Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de maio de 2015

Do cliché: pessoas que gostam de animais não gostam de pessoas




No início de abril, o ARD (1º canal alemão) mostrou um filme sobre o Professor Bernhard Grzimek, pioneiro na defesa dos animais e na preservação do meio-ambiente, na Alemanha do pós-guerra. Com o seu documentário Serengeti Shall Not Die, Bernhard Grzimek ganhou, em 1960, o Óscar para o melhor documentário de longa-metragem. Relata os inícios do Parque Nacional Serengeti (no Ngorongoro), na Tanzânia, e contém imagens lindíssimas, captadas pelo Professor e o seu filho, Michael Grzimek, a partir do seu pequeno avião, pintado como uma zebra.


O acontecimento teve uma nota trágica: o filho Michael não esteve presente na cerimónia dos Óscares, pois morreu, no final das filmagens, num desastre com esse mesmo avião, numa altura em que, por acaso, voava sozinho.
 
O Professor Bernhard Grzimek foi uma celebridade na Alemanha, pois, além de ter realizado o famoso documentário, foi o coordenador de uma completíssima enciclopédia da vida animal, em 13 volumes, sendo inúmeras entradasde sua autoria. Teve, igualmente, durante décadas, um programa televisivo em defesa dos animais. Aparecia, quase sempre, acompanhado por um animal, que podia ser feroz, como um tigre. Grzimek era também Diretor do Jardim Zoológico de Frankfurt, lugar que ocupou logo a seguir à guerra, quando o zoo estava destruído e quase todos os animais mortos (restavam vinte). Os correios alemães homenagearam-no e ao seu programa televisivo num selo, nos 20 anos da sua morte.



O filme que o ARD mostrou, tentou dar a imagem de um homem empenhado na defesa dos animais, mas com imensas dificuldades em lidar com as pessoas, nomeadamente, os seus familiares: nunca conseguiu ser fiel à primeira mulher e o seu filho negro adotivo queixava-se da falta de tempo do pai, acabando por se suicidar, ainda jovem, preso por tráfico de droga. Além disso, Grzimek enfrentou grande desaprovação social, ao ter-se separado de sua mulher para casar com… a nora viúva!

Os humanos que se dedicam aos animais têm dificuldades em fazê-lo com os seus semelhantes? Ou o filme que o ARD mostrou foi realizado a fim de servir esse cliché?

Eu inclino-me para a segunda hipótese. O Professor Grzimek era um homem célebre, muito solicitado, cheio de compromissos e projetos, e todos sabemos que pessoas assim têm frequentemente problemas familiares. Além disso, passou grandes temporadas em África, sempre empenhado na preservação do Parque Nacional tanzaniano. E nem todas as suas relações pessoais falharam. Entendia-se lindamente com o seu filho Michael, também apaixonado pela vida animal. Curiosamente, foi com a viúva deste que cimentou uma relação duradoura, até à sua morte, em 1987. Claro que é raro um homem casar com a nora viúva. Mas acontece. E não será apenas com pessoas que se dedicam aos animais… 

Cito uma frase que encontrei na Wikipedia e que confirma o seu bom carácter: during World War II he was a veterinarian in the Wehrmacht and worked for the Food Ministry of the 3rd Empire in Berlin. In early 1945, the Gestapo raided Grzimek's Berlin apartment, because he had repeatedly supplied food to hidden Jews.

Bernhard Grzimek encontra-se sepultado no alto de uma falésia, com vista para a Cratera de Ngorongoro, ao lado do filho Michael. 


O trailer de Serengeti Shall Not Die



3 comentários:

Olinda Melo disse...


Excelente post, Cristina. Naturalmente que será um cliché. Conheço pessoas que se dedicam aos animais e que são fantásticas nas relações humanas.É sempre perigoso generalizar.

Bj

Olinda

Vespinha disse...

Eu gosto de animais e gosto de pessoas. Mas gosto mais de alguns animais do que de algumas pessoas.

Cristina Torrão disse...

Já somos duas, Vespinha :)