Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

12 de novembro de 2015

Perguntem a Sarah Gross




Um romance bem escrito, muito cinematográfico (como se diz na contracapa) e com cenas muito intensas, que nos ficam na memória. Apesar de tratarem de um tema já muito lido e/ou visto (o holocausto), continuam a surpreender-nos e a chocar-nos. Apetece ler o último terço do livro de um fôlego, o suspense está muito bem construído e doseado. E não se pode falar desta obra sem referir a excelente pesquisa levada a cabo pelo autor (que aliás teve ajudas preciosas, na minha opinião, fora do alcance do cidadão comum).

No entanto, vejo-me tentada a apontar-lhe algumas fraquezas. O problema é que se assemelha, de certo modo, ao meu estilo de escrita, embora eu esteja longe de ser finalista do Prémio LeYa. Modéstia à parte, costumo receber elogios deste tipo: escrita cinematográfica, bons diálogos. É certo que não inovo do ponto de vista estilístico, mas João Pinto Coelho também não o faz. E, num caso destes, uma pessoa põe-se a comparar, a procurar outras soluções para certos momentos do enredo e, pronto, não resiste à tentação de explanar a sua opinião completa.

Para começar, pergunto-me se era necessário o romance ser tão longo. Como disse, a parte que realmente nos impressiona e apaixona surge nas últimas 150 páginas. O resto é, sem dúvida, interessante, mas está longe de ser surpreendente ou arrebatador. Pergunto-me mesmo se a história de Kimberley Parker seria necessária, sobretudo, porque criou em mim expectativas que se esfumaram, como um rastro de pólvora que se incendeia e que, no fim, em vez de explodir, se apaga. O romance começa com ela, trata dos mistérios, dos planos e dos receios de Kimberley Parker. Mas, no fim, é só e apenas o romance de Sarah Gross!

Também acho que a amizade entre Kimberley Parker e Sarah Gross carece de estrutura. A figura de Sarah impressiona Kimberley desde o primeiro momento, mas as duas mantêm-se distantes. Kimberley encontra mesmo outra companhia, com quem estabelece uma amizade aparentemente mais intensa. E, de repente, é a Sarah que ela conta os segredos mais íntimos da sua vida!

Também não aprecio a técnica dos diálogos longos (de várias páginas) para comunicar partes importantes do enredo, pois normalmente cenas desse tipo não são credíveis. Ressalvo, no entanto, o facto de os diálogos desta obra estarem muito enquadrados e estruturados, aumentando a sua verosimilhança.

Por último, não posso deixar de elogiar o/a funcionário/a da LeYa que selecionou este romance para finalista. Na minha opinião, essa pessoa teria forçosamente de chegar à parte do enredo verdadeiramente surpreendente, ou seja, leu, pelo menos, 200 páginas de um original pouco literário. Sei que vão a concurso entre 300 a 400 originais todo os anos (já chegaram quase aos 500) e sempre pensei que os selecionadores se limitassem a ler vinte ou trinta páginas de cada um, mesmo assim, duvidando que consigam dar uma vista de olhos a todos. Neste caso, há um desempenho a admirar!


6 comentários:

Ana P. P. Ribeiro disse...

Ops!
Parece que fiz bem em não o adquirir, não gosto, nem nunca gostei de best sellers...
No que concerna à Cristina, tenho em casa uma obra sua "A Cruz de Esmeraldas" que ainda não li, porém, o meu marido é fâ de romances históricos e gostou bastante. Eu só opino quando leio uma obra.

Unknown disse...

Best seller? Desconheço. Só ouvi falar deste livro porque teve 5 estrelas no Público e no Expresso, o que não sei se aconteceu mesmo com qualquer dos vencedores do prémio Leya . Fico um bocadinho surpreendido (e hesitante) com esta crítica. As recensões têm-se desfeito em elogios, mesmo no caso da crítica mais exigente. Por exemplo, acompanho o trabalho da Isabel Lucas há tempo suficiente para saber que só atribui a classificação máxima a um livro em casos muito, muito excepcionais. Curioso, repito...

