Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de junho de 2016

Levantamento do interdito

A 30 de Junho de 1290, foi levantado um interdito a que o reino de Portugal esteve sujeito desde 1267. Dom Dinis herdou assim um reino sob interdito, o que proibia sacramentos (incluindo casamentos e batizados) e realização de missas, devido aos conflitos entre seu pai Dom Afonso III e o clero.

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Dom Dinis na sua corte (ignoro qual o autor desta imagem)

Dom Dinis começou a reinar a 16 de Fevereiro de 1279, mas foram longas e difíceis as negociações com a Santa Sé, até o papa Nicolau IV decretar o fim do interdito, em 1290.

E naquele Estio (1290), festejou-se na corte portuguesa um grande acontecimento: Nicolau IV levantou, a 30 de Junho, o interdito a que o reino estivera sujeito mais de vinte anos!
Podiam finalmente abrir-se as igrejas, celebrar-se os Ofícios Divinos, proceder-se aos sacramentos, tudo coisas que, para uma grande parte da população, não passavam de memórias longínquas, para não falar dos que nunca haviam assistido a tais procedimentos. Haviam-se desenvolvido cultos populares que se misturavam com ritos pagãos.
Curiosamente, Isabel interessava-se muito por esses cultos, fazia inclusive planos de, nas vilas que lhe pertenciam, integrar alguns nas celebrações oficiais da Igreja. A rainha era sensível a tudo o que fosse espiritual, sentia-se responsável pela salvação das almas das populações e tencionava supervisionar pessoalmente a reorganização das igrejas locais. Porém, Dinis proibiu-a de deixar a corte antes do nascimento do segundo filho, ao que a rainha obedeceu, continuando a presidir a reuniões com o clero responsável pelas vilas, não se cansando de dar ordens e orientações.


Deixo-vos com mais um excerto do meu romance, um diálogo entre Dom Dinis e seu pai Dom Afonso III, pouco tempo antes da morte deste. Dom Dinis tinha dezasseis anos:

- Eu sei, filho, eu sei. Conheço-te bem, tens bom coração. - Observou-o com carinho e disse depois: - Não olvides, porém, de exercer a tua autoridade, mesmo quando o coração ameaça amolecer-te. Não te deixes vencer por fidalgos que têm a mania que mandam mais do que o rei! Rodeia-te de gente competente, de confiança, capaz de te dar as melhores informações quanto ao que se passa em todos os cantos do reino. E vai a todo o lado, mostra-te!
- Sim, senhor meu pai.
O monarca insistia nas lições do costume:
- O primeiro grande dever de um soberano é a justiça, que abre o caminho à paz! E, para melhor a aplicar, é essencial saber a verdade, que se consegue por meio de inquiridores. As inquirições apresentam-te os factos, dão-te a verdade!
Apesar de já ter ouvido tal várias vezes, Dinis manteve-se paciente, enquanto o pai fazia uma pausa, para depois prosseguir:
- O rei é a autoridade suprema. Tudo o que, em matéria de justiça, suscite dúvidas, deve passar pela corte! Encoraja as apelações, a todos deve assistir a possibilidade de apelar a el-rei, sempre que haja negligência por parte dos juízes locais. E a base de tudo isto, o alicerce sobre o qual constróis a tua autoridade, é a escrita! O que se passa e o que se ouve esvai-se da nossa mente… A não ser que seja retido pela escrita, eternamente figurado na memória dos homens!


O meu romance sobre Dom Dinis está à venda sob a forma de ebook na LeYa Online, na Wook e na Kobo.

Para adquirir a versão em papel, contacte-me através do email andancas@t-online.de.

29 de junho de 2016

Triunfo do Amor Português




Aqui se dá conta de relações amorosas da nossa História, como Dom Pedro I e Inês de Castro, Leonor Teles e João Fernandes Andeiro, ou a Severa e o Conde de Marialva. A escrita possui alto nível de erudição, como será habitual em Mário Cláudio. Digo “será” porque foi o primeiro livro que li deste autor. Atendendo, porém, aos prémios que já ganhou e ao estatuto atingido no nosso meio literário, não há margem para dúvidas de que a sua escrita vale por si mesma.

As ligações amorosas são tratadas de um ponto de vista inabitual, dando ênfase, por exemplo, à decadência da corte e dos mosteiros no século XVIII, no caso entre Dom João V e Madre Paula, com aspetos mesmo grotescos, que se escondiam atrás dos luxos. No episódio envolvendo a Severa e o Conde de Marialva, o ênfase vai para a promiscuidade e a miséria de certos meios. Surpreendeu-me a ternura posta no descrever da paixão de Mariana Alcoforado pelo Conde de Chamilly e o meu episódio preferido foi o de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido. Mário Cláudio é exímio no retratar do narcisismo dos escritores, um narcisismo ligado à febre da produção literária, que põe todos os outros aspetos da sua vida na sombra. No caso de Camilo Castelo Branco, e devido à época em que viveu, essa fixação no próprio ego alia-se ao machismo, uma mistura fatal para a igualmente culta Ana Plácido. Fiquei, no entanto, desiludida com o capítulo dedicado a Dom Pedro I e Inês de Castro. Apesar de Mário Cláudio fugir à descrição comum deste romance, não foi tão longe quanto eu desejaria, mantendo alguns mitos.

