de lobo, que o arrastavam furiosamente para a batalha das Navas. Ele resistia, fincado nas lajes, gritando pela Rosa, por Gracinha, pelo «Titó»! Mas D. Afonso tão rijo murro lhe despendia aos rins, com o guante de ferro, que o arremessava desde a hospedaria do Gago até à Serra Morena, ao campo da lide, luzente e fremente de pendões e de armas.

In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós


22 de agosto de 2014

Da maldade

«A maldade tem que nascer connosco, ser intrínseca aos humanos como o é aos animais selvagens, que a mascaram com instintos. A uns foi-lhes dada a capacidade de a combater, aos (des)humanos estou em crer que não.»


Não concordo de todo com esta afirmação. Na minha opinião, a maldade não nasce connosco. Nascem sim características que, mal entendidas, mal orientadas, desleixadas ou provocadas podem levar a atos de maldade. Essas características são a agressividade, o ciúme, ou a inveja, por exemplo.  Em doses aceitáveis e controláveis, podem ser úteis. Porém, abusadas, transformadas em complexos de inferioridade, podem levar a verdadeiras catástrofes.  As emoções negativas estão sempre ligadas ao sofrimento, os seres mais odiosos são os mais tristes. A tentativa de preencher o buraco dentro deles é que os leva a cometer atrocidades.

A criança que estraga o brinquedo do irmão por maldade não nasceu assim, é já o resultado de uma manipulação (se os pais não conseguirem gerir os ciúmes que sente pelo irmão, por exemplo; são os pais que criam as rivalidades doentias entre irmãos, ao preferirem um em detrimento do outro, mesmo que inconscientemente). A maldade é o resultado de um perigoso cocktail de circunstâncias, abusos e características inatas. Não nasce connosco, é construída e pode ser aperfeiçoada ao cúmulo. Também pode ser aprendida por imitação, convivendo, desde tenra idade, com alguém que a tenha aperfeiçoado.

Por isso, a maldade não nasce igualmente com os animais (selvagens, ou não). O que é válido para nós, também o é para eles: bons exemplos, carinho, apoio e dedicação apaziguam e amansam os animais. Claro que há outros que, pelo seu tamanho e força, são sempre perigosos, pelo que não é aconselhável tentá-los domesticar ou controlar com "falinhas mansas", exceto por quem os entenda e consiga fazer-se entender por eles. Os animais não mascaram a maldade com instintos, porque eles não precisam de mascarar nada. Limitam-se a seguir as regras da natureza, que dita a sua sobrevivência, o que, na nossa escala de valores, pode assumir contornos cruéis. Mas não tem a ver com maldade.

Nós não nos distiguimos entre aqueles a quem foi dada a capacidade de combater a maldade  e aqueles a quem não foi. Esta seria uma explicação demasiado simplista, que convida à acomodação de quem acredita que, para quem nasceu de determinada maneira, nada há a fazer. Se não se criaram condições para que a maldade fosse construída, não há nada a combater; caso contrário, a pessoa tem de ser ensinada a combatê-la. Tarefa nada fácil. Mas não se espere que alguém nasça com essa capacidade.



20 de agosto de 2014

A bomba na auto-estrada

Não raro, encontram-se bombas lançadas pelos Aliados, quando se fazem obras, aqui na Alemanha. As bombas ficaram soterradas todas estas décadas, mas estão longe de serem inofensivas. Estão, por assim dizer, adormecidas e são imprevisíveis. Perante tal achado, por vezes, no meio da cidade, a zona é evacuada, normalmente, num raio de 500 a 1000 metros, conforme a potência da bomba.

Desta vez, o objeto, de fabrico inglês, com 500 quilos de peso, foi encontrado em obras na auto-estrada A3, entre Würzburg e Frankfurt. Diga-se de passagem que as auto-estradas alemãs estão constantemente congestionadas, filas de 3 a 7 km são frequentes. Desta vez, com o corte do troço, atingiram-se filas até 20 km. Também o aeroporto de Frankfurt, um dos maiores do mundo, esteve sujeito a restrições, já que o local do achado é sobrevoado pelos aviões que se fazem a uma das pistas de aterragem.

