Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de outubro de 2014

Obsessão


Um médico é chamado de emergência a um apartamento onde se encontra um homem inanimado. Tudo indica que cometeu suicídio. Enquanto espera pela polícia, fica curioso em relação ao que teria sido a vida daquele homem, pergunta-se o que o teria levado a cometer tal ato. Encontra um livro da autoria do morto e descobre correspondência trocada com uma mulher misteriosa, que igualmente escrevia e tentava a publicação dos seus livros.

O que parece ser um policial transforma-se numa procura obsessiva pela identidade de uma pessoa, que culmina na procura da identidade do próprio narrador. Os dois homens parecem ter em comum a obsessão pela sedução, numa altura em que perdem o viço da juventude. Há um oscilar constante entre a realidade e a ilusão, partindo do princípio de que cada pessoa não é só uma, mas muitas. Como nos diz o próprio autor, numa nota inicial: «E é isso que narra Obsessão. Uma pequena ficção, apenas isso, onde se debatem personagens como Valente, Sónia, Jorge, Bela. Despretensiosa, desfocada, contada às várias pessoas que nos compõem, observando mais do que fala sobre um transitório estado da arte consentida da ilusão. A realidade é sempre ela bem mais iludida, obsessiva, complexa, do que a ficção. E até a Obsessão pode ser apenas um pretenso exercício imagético de observação sobre a realidade».

Este romance exige muito do leitor e confesso que tive algumas dificuldades em apreender todo o seu sentido. Por outro lado, a capacidade de escrita de Pedro Sande é notável, dando a impressão que o tratamento de toda uma complexidade de temas lhe sai sem esforço. Pelo meio, encontramos alusões deliciosas ao meio editorial português e divagações interessantes sobre candidatos a escritores solitários que tentam contactos pela internet, este meio que põe todos a falar com todos, sob uma capa anónima, mesmo que não se faça segredo da verdadeira identidade.

Cito mais duas passagens desta intrigante obra:

«Para que serve um livro, afinal?»
Um encontro, um reencontro, uma história repetida, com, ou sem fim à vista? Para que serve afinal um livro, esse pedaço de bom papel que faz falta às árvores, mas que contém tanta coisa dentro?
Uma pergunta que Jivago parecia procurar na sua vida, folheando o amor, a humanidade, páginas desfolhadas como se fossem pétalas de flor. Jivago, com essa minudência estranha que tinha de me transformar rapidamente em personagens épicas, era a minha vida; Lara,a minha busca; e a revolução, um esboço temporário, frágil, da dignidade perdida. (pp. 140/141)

Pois é amigos que leiam estas minhas páginas. Já confundo tudo: o tempo que aconteceu, com o tempo em que nada sucedeu. O tempo do silêncio, como se uma parede de espaço e tempo se tivesse elevado entre nós e fosse uma barreira cada vez mais densa, onde apenas coubessem alguns olhares indiscretos. (pp.153/154)



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