Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de janeiro de 2014

Ataques de cães

A Ana Domingos publicou os resultados de um estudo divulgado pelo Journal of the American Veterinary Association, em que foram identificados os pontos em comum nos casos de ataques de cães que se revelaram mortais.

 - Em 87,1% dos casos não estava ninguém presente com força suficiente para conseguir impedir o ataque.
- Em 85,2% dos casos a vítima não tinha qualquer relação com o cão.
- Em 84,4% dos casos os animais não estavam esterilizados.
- Em 77,4% dos casos a vítima não tinha capacidade para interagir com o animal ou devido à idade ou à condição física.
- Em 76,2% dos casos os cães eram mantidos no "quintal" e não eram tratados como animais de companhia.
- Em 37,5% dos casos o dono não tratava correctamente o animal.
- Em 21,1% dos casos o dono abusava ou negligenciava o cão.

Em 80,5% dos ataques mortais estavam presentes 4 ou mais destes factores, sendo que a raça não era um deles.

Isto, no fundo, vem confirmar aquilo que já aqui tenho dito sobre as responsabilidades de quem adota um cão. E vem provar que a melhor maneira de evitar acidentes é integrar o cão na família.


28 de janeiro de 2014

O Relógio de Sol

Há um provérbio alemão que diz mais ou menos isto: «faz como o relógio de sol, conta apenas as horas iluminadas» (mach es wie die Sonnenuhr - zählt die heit'ren Stunden nur). À volta deste tema, Andrea Schwarz, colaboradora de um jornal católico, escreveu um pequeno texto muito interessante, a propósito do início do novo ano.

Que fazer então, pergunta ela,com as muitas horas escuras, que os próximos meses nos trarão? As horas cheias de solidão e tristeza, cheias de medo e preocupações, de infelicidade e doença? Não contam?

É verdade que tentamos esquecer horas destas o mais rapidamente possível, ou mesmo evitá-las. Mas fingir que elas não existem, não impede que elas surjam. Andrea Schwarz propõe procurar Deus na escuridão, porque é lá mesmo que ele se esconde. A ideia surgiu-lhe de um postal de Natal com a frase: «Cristo escolheu a escuridão para seu esconderijo» (Christus hat die Finsternis zu seinem Versteck gemacht). Este pensamento confortou-a, pois, mesmo que à primeira vista não O encontre, ela acredita que Deus está bem no meio da sua hora escura.

Enfim, esta é uma explicação plausível num jornal deste tipo. Na minha opinião, porém, podemos aproveitar algo dela, mesmo que não acreditemos em Deus. Em primeiro lugar, é verdade que de nada adianta tentar ignorar as dificuldades ou o sofrimento. A ideia de que não aguentamos é falsa, normalmente, foi-nos, de uma maneira ou de outra, transmitida na infância. O melhor caminho de minorarmos o sofrimento é, de facto, deixá-lo vir, deixá-lo tomar conta de nós e expressá-lo, seja a chorar, a gritar, ou a dar murros numa almofada. Para os problemas que afetam os portugueses, nesta altura, preparar cartazes a insultar o governo, participar numa manifestação e gritar contras as injustiças é também uma boa forma de terapia. Pode não resolver os problemas, mas alivia. Além de descarregarmos a frustração e a revolta, vemos que não estamos sozinhos, que há milhares de pessoas tão ou mais revoltadas do que nós.

Recordemos a nossa adolescência! Como agíamos perante um desgosto amoroso? Fechávamo-nos no nosso quarto, púnhamos música triste no gira-discos e carpíamos a nossa miséria, às vezes, horas a fio. Auto-comiseração? Não há problema, desde que não se torne num hábito. E sentíamo-nos mais aliviados, no fim.

Ninguém deve ter vergonha de chorar, de dizer que está a sofrer. É importante descarregar essa energia negativa, porque só assim encontraremos a positiva que cada um de nós guarda no seu interior (e à qual alguns de nós chamam Deus).