Na Alemanha, há especialistas em desativar estas bombas, prontos a atuar em qualquer momento. Mas a desativação foi impossível, neste caso. A bomba era dotada de um complexo sistema de detonação que evitou a sua explosão imediata, ao ser lançada do avião.  Decidiu-se pela sua explosão controlada. A zona foi evacuada num raio de 1000 metros, a detonação ocorreu como o previsto e originou uma cratera de 25 metros de comprimento e 3 de profundidade.

Fonte da imagem e da notícia

As pessoas evacuadas puderam regressar às suas casas e o aeroporto de Frankfurt retomou a sua atividade normal. Mas escusado será dizer que o troço da auto-estrada ficará interrompido por bastante tempo.


19 de agosto de 2014

Nada como ler os clássicos (10)

E depois, menino, a literatura leva a tudo em Portugal. Eu sei que o Gonçalo, em Coimbra, ultimamente, frequentava o Centro Regenerador. Pois, amigo, de folhetim em folhetim, se chega a S. Bento!

In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós

18 de agosto de 2014

A Citação da Semana (22)

«Inteligente é quem só acredita em metade daquilo que lhe dizem. Ainda mais inteligente é quem sabe qual das metades é a verdadeira».

Autor desconhecido


17 de agosto de 2014

Excerto (2)

«Encostado à amurada do forte, reconheci no mar revolto, a uma distância de trezentos metros, a cor azul dos remos da embarcação de Rodolfo, onde ele e mais três homens lutavam contra as vagas que os queriam engolir. Subindo e descendo no mar côncavo, as ondas vigorosas empurravam cruelmente a indefesa Salmoura na direção do forte. Os pescadores lutavam tenazmente no interior do barco, afogados em água, e certamente também em choro que eu não ouvia e em lágrimas que não via. Quis saltar o paredão, descer aos rochedos junto à rebentação das ondas, agarrado à esperança de poder salvar o meu pai quando a embarcação se estoirasse num frémito de tábuas, ossos e sangue».

In "Os Azares de Valdemar Sorte Grande", António Breda Carvalho (Chiado Editora)




15 de agosto de 2014

E viva a bicicleta!

No Jardim do Calém, Foz do Douro, Porto
O paulofski, do blogue na bicicleta, deixou, neste meu post, estas interessantes informações sobre a situação dos ciclistas em Portugal, com destaque para o Grande Porto. São boas notícias e a opinião do paulofski coincide com a minha, por isso, aqui deixo o comentário (quase) na íntegra. A fotografia que ilustra este texto também é dele.

«Apesar de estarmos ainda bem atrás de outras sociedades europeias no que se refere ao uso da bicicleta, ver muitas pessoas que utilizam a bicicleta nas suas deslocações diárias passou a ser uma coisa rotineira, tanto aqui no Porto como em concelhos vizinhos, em Gaia e Matosinhos por exemplo. Há por cá muitos novos ciclistas, e ainda outros que já o eram mas que passaram a andar na cidade. Os ciclistas urbanos são em número cada vez maior. A sua presença alastra por todas as cidades portuguesas, mesmo nas mais sinuosas e inclinadas por colinas ou nas mais fustigadas pela pressão automobilística. Com as recentes alterações ao Código de Estrada, automobilistas e ciclistas passaram a estar equiparados, concedendo novos direitos e responsabilidades aos ciclistas, o que veio equilibrar um pouco a diferença.

