Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de janeiro de 2017

Miss Buncle’s Book





 

Diverti-me a ler este livro, publicado, pela primeira vez, em 1934, por Dorothy Emily Stevenson (entre nós desconhecida). Atualmente, não há versão portuguesa, nem sei se alguma vez houve. Não sendo uma obra muito literária, este livro vale pela ironia, pela capacidade de a autora retratar o ser humano e pelas questões que coloca quanto à atividade do escritor (sendo a principal: é legítimo que usemos pessoas que conhecemos como personagens?).

Numa pequena e pacata localidade inglesa, nos arredores de Londres, instala-se o caos, quando se descobre a publicação de um livro que retrata essa mesma localidade e os seus habitantes. Enquanto uns acham piada e se divertem imenso, outros indignam-se de se verem tão bem retratados, como se olhassem para um espelho e não gostassem da imagem refletida.

A questão que passa a preencher a vida da localidade é: quem é o autor? Este naturalmente assina com pseudónimo. Instala-se a desconfiança e até se organizam reuniões para discutir a melhor maneira de descobrir quem está por detrás do projeto e como se poderá castigá-lo!

Tenta-se processar o editor, exigindo-se-lhe que retire o livro do mercado, empresa condenada ao fracasso, pois é impossível provar que o autor tentou atingir propositadamente determinadas pessoas - o facto de alguém se reconhecer num livro não quer dizer que seja ele o referenciado. Também achei interessante que algumas pessoas não se reconhecessem na personagem a elas correspondente, mas acabarem por modificar a sua vida, precisamente de acordo com essa personagem. O livro não descreve apenas a vida da localidade, dá soluções para vidas, digamos, encalhadas, boas soluções para pessoas com quem o autor simpatiza.

Pelo meio, temos a questão de alguém, que nunca escreveu, meter mãos à obra e conseguir que o primeiro editor a quem manda o original o publique, enquanto um outro escritor, conhecido na localidade, se farta de enviar, anos a fio, originais a editoras, sem sucesso. No início, até se desconfia que seja ele o autor, possibilidade que logo se descarta, pois a personagem a ele correspondente é tão intragável, que até a mulher o abandona.

A certa altura, alguém lembra que o livro pode muito bem ter sido escrito por uma mulher! Suspeita-se da esposa do médico, senhora culta e com tempo para tal atividade, pois, apesar de ter dois filhos, não exerce atividade profissional e tem criada. Além disso, conhece a história da vida de muita gente, através do marido, e… não é mencionada no romance!

Tomam-se medidas para a obrigar a assinar um documento, em que declara desejar retirar o livro do mercado. Da verdadeira autora, a solteirona Miss Buncle, tímida e sem jeito para se vestir, pentear e conversar, ninguém desconfia…


Nota: li a versão alemã, Stich ins Wespennest, republicada em 2013.




25 de janeiro de 2017

Construção de mentalidades, aqui e na China


Segundo uma notícia do The Guardian, o governo chinês decidiu reescrever a História, nos livros escolares, aumentando a guerra sino-japonesa em seis anos. Receia-se que a alteração possa irritar o Japão e piorar a relação entre os dois países.

É comummente aceite pelos historiadores que a segunda guerra sino-japonesa se iniciou em 1937, com o designado incidente da Ponte Marco Polo, em que tropas japonesas e chinesas se combateram ao longo de uma linha férrea, a sudoeste de Pequim. O governo chinês quer agora impor a invasão japonesa da Manchúria, iniciada no Outono de 1931, como o ponto de partida desta guerra. No entanto, só a partir de 1937, os comunistas chineses se juntaram aos nacionalistas, a fim de combaterem o Japão. Até aí, os dois partidos estiveram envolvidos numa guerra civil. 

Este assunto que, em princípio, não nos diz respeito, fez-me lembrar que o influenciar das mentalidades nos bancos de escola funcionou muito bem entre nós, durante a ditadura do Estado Novo. Funcionou tão bem, que, segundo o Professor Moisés de Lemos Martins, da Universidade do Minho, o imaginário salazarista permanece no imaginário contemporâneo, através das ideias de portugalidade e lusofonia. 

De facto, desde que comecei a pesquisar sobre a nossa História Medieval, baseando-me nas fontes mais atuais possíveis, constatei que o nosso imaginário ainda está cheio de lendas e outras narrativas, cultivadas pelo Estado Novo e que enchiam os livros escolares da altura, dando-nos uma ideia errada de certos acontecimentos.

Mas o imaginário salazarista não se faz sentir apenas na História. Na tese de doutoramento defendida por Moisés de Lemos Martins na Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo, em 1984, o agora Professor Catedrático chama a atenção para o Portugal criado por Salazar: um país que vivia modestamente, gerindo bem os seus recursos, mas que simultaneamente era um império que ia “do Minho a Timor, e se mais mundos houvera”.

Os discursos salazaristas serviam-se de duas figuras: a da “boa dona de casa”, que vive modestamente, mas que sabe gerir bem os pequenos recursos e as suas poupanças, e a do “navegador-guerreiro das caravelas”, que exalta o império.

A mentalidade criada por estas duas figuras continua tão atual, que a editora Afrontamento resolveu publicar a 2.ª edição do livro O Olho de Deus no Discurso Salazarista, que reproduz a tese de doutoramento referida.


21 de janeiro de 2017

Bons escritores + bons livros = citações bombásticas?



Já tenho reproduzido aqui excertos de livros que leio e de que gosto particularmente. Porém, nessa minha procura de citações, tenho verificado algo interessante.

Muitas vezes, num livro que me agrada, não encontro citações fortes, que causem impacto e que falem por si. Penso que isso se deve ao facto de que tudo o que está escrito nesse livro vale pelo seu conjunto, ou seja, o livro é excelente, mas as passagens, retiradas do seu contexto, perdem a sua força.

Por outro lado, encontro passagens que me impressionam, no bom sentido, em livros que, no seu conjunto, não me cativam, ou que me parecem mal estruturados.

Também já verifiquei, no Facebook (a única rede social que frequento), que há escritores que publicam frases curtas e muito assertivas, enquanto outros se limitam a textos banais. O mais curioso é que isso nada diz acerca da qualidade dos seus livros. Entre os primeiros, há quem escreva livros que são um bocejo constante e entre os segundos encontram-se obras empolgantes, que não queremos largar.

O que quer isto dizer? Que os bons escritores não se notam à primeira vista? E qual é o melhor escritor? Aquele que escreve frases que nos ficam na memória, ou aquele que escreve histórias que nos ficam na memória? Ou só é bom escritor quem conjuga estes dois fatores?

Não posso deixar de recordar uma passagem da entrevista que António Mota deu à “escritores.online”: