Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

11 de novembro de 2014

Excerto (5)


A pesada régua de castanho sobe e desce furiosa, o moço contorce-se e grita, tenta fugir com a mão e então recebe o resto do castigo no corpo, nas costas, no rabo, até na cabeça - Bem feito, que não paras quieto!, justificar-se-á o mestre, tudo isto debaixo dos meios sorrisos dos meninos prendados, que, no entanto, não ousam rir abertamente, receosos de represálias: - Lá fora, tu comes-as!
Para os Escabelados, pouco importa o motivo do castigo, pois todos os dias haverá outros, pode ser a falta de equipamento, que não têm botas, nem bata, nem livros e cadernos, apenas pedra, como chamamos ao rectângulo de ardósia onde escrevemos com o ponteiro a tabuada e fazemos as contas, apagando com cuspo e manga de camisa, pode também ser a ignorância: sempre que o mestre-escola precisar de exercitar mão ou régua bastará pedir-lhes que papagueiem a tabuada do nove ou as preposições simples ou os apeadeiros do ramal de Tomar...


5 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Claro que estas questões são retratos de um passado e equivalem a colaborar novas experiências em futuro promissor Cristina e, neste excepto (ruralidade) porque distâncias oferecem renovar atitudes.

Bartolomeu disse...

Uma excelente descrição de uma realidade, um passado ainda bastante presente na memória de muitos. Nunca frequentei escolas do interior e recordo-me claramente dos duros castigos, impostos por dois temíveis professor da escola em Lisboa, que frequentei. Imagino que castigos infligiriam hoje, os mesmos professores aos alunos, sendo que, muitos chegam à secundária sem saber ler, escrever e contar. Geografia e História, nem sabem o que seja.

Cristina Torrão disse...

Gosto destas descrições, pois acho que é bom não esquecer um passado, como o Bartolomeu diz, ainda bastante presente. No meu tempo, ainda era quase assim. Depois veio o 25 de Abril, eu andava na 3ª classe, e as coisas modificaram-se. Mas recordo a dificuldade de muitos professores em se adaptarem aos novos métodos.

JCC disse...

Recordo como se fosse hoje as sessões de tortura - não exagero - a que eram submetidas às criancas, especialmente as mais pobres. Também apanhei, mas nada que se comparasse, que era, no dizer desses coitados, o menino bonito da professora. E a raiva com que as professoras batiam! Na escola das raparigas às sevícias que a professora exercia, nomeadamente sobre a própria filha, raivosa por não ser a melhor aluna, são hoje inacreditáveis para quem a elas não assistiu. Nada me custava tanto como ver aquela miudita morena, franzina, por quem eu morria de amor platónico, agarrada pelos cabelos negros enquanto, com a outra mão, a mãe a zurzia impiedosamente debaixo dos gritos aflitivos da coitada. Constava que em nova era ainda pior. Dizia-se, por exemplo, que obrigava as meninas, joelhos nus, a permanecerem ajoelhadas sobre escova de lavar o chão, as cerdas duras como arame viradas para cima...

Cristina Torrão disse...

Zé, eu também era poupada por ser filha de uma colega da minha professora. A minha mãe dava aulas na mesma escola. No meu tempo, aliás, já não era tão mau, apesar de a diferença entre as nossas idades até nem ser tanta como isso. Ou a minha professora era mais mansinha. Apanhei uma vez uns "bolos" com a régua. A minha professora ficava-se pelos "bolos", berros, um tabefe de vez em quando e puxões de orelhas. A minha mãe conta coisas parecidas com as tuas, quando andava ela na escola, como o ajoelhar sobre a escova, ou areia, já não sei, e bater com a vara nas canelas das miúdas, no inverno, quando estava frio, até estas ficarem negras. É incrível o que se fazia às crianças, não conseguimos imaginar. E isso só acabou com o 25 de Abril. Os meus pais tiveram de frequentar cursos (o meu pai também era professor primário e não fugia à regra...) e lembro-me das dificuldades deles e de colegas seus em se adaptarem aos novos métodos.