Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de outubro de 2015

A face oculta dos génios


Pensa-se sempre numa campanha de difamação, quando uma personalidade é acusada de pedofilia, como no caso de Woody Allen. Recusamo-nos a acreditar que um génio do cinema seja capaz de atitudes sórdidas. Por outro lado, partindo do princípio de que as acusações têm razão de ser, pensemos no sofrimento e na revolta de alguém que, em criança, terá sido abusada e constata, mais tarde, que ninguém acredita nele/nela, enquanto o abusador é celebrado como uma estrela em todo o mundo, entenda-se: um ser humano acima de qualquer suspeita!

No caso de Woody Allen não sabemos quem mente, mas eu confesso que criei uma espécie de repulsa em relação à sua figura, apesar de muito o apreciar (ou ter apreciado) como ator e realizador. E mais pensativa fico, ao tomar conhecimento do caso de Klaus Kinski, o conhecido ator alemão (por acaso, nascido na Polónia), falecido em 1991.

Klaus Kinski
Em 2013, Pola Kinski, a sua filha mais velha, entretanto com sessenta anos, não mais conseguiu calar o tormento por que passou e publicou um livro, Kindermund, revelando que o pai tinha abusado sexualmente dela, entre os cinco e os dezanove anos.

Pola é filha do primeiro casamento de Klaus Kinski e, por isso, meia-irmã da mais conhecida Nastassja Kinski. Os pais separaram-se quando ela tinha três anos. Ficou com a mãe, que casou novamente e, depois de nascer um irmão, a pequena Pola sentia-se preterida. Quando o pai Klaus começou a levá-la para sua casa, abusando dela, a menina oscilava entre a felicidade, por o progenitor lhe dar algo que lhe parecia carinho, e o asco, por aquilo que ele verdadeiramente fazia com ela.

A situação manteve-se durante catorze anos. Klaus Kinski rodeava-a de luxos, comprava tudo o que ela queria, mas, ao mesmo tempo, ameaçava-a, para que ela não contasse a ninguém o que se passava entre os dois.

Pola Kinski com o pai, em 1979

Com dezanove anos, à beira do colapso psicológico (a ponderar suicidar-se), Pola conseguiu pôr termo àquela relação que a destruía por dentro. Quando casou, deixou a sua vida de atriz, a fim de cuidar da família (tem três filhos). À morte do pai, em 1991, teve vontade de revelar o seu suplício, mas na altura frequentava uma psicóloga que a desaconselhou a fazê-lo. Klaus Kinski era um ator muito conceituado, apesar de se conhecer o seu feitio difícil, dado a ataques de fúria. Havia até quem o apelidasse de psicopata. Mas participou em inúmeros filmes e o seu prestígio transformou-se num verdadeiro culto à sua figura, depois da sua morte, pelo menos, na Alemanha.

Pola Kinski, na juventude
Em 2013, Pola não aguentou mais e revelou a verdade. Há quem diga que seria desnecessário denegrir a imagem do pai, vinte e dois anos depois de ele ter falecido. Eu acho que ela fez bem! O abuso sexual de crianças é um crime imperdoável, que marca as pessoas para sempre. E porque deveria haver cuidado com a memória de um pai que foi capaz de cometer um crime hediondo e não há de haver preocupação com a vida de uma filha, cujo bem-estar depende do gritar da injustiça que lhe foi feita?

Pola Kinski, hoje, com sessenta e poucos anos
 
Nota: não li o livro, mas vi um documentário televisivo em que Pola Kinski conta a sua história.

 

2 comentários:

Bartolomeu disse...

Qualquer acto de pedofilia, representa uma chaga de que padece a sociedade.
A mim, confrangem-me sobremaneira, os actos praticados entre pais e filhos, e entre educadores ou zeladores e as crianças que por carências de vária ordem permanecem em instituições religiosas ou de acolhimento e educação/formação.
O pedofilo, na minha conceção, é sempre alguém que, não deixando de ser humano, não possui condições para fazer parte livremente, da sociedade. Às crianças, a sociedade tem obrigatóriamente de providenciar todo o conforto e proteção e impedir que ao menor sinal de abuso, essa proteção seja reforçada e o abusador afastado. Não é possível descurar ou facilitar situações de abuso, colocando em causa ou duvidando das denuncias ou dos sinais transmitidos pelos menores.

Cristina Torrão disse...

Pode dar-se o caso de o menor estar a mentir, mas deve-se, mesmo assim, levar a sério, enquanto se investiga se as suas acusações têm razão de ser. Porque, se têm mesmo, e a criança ficar com a impressão de que não acreditamos nela, os estragos podem ser irreparáveis. Quando é verdade, a criança só chega ao ponto de confiar em alguém, depois de sofrer muito e lutando consigo mesma. São situações muito complicadas...