27 de janeiro de 2014

Um outro ponto de vista

Nasci no concelho de Armamar em 1943. Em 1957, já na cidade do Porto, aguardava completar 14 anos de idade para poder frequentar o ensino nocturno, enquanto trabalhava de dia.
Depois de estar já a estudar, o que mais me entristecia, enquanto trabalhava, era presenciar o cortejo alegórico estudantil prenhe de alunos muito alegres, enquanto eu, já muito cansado, ia a pé, chovesse ou não, para as aulas nocturnas, pois só estudei de dia até à quarta classe.
À noitinha, depois de sair do trabalho às 19 horas, só jantava lá para depois das 22 ou 23 horas, após sair das aulas.
Aos poucos fui constatando que tais afortunados, que iam todos os anos nesses cortejos, só ‘desciam à rua’, junto ao povo, nessas alturas.
Depois, para os vermos, teríamos de pagar a consulta.


Texto de José Amaral, que pode ser lido na íntegra aqui.


25 de janeiro de 2014

Viver sem perigo

Um homem de trinta e oito anos, parece que dentista, telefona pelas sete da manhã para a polícia. Diz que matou os dois filhos.
Os agentes encaminham-se para a casa da família e dão com um rapaz de seis anos e uma menina de quatro de goela cortada.
O pai confirma a autoria dos crimes.
A sua mulher, de trinta anos, mãe das crianças, também está em casa. É-lhe facultado apoio psicológico.

Aconteceu ontem (sexta-feira), perto de Lübeck, norte da Alemanha, no interior de uma vivenda grande e cuidada, num sossegado bairro habitacional da classe média/alta.


E se o perigo não é uma "fera canina", mas o próprio pai?

23 de janeiro de 2014

A Praxe e a Bosta



Com este absurdo da praia do Meco, lembrei-me de uma outra ocorrência relacionada com a tão propalada praxe, que não teve o mesmo desfecho trágico, mas que, devido à sua estupidez (não encontro outra palavra), me deixou estupefacta. Aliás, Pedro Correia já se referiu ao assunto no Delito de Opinião.

Na verdade, eu nada mais lembrava do que um artigo na revista Visão, que assinava, antes de ter internet, para me pôr a par do que se passava nesse nosso jardim que, pelos vistos, nem é tão florido quanto julgamos. Decorria o ano de 2002, quando uma caloira da Escola Superior Agrária de Santarém foi esfregada com bosta de porco e, como se isto não bastasse, ainda lhe meteram a cabeça num bacio cheio de fezes.

A estudante resolveu escrever uma carta ao ministro que tutelava o ensino superior e acionou judicialmente os responsáveis pela sua humilhação. Caiu o Carmo e a Trindade! Nesse artigo da Visão, que me ficou na memória, tal indignação e revolta me causou, os defensores da praxe da dita Escola Superior fartaram-se de caluniar a estudante, que era uma «queixinhas», uma débil do ponto de vista psicológico, que não entendia o espírito da praxe e que, pelos vistos, não possuía arcaboiço para enfrentar o curso que se propunha tirar.

Ora, a moça pretendia ser veterinária. E, segundo um professor da dita Escola Superior (poderia até ter sido o diretor, já não me recordo), aquilo tinha sido um procedimento totalmente inofensivo. Um candidato a veterinário tinha de se habituar a levar com bosta na cara! Como justificação, dava a conhecer que, muitas vezes, examinando uma vaca que estivesse prenha, o animal não se escusava a mandar um jato do respetivo material na cara do doutor.

Acho incrível que um professor daquele nível de ensino não soubesse distinguir o que estava em causa. Claro que os veterinários, ou os médicos em geral, têm de ter estômago. Por isso mesmo, eu era incapaz de exercer qualquer desses ofícios. Mas há uma grande diferença entre um acidente do tipo descrito com a vaca e uma humilhação em praça pública, propositada, sem qualquer respeito pela dignidade do caloiro, que, caso os “doutores” ainda não tenham percebido, é um ser humano, tal como eles.

Com o assunto na ordem do dia, tem-se lido muito sobre ele, inclusive, de defensores da praxe, mais razoáveis, que prescindem de métodos drásticos. Até acredito que haja gente que pratique essa tradição com mais responsabilidade. Mas não há dúvida de que se vai/foi longe demais. Se está fora de questão abolir a praxe (que eu nunca apreciei nem pratiquei, nem sequer tive traje de estudante), então que se legisle sobre o assunto, proibindo práticas que possam atentar contra a dignidade humana, ou representar perigo de vida! Chega de entender a praxe como uma coisa só de estudantes universitários, deixando-os atuar a seu bel-prazer! E outra coisa, muito importante: ninguém deveria ser praxado contra a sua vontade!

