Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

29 de março de 2016

Cantiga de Amor de Dom Dinis


Fonte da imagem

*As cantigas iam ficando mais ousadas, mais inflamadas. Dinis estava deslumbrado com a sua barregã, mas, no fundo, subsistia o desejo de provocar Isabel, de criar algo que lhe despertasse emoções fortes, como na cantiga onde o poeta mui receava o dia em que não pudesse ver a sua senhor. O sofrimento seria tal, que morreria, o que, no entanto, lhe reservava um conforto: ao morrer, deixaria de sofrer.

    Quant’ eu, fremosa mia senhor,
    de vós receei a veer
    muit’ er sei que nom hei poder
    de m’ agora guardar que nom
    (vos) veja; mais tal confort’ hei
    que aquel dia morrerei
    e perderei coitas d’amor.

O poeta continuava, dizendo que não conseguia imaginar maior pesar do que sentir a ausência da amada. E que Deus lhe perdoasse, pois encontraria conforto na morte, ao livrar-se do maior sofrimento que Nosso Senhor a alguém havia dado:

    E como quer que eu maior
    pesar nom podesse veer
    do que entom verei, prazer
    hei ende, se Deus mi perdom,
    porque por morte perderei
    aquel dia coita que hei
    qual nunca fez Nostro Senhor.

    E, pero hei tam gram pavor
    d’ aquel dia grave veer
    qual vos sol nom posso dizer,
    confort’ hei no meu coraçom
    porque por morte sairei
    aquel dia do mal que hei
    peior do que Deus fez peior.


*Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram o Lavrador, à venda na Wook e na Leya Online.

28 de março de 2016

Aviso-Comunicação

Caros colegas bloggers:

Há algum tempo que não consigo abrir os mails que contêm respostas aos meus comentários nos blogues do sapo.pt. Não faço ideia qual será o problema, mas, em muitos casos, respostas dessas ficam por ler, com bastante pena minha. Quando vejo um mail desses, costumo ir ao blogue onde comentei, mas nem sempre me lembro em qual post o fiz e a procura torna-se exaustiva. Dá-se então o caso de eu interromper a discussão e/ou não responder a perguntas que me façam, pelo que peço desculpa, embora os motivos sejam alheios à minha vontade.


A Citação da Semana (106)

«Não foi para condenar o mundo que Deus lhe enviou o seu filho, mas sim para que o mundo fosse salvo por ele».

Jo 3,17


25 de março de 2016

Foral de Mirandela e confirmação do Foral de Beja

Câmara Municipal de Mirandela
Foto © Horst Neumann


Verifica-se, durante o mês de Março (não se sabe o dia), o 725º aniversário do foral de Mirandela e da confirmação do foral de Beja.

Acabara de nascer o futuro Dom Afonso IV, herdeiro de Dom Dinis, e no primeiro documento, o rei referiu com orgulho que o mesmo era concedido juntamente com a rainha «e com os meus filhos Infantes Dom Afonso e Dona Constança». A filha tinha pouco mais de um ano.

No Castelo de Beja
Foto © Horst Neumann

O meu romance sobre Dom Dinis encontra-se disponível em ebook na LeYa Online e na Wook (clique).

23 de março de 2016

A Escrava Isaura




Graças ao Projecto Adamastor, pude ler este romance. Vi a primeira versão da telenovela, realizada em 1976 e com os desempenhos de Lucélia Santos e Ruben de Falco. Uma telenovela é considerada obra menor, por não dar grande (ou mesmo nenhuma) profundidade às personagens e se servir de clichés e de artifícios “baratos” e/ou pouco originais para o enredo. Este romance, por outro lado, é considerado um clássico e esta dualidade pôs-me curiosa.

Quando o livro foi publicado pela primeira vez, em 1875, o movimento abolicionista no Brasil estava no seu auge, com muita repercussão social, e o objetivo principal do autor Bernardo Guimarães foi apoiar esse movimento. Mostra o absurdo da escravatura em várias passagens:

«- Tu o disseste, Geraldo: amo-a muito, e hei-de amá-la sempre e nem disso faço mistério algum. E será coisa estranha e vergonhosa amar-se uma escrava? O patriarca Abraão amou sua escrava Agar, e por ela abandonou Sara, sua mulher» - pág. 108

«- Infame e cruel direito é esse, meu caro Geraldo. É já um escárnio dar-se o nome de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam altamente a civilização, a moral e a religião. Porém, tolerar a sociedade que um senhor tirano e brutal, levado por motivos infames e vergonhosos, tenha o direito de torturar um frágil e inocente criatura, só porque teve a desdita de nascer escrava, é o requinte da celeradez e da abominação» - pág. 109

«vemos a lei armando o vício, e decepando os braços à virtude» - pág. 127

«deplorável contingência, a que somos arrastados em consequência de uma instituição absurda e desumana»- pág. 127

Como se vê, a escravatura é atacada de maneira muito eloquente. As tiradas enérgicas saem da boca de Álvaro, apaixonado pela escrava Isaura. Ao mesmo tempo, porém, esta é uma grande fraqueza do romance, já que é uma branca belíssima, filha de um branco e de uma mulata, que personifica a desumanidade da escravidão. A sociedade em que vivia Bernardo Guimarães, mesmo a que exigia o abolicionismo, não aceitaria tais eloquências amorosas por parte de um branco em relação a uma negra.

Achei igualmente desadequada a sua estrutura de peça de teatro. Várias cenas se passam no mesmo cenário, conforme as personagens entram e saem. Todo o romance (que aliás não é grande) se passa em apenas cinco cenários. Tem, no entanto, a vantagem de caracterizar uma época, o que lhe confere o epíteto de clássico. O que mais me chocou foi a maneira autêntica (e, por isso mesmo, assustadora) de caracterizar as mulheres: frágeis, extremamente dóceis e encantadoras, totalmente dependentes dos homens.