Agora passamos na ponte Luiz I de bicicleta com toda a naturalidade, usufruindo e partilhando das mais belas vistas panorâmicas sobre o Douro com pessoas que caminham a pé ou vão de Metro. Parece-me razoável que uma cidade com menos carros, melhores transportes públicos e mais bicicletas será sempre mais aceitável, pelas óbvias razões ecológicas, económicas e de planeamento urbano. Os carros são mais frequentemente associados à poluição do ar, mas um outro tipo de poluição do carro, muitas vezes esquecido, é a poluição sonora. Embora sejam necessários os carros para a economia e mobilidade, é incontestável que os que estão a pé ou pedalam uma bicicleta, têm a liberdade de enfatizar o valor das bicicletas na redução da poluição do ar e dos malefícios do congestionamento das cidades.

Usando uma bicicleta para o transporte permite a liberdade de parar em qualquer lugar, sem se preocupar com estacionamento, e tornar o ambiente urbano mais natural. Tal como nós, os animais gostam das coisas naturais, como o vento, o sol e a chuva, em estreita proximidade com os seres humanos, como demonstra aqui o jovem com os seus animais».


13 de agosto de 2014

A Ilustre Casa de Ramires

Ebook gratuito no Projecto Adamastor

Que bom haver Eça por descobrir! Sobretudo, quando ele mistura a crítica social do seu tempo com incursões medievais. Para mim, não podia ser melhor.

A personagem principal, Gonçalo Mendes Ramires, descende de uma família mais antiga do que o país. Mas carrega o peso dos antepassados como uma cruz. Tendo acabado os estudos em Coimbra, a que se segue a morte do pai, Gonçalo não sabe o que fazer na vida, a fim de igualar as façanhas dos avós. Mais uma vez, Eça de Queirós mostra-nos uma personagem vencida pelo tédio, irresoluta, à procura de uma ocupação que a realize. Este tipo de personalidade foi levado ao cúmulo n' A Capital e também Carlos da Maia apresenta sintomas.

Enfim, qual a melhor solução para atingir a glória? A política, claro! Gonçalo Mendes Ramires ambiciona tornar-se deputado, quiçá ministro. Um colega de curso aconselha-o a escrever sobre um seu antepassado medieval. Além de reabilitar o país, recordando de que raça são feitos os portugueses, trabalhará para a sua carreira política, já que: «a literatura leva a tudo em Portugal (...) de folhetim em folhetim, se chega a S. Bento!»

O Fidalgo da Torre, como Gonçalo é conhecido, lá se põe a escrever a obra, consultando a História de Herculano. Atacam-no receios de plágio, ao basear-se num poema épico, mas desconhecido, de um seu falecido tio. Eça de Queirós mostra-nos as inseguranças e os conflitos de quem se atreve no mundo da escrita e liga, na sua crítica mordaz, o sistema político português, com os seus esquemas e compadrios, ao romancista romântico - as alusões a Alexandre Herculano e a Walter Scott carregam sempre um travo depreciativo.

Destaco um aspeto que me agradou particularmente: a compreensão pela mulher adúltera. Claro que o tema também é tratado n' O Primo Basílio, mas sem haver essa compreensão, até carinho e proteção, por parte de uma outra personagem - se bem que num tom paternalista; mas que se há de esperar de um homem da época?

Em suma: uma incursão deliciosa pela segunda metade do século XIX, como só Eça de Queirós sabe fazer, salpicada com incursões no reinado de D. Afonso II. Recomendo vivamente! Viva o Eça!


12 de agosto de 2014

Nada como ler os clássicos (9)

Por essa História de Portugal fora, vocês são uma enfiada de Ramires de toda a beleza. Mesmo o desembargador, o que comeu numa ceia de Natal dois leitões!... É apenas uma barriga. Mas que barriga! Há nela uma pujança heróica que prova raça, a raça mais forte do que promete a força humana, como diz Camões. Dois leitões, caramba! Até enternece!...

In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós


11 de agosto de 2014

A Citação da Semana (21)

«Quem quiser contribuir para um mundo feliz, deve, em primeiro lugar, criar um ambiente feliz na sua própria casa».