A propósito do livro Os Últimos Presos do Estado Novo, da jornalista Joana Pereira Bastos, eu perguntava: quantos de nós estariam dispostos a cometer atrocidades, se tais atos fossem aceites e legitimados pela lei? Pois é isso mesmo que se passa com as praxes. Uma coisa aceite, na qual ninguém se mete, isso é lá com os estudantes, futuros doutores, etc. No fundo, não estará em causa estes atos serem cometidos por jovens inconscientes. O cerne da questão é que muitos de nós, ao abrigo de uma qualquer tradição aceite, são capazes das atitudes mais absurdas, hediondas e perigosas.

A caloira de 2002 conseguiu que lhe dessem razão em tribunal, embora as penas para os prevaricadores fossem irrisórias, o processo tivesse demorado uns incríveis seis anos a ser resolvido e ela ter sido forçada a mudar de estabelecimento de ensino. Mas, pelo menos, sobreviveu e espero que tenha alcançado os seus objetivos. As vítimas da praia do Meco, infelizmente, não tiveram essa sorte.


21 de janeiro de 2014

Vantagens e Desvantagens de um "eReader"


Já muito se escreveu sobre este tema, mas eu prometo não falar de lugares-comuns, como o eReader ser levezinho, caber lá uma quantidade de romances, proporcionar a leitura de clássicos que se descarregam gratuitamente na internet, mas ter o defeito de não cheirar a papel, etc., etc.

Como escritora, descobri uma nova utilidade: ler os meus originais em forma de livro. Através de um programa arranjado pela minha cara-metade, converto documentos do Word em EPUB (o formato que melhor se dá no meu Sony), o que me proporciona uma leitura diferente dos meus textos. O facto de o original surgir em forma de livro, permite-me mais distanciamento e objetividade. As imprecisões, os erros, ou as frases e passagens mais infelizes, ou mesmo obsoletas, saltam à vista. A melhor maneira de conseguir esse efeito costuma ser imprimir o texto, mas esta alternativa funciona melhor comigo. O eReader pode ser, portanto, uma boa ferramenta de trabalho para um escritor.

Mas, e para tirar notas, do tipo apagar esta frase, substituir esta palavra por outra, etc.? Não é mais fácil fazê-lo em páginas imprimidas? Não. Aprendi a programar notas e a marcar palavras e frases no meu Sony, permitindo-me fazer a revisão dos textos nos locais mais variados, o que também não é de subestimar. Ler um texto nosso num local inabitual ajuda-nos igualmente a ganhar distância.

Agora, uma desvantagem: eu não sabia, mas a quantidade de notas a gravar num eReader é limitada. Estava eu entretida a fazer a revisão do meu novo romance histórico, que será publicado em junho pela Poética, quando me surgiu a indicação: «atingiu o limite de notas, se quiser continuar, terá de apagar outras». Pois, com páginas imprimidas, isto não acontece. Foi aborrecido, porque tinha reservado tempo e fui forçada adiar a revisão. Havia que transferir as correções anotadas para o Word, a fim de poder apagar notas.

Não esquecer a desvantagem "lugar-comum": a bateria do eReader tem de ser recarregada, o que pode apanhar de surpresa os mais desprevenidos!

No conjunto, porém, estou encantada com esta função de "revisor" que arranjei para o meu Sony, que é de fácil transporte e me poupa dinheiro em papel e tinta para a impressora.


18 de janeiro de 2014

Moeda de ouro portuguesa do século XVI encontrada em Stade, Alemanha


Este achado, que os peritos calcularam ter cerca de 450 anos, é descrito como um dos mais espetaculares dos últimos tempos, na cidade alemã de Stade.

Com os seus 45 000 habitantes, Stade é, no cenário alemão, uma cidade pequena, ensombrada pela grandeza de Hamburgo, a cerca de 50 km de distância. Quando foi criada, no século X, porém, Hamburgo ainda não existia e Stade foi, durante toda a época medieval, bem mais importante do que aquela onde, hoje, se situa um dos maiores portos do mundo.

