Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de junho de 2017

As pessoas são mais compreendidas na alegria ou na tristeza que declaram sentir?




 

© Horst Neumann
  

Esta pergunta não é minha, reporto-me a uma publicação da Alice Alfazema há quase um ano. Como a achei pertinente (aliás, o blogue da Alice está cheio destes casos, por isso é que gosto tanto de lá ir), guardei-a, a fim de falar sobre ela numa qualquer altura. Como tantas vezes acontece, porém, guardamos tanta coisa, que acabamos por perder muitas de vista. Felizmente, dei novamente com esta, ao consultar apontamentos antigos.
 
No meu comentário a essa publicação, dizia que se tratava de uma resposta difícil, pois o assunto dava pano para mangas. A Alice, numa síntese brilhante, respondeu-me que a entristecia o facto de, muitas vezes, a alegria partilhada ser uma utopia.

Infelizmente, a alegria gera inveja. E esta é muito difícil de disfarçar, pelo que, à primeira vista, diria que as pessoas são mais compreendidas na tristeza. Porém, só aparentemente. A maior parte daqueles que dizem compreender a tristeza de alguém, no fundo, alegram-se com ela, uma alegria baseada em muita falta de autoestima, pois a pessoa pensa que vale menos do que as outras. Então, rejubila ao constatar que os outros também têm problemas tão grandes ou maiores do que os dela.

Sim, as palmadinhas nas costas e o tentar animar são frequentemente fingidos. De desconfiar são as tentativas exageradas de animação. Quem realmente gosta de nós está mais interessado nos motivos da nossa tristeza, do que em tentar animar-nos à força. E não nos devemos esquecer de que também tem de haver espaço para a tristeza.

Como a inveja é mais difícil de disfarçar, é mais custoso fingir perante a alegria de alguém. A alegria alheia atira com a alma de uma pessoa com baixa autoestima para a sarjeta. Mas vejamos isto pelos dois lados: se verificarmos essa sensação em nós próprios, é sinal de que nos julgamos inferiores aos outros e que, em vez de nos enchermos de inveja, devemos procurar meios que nos convençam do contrário, ou seja, estarmos atentos aos nossos talentos, porque todos nós os temos. Muitas vezes, estão tão apagados, que temos de fazer esforço para os descobrir.

Se, por outro lado, tivermos necessidade de testar se uma pessoa gosta de nós, é contar-lhe um sucesso ou uma alegria nossa. A máscara cai imediatamente. Os mais educados limitam-se à indiferença, a um «parabéns» dito de fugida e uma mudança rápida de assunto. Quem não tiver estômago para tanto, faz uma careta de grande contrariedade, que aliás só vê quem quer. É incrível a quantidade de coisas a que nos tornamos cegos, a fim de preservar as nossas ilusões!

Uma pessoa honesta, que gosta sinceramente de nós, tanto nos compreende na alegria como na tristeza. Mas pessoas dessas são tesouros raros, mesmo na própria família.

25 de junho de 2017

Lassie




Este é o romance original que iniciou o fenómeno à volta da personagem canina, publicado pela E-Primatur, por ocasião do seu 75º aniversário, com as ilustrações originais de Marguerite Kirmse. O criador de Lassie, Eric Knight, escreveu unicamente este livro, dando origem ao primeiro filme, cuja rodagem ele acompanhou. Infelizmente, viria a morrer com apenas 45 anos num desastre de aviação, pelo que todos os livros e filmes que se seguiram, apesar de inspirados na personagem Lassie, são da responsabilidade de outros autores.

Eric Knight e Pal, o cão que interpretou o papel da Lassie, no primeiro filme
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Eric Knight e a sua segunda mulher Jere Brylawski eram criadores de collies e este livro, apesar de se tratar de ficção, está longe de ser uma “história da carochinha”. O enredo é perfeitamente verosímil e nota-se que foi escrito por alguém que percebia muito de comportamento canino. Trata-se, acima de tudo, de uma história de amor e lealdade, passando por valores como sentido do dever e honestidade. Além disso, é um interessante retrato da vida no Yorkshire, terra-natal do autor, nos anos 1930, marcados pela crise económica.


Lassie é uma collie admirada por todos os habitantes da aldeia e amada pela sua família de humanos. O seu dono, porém, vê-se obrigada a vendê-la ao Duque de Rudling, depois de ficar desempregado, causando grande sofrimento ao seu filho. A cadela ia esperar o rapaz à escola, todos os dias, estivesse sol ou chuva, fizesse frio ou calor.

Primeiramente, Lassie fica no canil do Duque perto da aldeia onde mora a família e, independentemente da altura e da qualidade das grades que a cercam, ela arranja maneira de fugir, a fim de estar pontualmente à espera do miúdo de doze anos, quando este sai da escola. E, de todas as vezes, o pai do rapaz a devolve ao Duque, apesar dos protestos e da angústia do filho.


Um dia, o problema parece estar resolvido: o Duque de Rudling parte para a sua herdade no norte da Escócia, situada a mais de seiscentos quilómetros da aldeia do Yorkshire, e leva a Lassie consigo. Mas nada consegue abalar a lealdade e o sentido do dever da cadela que, assim que tem oportunidade, se escapa e inicia uma verdadeira odisseia de regresso a casa (no original, o livro intitula-se Lassie Come-Home).


 A cadela faz uma viagem de meses, andando cerca do triplo da distância, já que, como o autor escreve (p. 193):

«Mas isso [quatrocentas milhas - cerca de seiscentos e cinquenta km] seria para um homem que viajasse directamente pela estrada ou de comboio. Para um animal, que distância seria - para um animal que tem de contornar e procurar soluções para obstáculos, de perambular e errar, de retroceder e desviar-se até encontrar um caminho?
Seriam, talvez, mil milhas [cerca de mil e seiscentos km] - mil milhas através de terreno desconhecido, que nunca tinha atravessado, sem nada, além do instinto, que lhe indicasse o caminho».

Lassie perante um enorme lago, uivando de angústia e impotência. Na sua procura por um lugar onde o possa atravessar, acaba por conseguir contorná-lo, o que significou fazer algumas centenas de km extra.

Lassie vive muitas aventuras, algumas divertidas, outras tão perigosas que quase a matam. E encontra muita gente, da mais variada: pessoas que a acossam, dado o seu estado, muitas vezes, lastimoso, ou mesmo que lhe querem fazer mal; pessoas que a tratam com amor e carinho, que lhe chegam a salvar a vida. O livro vale também por isso, por nos mostrar as diferentes maneiras de os humanos reagirem, perante um cão em sofrimento.



É um livro que recomendo a toda a gente. Quem gosta de cães, delicia-se; quem não gosta, ou nada sabe sobre eles, aprende a entender estes animais que, com o tratamento adequado, nos são tão fiéis e nos dão lições valiosas. Considero-o mesmo um livro imprescindível para as crianças a partir dos oito anos, se bem que recomendo leitura acompanhada dos oito aos doze, pois há cenas que podem chocar as mais sensíveis.

Nota: as imagens das ilustrações originais do livro foram por mim fotografadas.