Albert Schweitzer


8 de agosto de 2014

Uma história de bicicletas

A Helena Araújo exprimiu a sua preocupação por o filho se atrever a percorrer Lisboa de bicicleta. Com razão, penso eu, pois em Portugal (salvo exceções) ainda não há boas condições para os ciclistas e os automobilistas também não estão sensiblizados para partilharem as ruas citadinas com a malta do pedal.

Recordei os tempos, no início dos anos 1990, em que o Horst, meu marido, tinha a estranha ideia de vencer as cidades portuguesas em cima de uma bicicleta. Nunca mais me esqueço de como ele atravancou o trânsito no tabuleiro superior da ponte de D. Luís, entre Porto e Gaia. Esse tabuleiro estava ainda aberto ao trânsito automóvel (hoje é só para o metro) e era um movimento descomunal, durante todo o dia. Quem conhece a ponte, sabe que tem apenas uma faixa em cada sentido. Eu vi o espetáculo do lado de Gaia, pois estava à espera do Horst. O que mais me intrigou é que não houve uma única buzinadela, apesar de os carros no sentido Porto-Gaia só circularem a uns 20 ou 30 km/h. Talvez tivessem achado piada ao alemão maluco...

Esta ideia do meu marido não durou muito, como seria de esperar. Em breve pôs de lado a bicicleta, que acabou por apodrecer por falta de uso e manutenção, comprada em Portugal de propósito para as suas estadias no nosso país. Mas o que o fez desistir não foi o perigo do trânsito, ou a impaciência dos automobilistas. Foram os gases tóxicos! Baforadas fortes de gases a entrar-lhe nos pulmões. Carros antigos ou mal afinados, sei lá. Talvez hoje seja diferente. Mas sempre que tinha de parar nuns semáforos, a arrancada fazia-se sempre no meio de uma núvem tóxica. Numa ocasião, parou nos semáforos junto à Câmara Municipal de Gaia, no sentido de quem sobe, com várias faixas de rodagem (hoje também é diferente) e, ao surgir o verde, ele viu-se impedido de arrancar porque esteve um momento sem ver nada, no meio dos gases poluentes.

Foi o golpe de misericórdia! Bicicleta? Só na Alemanha! Eu própria a uso mais do que o carro. E porque a nossa cadela é pequena demais para correr o tempo todo ao lado, arranjámos-lhe um atrelado. Ora vejam, que luxo!



6 de agosto de 2014

O petroleiro que explodiu no Porto

Foto de Tiago Barbosa

Durante cerca de vinte anos, este pedaço de petroleiro permaneceu encalhado mesmo em frente ao Forte de São Francisco Xavier, vulgo Castelo do Queijo, no Porto, tornando-se um ícone involuntário da cidade. Note-se que esta fotografia, alegadamente tirada nos anos 1990, apresenta a proa já sujeita a duas décadas de erosão marítima (mesmo assim, de um tamanho considerável, se compararmos com as pessoas que andam pela praia, à esquerda). Eu ainda me lembro dela bem maior, como uma parede bizarra, que, sob determinado ângulo, nos impedia a visão para o mar aberto. Mais do que uma parede, a proa apontada ao céu dava-me a ideia de que um enorme navio estava prestes a surgir das profundezas do mar (sensação só percebida ao vivo, em frente da proa, tal como ela se apresentava nos anos 1970; infelizmente, não tenho nenhuma fotografia).

O acidente deu-se em janeiro de 1975, tinha eu nove anos. O petroleiro dinamarquês "Jakob Maersk" embateu possivelmente num banco de areia, ao manobrar, junto ao porto de Leixões. Um incêndio deflagrou na casa das máquinas e foi alastrando, provocando explosões monumentais, devido à carga de cerca de 80.000 toneladas de crude. Sete tripulantes perderam a vida. O navio ardeu durante três dias, em chamas que atingiram os 100 metros de altura, e acabou por se partir em três partes. Duas delas afundaram-se, mas a parte dianteira ficou à deriva, acabando por encalhar junto ao Castelo do Queijo.