Situada nas margens do rio Schwinge, muito próximo do local onde este desagua no Elba, Stade foi uma cidade hanseática, o que se traduzia numa grande atividade mercantil com as zonas do Mar do Norte e do Mar Báltico. Por isso, a importância deste achado: os arqueólogos surpreenderam-se ao constatar que as ligações comerciais de Stade se estendiam até Portugal! E penso que será de interesse também para o nosso país.


Desde o Outono que se verifica grande atividade arqueológica, na cidade-natal do meu marido e onde vivemos há quase quinze anos (antes disso, vivíamos em Hamburgo). Uma ponte situada no centro histórico necessitou de reparações. Procedeu-se à secagem do rio Schwinge nesse local, onde se situava o porto, o que não foi difícil, pois com o tempo e o crescimento da cidade, o rio tornou-se muito estreito e raso. Basta um paredão de sacos de areia para evitar que a zona torne a alagar.


Todos sabemos que a lama e o lodo existente no fundo do leito dos rios são excelentes meios de conservação. Por isso, os arqueólogos esfregaram as mãos de contentamento. As obras de reparação da ponte foram adiadas até terem explorado todo aquele local. Os trabalhos têm sido tão frutíferos (cerca de 300 000 achados, até agora!) e ainda há tanta lama e lodo para analisar, que as obras foram de novo adiadas por mais seis meses. Assim é que é, a cultura à frente!


A importância da moeda de ouro portuguesa é indiscutível, mas os arqueólogos exultam com qualquer tipo de objeto, como uma simples colher, que tanto pode dizer sobre o modo de vida de outros tempos.


Muito dos achados serão expostos num dos museus da cidade, ali mesmo perto daquela zona. E eu hei de ir lá ver a moeda portuguesa!


14 de janeiro de 2014

Almost too beautiful to be real

Chama-se Kevin Richardson, é sul-africano, fotógrafo, estudioso da vida animal africana e tem uma relação muito especial com os leões. Sai no seu jipe, cheio de máquinas fotográficas e acompanhado da sua equipa. Faz com que parem o veículo o mais perto possível dos animais. Mas depois sai sozinho, faz questão que nenhum membro da sua equipa corra riscos desnecessários. Em seguida...

Chama pelos leões. Eles vêm direitos a ele, cheios de balanço. Quem não conheça a cena, pensa: aquele maluco está prestes a ser papado. Mas eis que homem e animal se envolvem naquele abraço!


Como diz o artigo original: It’s almost too beautiful to be real.


E eu cá digo: este "leão" mete qualquer toureiro num chinelo!

Via FB de Ana Cristina Leonardo


12 de janeiro de 2014

O Fotógrafo da Madeira


Foi este o livro que li, nas minhas mini-férias em Föhr, o tal romance sobre uma ilha, da autoria de António Breda Carvalho, lido numa ilha. Como o título indica, fala-nos de um fotógrafo, mas numa altura em que um fotógrafo constituía novidade e em que uma fotografia demorava cerca de quinze minutos a ser tirada com um calótipo.

Em meados do século XIX, Afonso Elias Ayres de Drumond, um advogado de Paris apaixonado por fotografia, regressa à sua Madeira natal, depois de vinte anos de ausência, a fim de tomar conta da quinta da família e de exercer funções como cônsul de França.Vai-se apercebendo das dificuldades dos madeirenses, da sua pobreza e de como os recursos da ilha estão mal aproveitados.

Como cônsul, trava conhecimento com os membros do governo regional e a elite da ilha e tenciona aproveitar a sua posição para tentar mudanças, até porque a população local emigra em massa, o que suscita uma interessante observação do autor: «os madeirenses esvaziavam a ilha fugindo da miséria e os turistas enchiam-na em busca de divertimento e saúde».

O seu intrometimento nos assuntos locais é, porém, muito mal recebido. António Breda Carvalho explora muito bem a mesquinhês, a ignorância e o fundamentalismo de autoridades acomodadas nas suas poltronas, tudo se passando debaixo da capa de cenário paradisíaco. Afonso Elias chega a afirmar: «Esta ilha é exteriormente bela e sorridente, mas moralmente desolada e fria».