Cristina Torrão disse...

Meus caros, muito obrigada pelos vosso comentários.
Queria, porém, dizer que gostei do livro. O primeiro parágrafo da minha opinião classifica-o, ou seja, um bom livro, embora eu não lhe desse a classificação máxima. Mas também não sou crítica profissional. O problema é que também escrevo e, num caso destes, sendo um romance, digamos, convencional, como os que escrevo, a tentação de começar a pensar o que faria nesta ou naquela situação é muito grande. Notem, porém, que ainda nenhum crítico de prestígio se dignou ler nenhum dos meus livros e este, pelo menos, conseguiu isso. E com bons resultados!

É um romance sólido, muito bem escrito, mas, como disse: emoções fortes, só a partir da primeira metade (num livro de quase 450 páginas). E, como o último terço é muito bom, compreendo que as críticas sejam também muito boas, porque o que fica de um livro, muitas vezes, é de facto o final.

Mas insisto em que é diferente do que costumam ser os livros finalistas ou premiados do LeYa: inconvencionais, mais poéticos ou com inovações estilísticas.

Cristina Torrão disse...

Correção ao comentário anterior: "emoções fortes, só a partir da segunda metade".

João J. A. Madeira disse...

Comecemos pelo mais importante: é um Bom livro. No entanto, toda a razão assiste à Cristina quando diz que só será um bom livro quando ultrapassadas as primeiras 200 páginas. Estas deveriam ter sido, na minha opinião, reescritas e "censuradas" naquilo que contém de quase inútil para a história. Digo QUASE, por aceitar o seu serviço, dessas páginas, como criadoras de ambiente, como uma sucção do leitor para o que se conta, mas que acaba, no meu entender, por ter um efeito contrário que, a muitos, poderá levar à sua rejeição. É que não podemos esquecer que o livro destina-se, antes de mais, a uma população portuguesa - escrito, e muito bem, por um autor português, ainda que nada tenha a ver connosco - que não convive, na maioria, com nomes polacos ou alemães e que, ao ler, começa a recear perder o fio à meada numa "introdução" tão longa. Na minha opinião, como autor também, o excesso de palavras dessas 200 páginas, deveriam ter sido canalizadas para dois pontos fundamentais do livro que carecem de explicação plausível, mas que não posso aqui pormenorizar por poder denunciar a obra a quem não a leu e deseje fazê-lo. Adiantarei, porém, tratar-se de uma cena que se verá mais à frente como tendo sido importantíssima, mas que, numa espécie de trapaça ao leitor, foi tratada com displicência. Depois, nada no enredo justifica ser a narradora a receber a herança de ouvir a história contada por alguém que, não sabemos como nem porquê, a escolheu como ouvinte. Ora "no poupar é que está o ganho". Tivesse-se poupado nas tais 200 páginas, e sobraria tempo e palavras para o que, para mim, falhou.

Volto a salientar que o livro é bom, não para as estrelas atribuídas, mas é bom. E não serão estas minhas considerações a nódoa sobre ele. Digo mais: como primeira obra - que o é - é excelente. Mas lamenta-se, nesse caso, não ter havido a ajuda do editor, do corrector, de um amigo, a apontar-lhe as supostas fragilidades.

Cristina Torrão disse...

Muito obrigada pelo teu comentário, João. Quem igualmente escreve, acaba por encontrar certas falhas, pois bem sabemos como, por vezes, é difícil criar um enredo verosímil e, ao mesmo tempo, surpreender o leitor, mantendo-o interessado.
E, sim, é preciso não esquecer que se trata de uma primeira obra! O autor revela ser um bom contador de histórias e, algo que, por acaso, não mencionei, é dono de uma grande sensibilidade. Fiquemos atentos a obras futuras!