Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

9 de dezembro de 2015

Ser ou não ser génio

Stock Montage/Hulton Archive/Getty Images
Não pretendo propriamente contestar a condição de génio da literatura atribuída a Shakespeare, mas, para ser franca, sempre me pareceu que a sua fama se prendia mais com certos "temas-símbolo" do que com as suas qualidades de dramaturgo. Com "temas-símbolo" refiro-me a ideais, como o amor absoluto de Romeu e Julieta, ou conflitos humanos intemporais, como o complexo de Édipo de Hamlet.

Já aqui escrevi sobre o erro de Shakespeare, referindo-me à sua peça Richard III, em que o dramaturgo descreve este rei como «poisonous bunch-back’d toad», uma personagem que se tornou num símbolo universal de malignidade. Historiadores recentes têm, porém, chegado à conclusão de que Ricardo III estava longe de ser o vilão criado por Shakespeare e os seguidores deste monarca, que se apelidam a si próprios de ricardians, mostram-se decididos a tudo fazer para modificar a imagem de monstro criada pelo dramaturgo mais famoso da História.

Polémicas históricas à parte, deparei recentemente com um artigo em que grandes personalidades da literatura e da filosofia contestam (ou contestaram) a condição de génio de Shakespeare.

Comecemos com Leo Tolstói, que, num ensaio que se pode descarregar gratuitamente (em língua inglesa), descreve as peças de Shakespeare como  «trivial and positively bad», considerando a sua fama universal «pernicious», descrevendo o próprio dramaturgo como «insignificant, inartistic writer». 

Também Voltaire terá desdenhado de Shakespeare e George Bernard Shaw fez críticas muito duras a certas peças no jornal londrino Saturday Review, embora pareça que a sua opinião terá melhorado à medida que ele próprio se ia tornando famoso...

J. R. R. Tolkien usou igualmente palavras desfavoráveis para qualificar Shakespeare em certas situações, considerando, como professor de Inglês, que se perdia tempo demais com o autor de Romeu e Julieta, prejudicando o ensino de outros escritores igualmente valiosos.

Robert Greene, um dramaturgo igualmente popular na época isabelina, parecia incomodado com o facto de Shakespeare, que começou como ator, ousar escrever as suas próprias peças! Certo é que o "ator atrevido" se tornou mundialmente famoso e, pelos vistos, eterno, enquanto Robert Greene, apesar de igualmente ter escrito inúmeros poemas, peças, contos e ensaios, perdeu-se na poeira dos séculos.


2 comentários:

Carla M. Soares disse...

Bom, a verdade é que genialidade e qualidade não são conceitos absolutos e invariáveis... São constestáveis, ainda que também se possam contestar os motivos para... contestar. No caso de Greene, não haveria certa inveja? No de Tolkien, que eu adoro, algum ressentimento, talvez pertinente, por não se estudarem mais obras (como por exemplo as suas)? ;)

A verdade é que Shakespeare tem resistido ao tempo, goste-se dele ou não, e continua a inspirar multiplas encenações. Séculos (e muitos dramaturgos) depois da sua morte, isso tem de significar alguma coisa.

Cristina Torrão disse...

Sim, Greene teria com certeza inveja. Assim como outros. Repare-se que Bernard Shaw, segundo o artigo em que me baseei, teria amaciado as suas críticas, à medida que ia ficando famoso ;)

De qualquer maneira, achei interessante as opiniões de outros grandes vultos da literatura. Nunca me entusiasmei muito com Shakespeare, mas, se for eu a dizer que ele também tem pontos fracos, ninguém me passa crédito ;)

De resto, é incrível a maneira como as suas obras persistem e como servem de inspiração a outros autores e a outras formas de arte.