A situação atinge contornos absurdos com uma total intolerância religiosa em relação a um pastor presbiteriano escocês, Robert Reid Kalley. As numerosas adesões à Igreja Presbitariana desestabilizam séculos de hegemonia católica e gere-se um clima de autêntica guerra civil, que culmina em muitas mortes e na expulsão de quase dois milhares de madeirenses.

Foi, para mim, muito interessante ler sobre este momento da história da Madeira, que desconhecia completamente. O livro lê-se bem, a escrita de António Breda Carvalho é fluida e clara, com uma certa atmosfera queirosiana aqui e ali. E, apesar de a ação se passar no século XIX, o tema é atual, basta pensar nas características dos nossos políticos e na emigração em massa que se verifica no nosso país.

Nota: este romance, publicado pela Oficina do Livro em 2012, foi o vencedor do Prémio Literário João Gaspar Simões, em 2010.


10 de janeiro de 2014

Sem Internet



Na minha estadia na ilha Föhr, de 28 de dezembro a 2 de janeiro, prescindi completamente da internet. Não me custou tanto como pensava. Li ainda mais do que costumo e vi um pouco mais televisão. Além disso, e apesar do frio, com um vento difícil de suportar, havia uma ilha para descobrir, pelo que passeámos bastante.

Não posso, por isso, dizer que o prescindir da internet tenha contribuído para conviver e comunicar mais com outras pessoas (bem, é verdade que estava num local onde não conhecia ninguém). Sinceramente, até me parece mais produtivo e ativar mais o cérebro ler e escrever posts e comentários, em frente do computador, do que estar sentado, em frente da televisão. A internet não me parece ser o bicho-papão, que serve para viciar e emburrar as pessoas, como é hábito dizer. Vícios, sempre os houve, desde os tempos mais remotos, e alguns são bem mais prejudiciais. Na minha opinião, é apenas uma maneira de passar o tempo, como outra qualquer. E para tudo há que encontrar um equilíbrio.

Sobre o que li, nestas férias, também aqui hei de escrever, mas posso já dizer que foi um livro que me deixou muito interessada. E teve a curiosidade de ser um romance passado numa ilha, lido numa ilha.


Passeios à beira-mar? Sim. Mas só muito bem empacotados ;-)





8 de janeiro de 2014

Harmonia



Uma das boas surpresas, na nossa viagem a Föhr, uma ilha no Mar do Norte, perto da fronteira entre a Alemanha e a Dinamarca, aconteceu logo no ferry-boat. Constatámos que não éramos os únicos a querer poupar o nosso animal de estimação ao stress da orgia pirotécnica de fim de ano. O ferry estava cheio de pessoas com os seus cães.

O tempo estava agreste. Apesar das temperaturas positivas (entre os 5 e os 8 graus) soprava um vento fortíssimo e gélido, que metia qualquer nortada portuguesa num bolso. Além disso, iniciámos a travessia pelas 16h 30m, ou seja, já escurecera. Não eram condições convidativas a uma permanência ao ar livre. Nos carros, também não era confortável, com os motores desligados, logo arrefeciam. Por isso, os passageiros encaminharam-se para o bar-restaurante do ferry, que, além de ser abrigado do vento, estava aquecido, claro.

Levámos a nossa Lucy connosco, não a queríamos deixar sozinha no carro frio. E foi quando deparei com algo que, admito, me comoveu: toda a gente assim agiu! Fossem pessoas sozinhas, ou famílias completas, com crianças de todas as idades (desde bebés a adolescentes), todos levavam os seus cães pela trela.

Centenas de pessoas sentaram-se no confortável bar-restaurante, iniciaram-se conversas com vizinhos de mesa que não conhecíamos. E os cães ao lado. Cães bonitos, bem tratados, sem qualquer tipo de cheiro, de pelo a luzir e olhos meigos, brilhantes, felizes. Alguns aproveitavam para igualmente travar conhecimento com os seus semelhantes, outros deitavam-se no chão, muito pachorrentos. Se se revelavam inquietos, com algum balançar do ferry, logo uma mão humana, fosse de adulto ou de criança, se apressava a afagá-los. Porque a mão daqueles em quem o cão confia funciona como um calmante.

