Excelente romance da escritora britânica Mary Ann
Evans (1819-1880) que usou o pseudónimo masculino George Eliot para que a
levassem a sério como romancista. A autora mostra aqui toda a sua classe,
contando a história da família Tulliver, no século XIX inglês, e revelando
enorme capacidade de se enfiar na pele das suas personagens.
George Eliot mostra, acima de tudo, a diferença
gritante entre a educação de um rapaz e de uma rapariga, baseando-se no
princípio de que o filho deve obter a melhor formação que os pais lhe podem
financiar, ao passo que a filha se deve manter longe dos livros e da sabedoria,
coisas que só fazem mal à cabeça de uma menina. Azar para Maggie
Tulliver, uma fanática da leitura, enquanto o irmão Tom só enfia o nariz num
livro quando é obrigado. A moça cresce numa luta constante entre as suas
aspirações e o dever da obediência, não só aos pais, mas também ao irmão,
quando este atinge a maioridade. No fim, vence a obrigação, Maggie sujeita-se à
vontade dos outros, numa adoração sem limites pelo irmão Tom, que, desde
pequeno, é a estrela da família, na qual se depositam todas as esperanças, o
que, diga-se, não deixa de ser um enorme fardo.
Não se pense, no entanto, que a autora aponta o dedo
aos pais de Maggie e Tom, ou que o seu romance esteja escrito num tom
ressabiado. A mestria dela assenta precisamente no apresentar as várias
perspetivas e pontos de vista de uma maneira neutra, a fim de que o leitor
construa a sua própria opinião. Para mim, esta é a característica mais
importante de um bom escritor e é notável que alguém nascido e morrido no
século XIX tenha atingido tal maturidade.
O romance, porém, não se resume à disparidade no
tratamento e na consideração baseada na diferença de sexo. George Eliot dá-nos
um retrato muito completo da vida campestre do Lincolnshire, de classes sociais
muito marcadas e onde o snobismo está na ordem do dia, mesmo no seio das
famílias. A vida decorre sob a capa das aparências, tudo se faz para manter a
ordem, que se sobrepõe a tudo o resto, incluindo os sentimentos.
Na minha opinião, romances como este são essenciais
para a compreensão da sociedade em que vivemos.
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