Eu morava em Vila Nova de Gaia, perto da praia de Salgueiros, a cerca de dez quilómetros do porto de Leixões (distância ao longo da costa), e lembro-me de ver aqueles rolos de fumo negro a cobrir o céu. Naquela idade, fazia-me confusão o incêndio não se extinguir à noite, quando íamos dormir, e ainda lá estar, no dia seguinte. Na verdade, os bombeiros não tinham meios para combater tal calamidade e deixaram o crude arder.

Foi um fim de janeiro infernal, no Porto e arredores, pouco depois da Revolução dos Cravos. Um prenúncio do Verão Quente, que se verificaria nesse ano...



A proa lá ficou e tornou-se-nos familiar. Eu mal me lembrava da paisagem à volta do Castelo do Queijo sem aquela ponta de navio apontada ao céu. Vim para a Alemanha em 1992 e os meus pais saíram de Gaia poucos anos depois. As minhas idas ao Porto tornaram-se raras, as idas àquele local ainda mais. Estive lá, por fim, há meia dúzia de anos e o Castelo do Queijo pareceu-me estranho sem aquele destroço à frente. Assim é que deve ser, claro, mas confesso que me senti defraudada, uma sensação de perda, como se, depois da uma ausência de vários anos, não me fosse permitido regressar ao lugar que deixara.

Hoje em dia, uma das âncoras do "Jakob Maersk" está exposta, em Leixões, ou Matosinhos (lamento, mas não consegui saber onde), em homenagem às vítimas e relembrando um dos maiores acidentes navais da nossa costa.


Foto copiada deste site


Aqui, um vídeo feito a partir de várias fotografias.
Algumas informações também no Facebook.

Nota 1: a ideia para este post foi-me dada pela Vespinha, que recordou o "Tollan".

Nota 2: E, passados sete anos depois da publicação deste post, o António Bettencourt informou onde se encontra a âncora: «junto à entrada da Marina de Leça, do Instituto de Socorros a Náufragos e do restaurante Marina Club».

«Localização no google maps: 41.187717, -8.704592 ou 41°11'15.8"N 8°42'16.5"W»

Obrigada, António.




5 de agosto de 2014

Nada como ler os clássicos (8)

Perguntado porque deixara de tomar rapé, costume indicativo de homem pensador e estudioso, respondeu que alguns escritores modernos atribuíam ao amoníaco, parte componente do rapé, o deperecimento das faculdades retentivas, pela acção deletéria que o poderoso alcali exercitava sobre a massa encefálica. Além de que a fumarada do charuto, sobre ser purificante e antipútrida, dava aos alvéolos solidez, e consistência aos dentes.

In "A Queda Dum Anjo", Camilo Castelo Branco


4 de agosto de 2014

1 de agosto de 2014

Judeus alemães reclamam solidariedade

Dieter Graumann, Presidente do Conselho Central dos Judeus, na Alemanha (Zentralrat der Juden) reclamou mais apoio da população contra a onda de anti-semitismo que, na sua opinião, se está a levantar neste país. Pergunta porque não se forma uma onda de solidariedade para  fazer frente às palavras de ordem anti-semitas, gritadas em manifestações contra a violência israelita na Faixa de Gaza, como: "judeu, porco cobarde" (Jude, Jude, feiges Schwein), ou "Israel infanticida" (Kindermörder Israel).

Note-se que a grande maioria dos manifestantes são de origem turca ou árabe.

Numa carta dirigida aos cidadãos judeus alemães, Dieter Graumann escreve: "Permaneceremos como sempre fomos: judeus de corpo inteiro, que não carregam a sua tradição judaica como um fardo, mas com inquebrável orgulho" (tradução minha).

Deixo isto à vossa consideração.

Nota: o link conduz a uma notícia em língua alemã).