Cães pacíficos, sociabilizados. Não lhes fazia qualquer tipo de impressão encontrarem-se num espaço fechado, junto com uma multidão de desconhecidos e outros cães. Sabiam perfeitamente como se deviam comportar. Alguns donos até largaram a trela, depois de os cães se terem deitado, ao lado ou por baixo das suas cadeiras. Senti-me muito bem, naquela harmonia entre humanos e caninos. É difícil exprimir em palavras a paz que se sente, num situação dessas. Muita gente se escandaliza, quando se fala em considerar cães e gatos como membros da família. Mas só assim se consegue a integração perfeita, capaz de gerar momentos como aquele.

A nossa Lucy também não nos deixou mal e logo estabeleceu amizade com a cadela da senhora com quem conversámos ;-)

Não tenho fotografias da travessia, mas bastantes dessas férias e hei de publicar aqui algumas.


6 de janeiro de 2014

Os alemães e os foguetes


Os alemães são vistos como um povo ordeiro e disciplinado, mas não há regra sem exceção. O exemplo mais flagrante é o de Mallorca, local de férias para milhões de alemães. A própria comunidade alemã, nesta ilha espanhola, é enorme e organizam-se festas e orgias, em que se embebedam até à inconsciência. Outra exceção é a noite de Ano Novo, em que o alemão mais pacato se transforma num verdadeiro piromaníaco!

Enfim, sejamos coerentes: um bom fogo de artifício pertence a um reveillon que se preze. Mas o que se passa na Alemanha, nessa noite, supera todas as expectativas. Gastam-se cerca de cento e cinquenta milhões de euros (repito: cento e cinquenta milhões!) em foguetes, rojões e quejandos. Note-se que o lançamento de fogo de artifício não se encontra nas mãos das autarquias ou de empresas que organizam reveillons. Qualquer cidadão é autorizado a adquirir material pirotécnico, em qualquer supermercado.

Estabelece-se um dia para o início da venda, este ano foi no sábado, 28 de dezembro. Não será necessário dizer que a maior parte das pessoas se sentem incapazes de esperar pela meia-noite do dia 31. Durante três ou quatro dias, as explosões, os petardos e o assobio dos foguetes passam a fazer parte do quotidiano e sair à rua pode tornar-se num sobressalto. Os estrondos vão aumentando de intensidade, até culminarem numa verdadeira orgia, na noite de passagem de ano. E, a 1 de janeiro, as ruas das cidades e das localidades alemãs têm o aspeto da imagem seguinte:




Enfim, cada um tem o direito de se divertir como quiser. Mas toda esta euforia tem o seu preço. E não estou apenas a falar dos milhões de euros que chegariam para deixar os reformados e pensionistas portugueses em paz. Verificam-se sempre acidentes e incêndios, por vezes, até mortes. Por isso, muita gente é contra este hábito e há proibições, como não se poder usar o fogo de artifício em certos locais. Mas não são respeitadas. Além de não haver pessoal suficiente na Polícia para vigiar todas as infrações, nesta noite, há muita tolerância (a tal conversa das tradições).

Embora o meu marido e eu nos recusemos a gastar um cêntimo que seja neste tipo de material, o barulho não nos incomoda. O mesmo já não se pode dizer da nossa cadela. Cães e gatos, em geral, entram em verdadeiro stress, que vai do ligeiro medo ao pânico total. Também outros animais, inclusive nos zoos, têm problemas. Li, por exemplo, sobre espécies de pássaros tropicais, no zoo de Hamburgo, que são metidos em salas à prova de som, pois entram num pânico tal, que chegam a morrer de ataque cardíaco. Para outros, acendem-se todas as luzes e holofotes do zoo, a fim de que não se assustem com os clarões dos foguetes.

No início, a Lucy ficava mais ou menos calma, mas tem vindo a piorar com a idade. E nós assustamo-nos, quando a vemos a tremer e a arfar horas e horas seguidas, sem comer, nem sequer fazer as necessidades (passa um dia inteiro assim). Como completou dez anos no Outono (o que, para um cão, já começa a ser uma idade respeitável), resolvemos, este ano, poupá-la ao stress. Foi essa a razão que nos levou à ilha Föhr, já que se dizia que nas ilhas do Mar do Norte há apenas uma sessão de fogo de artifício, oficial, na maior localidade, à meia-noite.

