Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

31 de maio de 2018

O Moinho à Beira do Floss



Excelente romance da escritora britânica Mary Ann Evans (1819-1880) que usou o pseudónimo masculino George Eliot para que a levassem a sério como romancista. A autora mostra aqui toda a sua classe, contando a história da família Tulliver, no século XIX inglês, e revelando enorme capacidade de se enfiar na pele das suas personagens.

George Eliot mostra, acima de tudo, a diferença gritante entre a educação de um rapaz e de uma rapariga, baseando-se no princípio de que o filho deve obter a melhor formação que os pais lhe podem financiar, ao passo que a filha se deve manter longe dos livros e da sabedoria, coisas que só fazem mal à cabeça de uma menina. Azar para Maggie Tulliver, uma fanática da leitura, enquanto o irmão Tom só enfia o nariz num livro quando é obrigado. A moça cresce numa luta constante entre as suas aspirações e o dever da obediência, não só aos pais, mas também ao irmão, quando este atinge a maioridade. No fim, vence a obrigação, Maggie sujeita-se à vontade dos outros, numa adoração sem limites pelo irmão Tom, que, desde pequeno, é a estrela da família, na qual se depositam todas as esperanças, o que, diga-se, não deixa de ser um enorme fardo.

Não se pense, no entanto, que a autora aponta o dedo aos pais de Maggie e Tom, ou que o seu romance esteja escrito num tom ressabiado. A mestria dela assenta precisamente no apresentar as várias perspetivas e pontos de vista de uma maneira neutra, a fim de que o leitor construa a sua própria opinião. Para mim, esta é a característica mais importante de um bom escritor e é notável que alguém nascido e morrido no século XIX tenha atingido tal maturidade.

O romance, porém, não se resume à disparidade no tratamento e na consideração baseada na diferença de sexo. George Eliot dá-nos um retrato muito completo da vida campestre do Lincolnshire, de classes sociais muito marcadas e onde o snobismo está na ordem do dia, mesmo no seio das famílias. A vida decorre sob a capa das aparências, tudo se faz para manter a ordem, que se sobrepõe a tudo o resto, incluindo os sentimentos.

Na minha opinião, romances como este são essenciais para a compreensão da sociedade em que vivemos.

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