Constatámos que não é bem assim. Mas foi, de qualquer maneira, muito mais sossegado do que no continente. Conto mais pormenores num próximo post.


4 de janeiro de 2014

História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (6)



A Igreja dispunha assim de capacidade para intervir no fazer ou desfazer de alianças estabelecidas por via do casamento, tendo uma palavra decisiva na prossecução das estratégias familiares da nobreza. E se é verdade que podia anular matrimónios sobre os quais recaíssem impedimentos de parentesco ou outros (a loucura de um dos cônjuges, por exemplo), também não é menos verdade que o papa possuía a faculdade de conceder dispensas àqueles cujo parentesco, à partida, os impedisse de casar.

A doutrina canónica e a acção dos clérigos entraram muitas vezes em choque com as tradições e as práticas da nobreza, para a qual o casamento era essencialmente uma forma de constituir ou de reforçar  alianças entre linhagens, de modo a garantir a perpetuação destas e a transmissão do respectivo património, material e simbólico. Para os nobres, a dissolução do casamento e o repúdio da mulher casada poderiam ter lugar se a relação conjugal não gerava herdeiros ou se se perfilava uma mais promissora aliança por via de um novo casamento.

A família - estruturas de parentesco e casamento, Bernardo Vasconcelos e Sousa e José Augusto de Sotto Mayor Pizarro, pág. 130


2 de janeiro de 2014

A Censura À Imprensa (1820 - 1974)


Trata-se de uma importante obra, pertencente à Colecção Symbolon, da Imprensa Nacional Casa da Moeda (editada em 1993). Chamo, porém, a atenção de que, como não-ficção, não é uma leitura empolgante, a não ser para quem se interesse pelo assunto, ou queira contribuir para a sua cultura geral.

Apesar de todos sabermos o que é a Censura, descobrem-se sempre novos aspetos, como a sua justificação, por parte do Governo. Estabelecida a República, em 1910, por exemplo, a Censura justificou-se, por um lado, pela anarquia gerada por uma grande indefinição e, por outro, pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Mas esta Censura era, por assim dizer, mais honesta do que a que se instituiu posteriormente, já que os jornais apresentavam espaços em branco, no lugar dos artigos censurados. Ou seja, a Censura era admitida, não se fazia de conta...

No tempo de Salazar, além de se acabarem com os espaços em branco, a justificação da Censura atingiu tons moralistas. Além de certos assuntos políticos, havia outros que eram tabú, como os suicídios ou a criminalidade juvenil. E assim se criava a imagem do país pobre, mas honrado, o país dos «brandos costumes». Com a Constituição de 1933, entrava em vigor a lei especial que regulava a «liberdade de expressão» e cujo fim seria «impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e que deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade», artigo 3º, Decreto-Lei nº 22 469.

Ora, como todos sabemos, o regime teve de usar de meios muito repressivos para segurar esta máquina, já que Salazar lidou, durante toda a sua regência, com uma forte oposição (que, claro, não era conhecida da opinião pública).

Interessante também como a Censura origina a «autocensura», ou seja, as chefias dos jornais, conscientes dos assuntos que passavam, ou não, no exame dos censores, procediam a uma seleção das notícias, antes de estas serem enviadas à Comissão de Censura, evitando a hipótese de que algo ficasse retido, atrasando a edição do jornal.

Por último, a técnica de Marcello Caetano, que, prometendo respeitar a a liberdade de expressão, acabou com a Comissão de Censura, mas instituiu a de Exame Prévio, que em nada diferia da anterior. Como justificação para o controlo, invocava «as meias verdades, as meias frases, os factos distorcidos, tudo isso compõe um tecido de mentiras que perverte a opinião». Mas, como Graça Franco, a autora deste livro, salienta, era a própria instituição que impunha «as meias verdades e as meias frases», pervertendo o sentido do texto do jornalista, ao mesmo tempo que se ignoravam «protestos e figuras, actividades e doutrinas».

Um destaque ainda para as fotocópias de «Provas de Censura» que ilustram este livro.