Uma escrita que vale por si mesma, porém, sendo inimitável na sua erudição e dando um estatuto único, por demais merecido, ao seu autor, torna-se ela própria narcísica, ou seja, vive por si e para si, esquecendo-se, por vezes, da sua função de veículo de um enredo e de personagens. Torna-se assim fastidiosa a leitura de certas passagens.


28 de junho de 2016

Amores de Dom Dinis



Serão na corte


Excerto do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram o Lavrador:

A rainha teimava em não regressar do seu périplo pelas vilas que lhe pertenciam e Dinis, de partida para Coimbra e desejoso de consolo feminino, debatia-se com a dúvida sobre quem mandaria vir ao seu encontro: Aldonça Rodrigues da Telha, ou Maria Pires? A fogueira escaldante, ou a leveza das sardas num rosto sereno?
Quiçá por se aproximarem os frios do Outono, Dinis decidiu-se pelas chamas. Considerou, porém, que Aldonça deveria estar mui agastada, desde que ele, em vez de reatar o romance com ela, depois do nascimento de Fernão Sanches, se entretivera com a dama do Porto. Sabia, por outro lado, que Aldonça não se atreveria a recusar um pedido dele. E dedicou-lhe um poema na sua missiva, o melhor remédio para atenuar ímpetos arrebatados, onde pedia perdão por não ter ido ver a amada nem lhe ter mandado notícias durante tanto tempo:

                        Nom sei como me salv ’a mia senhor
                        se me Deus ant’ os seus olhos levar,
                        ca par Deus nom hei como m’ assalvar
                        que me nom julgue por seu traedor
                        pois tamanho temp’ há que guareci
                        sem seu mandad’ oir e a nom vi.

(Não sei como me justificar perante a “mia senhor”, para que ela me não pense seu traidor, pois já há muito tempo não lhe mando notícia, nem a vejo).

                        E sei eu mui bem no meu coraçom
                        o que mia senhor fremosa fará
                        depois que ant’ ela for: julgar-m’ á
                        por seu traedor com mui gram razom,
                        pois tamanho temp’ há que guareci
                        sem seu mandad’ oir e a nom vi.

(Sei muito bem no meu coração como reagirá a formosa “mia senhor”, julgar-me-á por seu traidor e com razão, que já há muito tempo que não lhe mando notícia, nem a vejo).

                        E pois tamanho foi o erro meu
                        que lhi fiz torto tam descomunal,
                        se m’ a sa gram mesura nom val,
                        julgar-m’ á por em por traedor seu,
                        pois tamanho temp’ há que guareci
                        sem seu mandad’ oir e a nom vi.

                        Se o juízo passar assi,
                        ai eu cativ’, e que será de mi?


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27 de junho de 2016

A Citação da Semana (119)

Foto recebida por email


«Tem de haver corações que conheçam o fundo do nosso ser e que acreditam em nós, mesmo quando o resto do mundo nos deixa».

Karl Gutzkow




26 de junho de 2016

Bodas de Dom Dinis e Dona Isabel

Faz hoje 734 anos que Dom Dinis e Dona Isabel celebraram as suas bodas na vila de Trancoso, Beira Alta.

Sala dos Capelos, Universidade de Coimbra

Os dois estavam casados por procuração desde 11 de Fevereiro de 1281, mas só dezasseis meses mais tarde, em Trancoso, se conheceram. No meu romance, Dom Dinis sente algum receio em relação ao carácter da sua jovem esposa:

Isabel tornou a encará-lo com um esboço de sorriso. Dinis tomou-lhe uma das mãos e o franciscano Dom Telo, arcebispo de Braga, envolveu as dos soberanos com as suas, num gesto de bênção e aceitação. Portugal encontrava-se sob interdito, com as cerimónias religiosas e os sacramentos proibidos, e aquele gesto legitimava oficialmente a união em solo português dos nubentes já casados por procuração.
(…)
Ao outro dia, el-rei juntou-se com a sua comitiva à da rainha, a fim de visitarem os acampamentos espalhados pelo planalto. Dinis olhou estupefacto para as três carroças cheias de dádivas que Isabel mandara carregar. E, depois de o informarem que haviam sido embalados pães e bolas de carne inteiros, até capões assados, dirigiu-se à sua consorte:
- Pensei que as sobras chegassem. Nestas carroças, encontram-se alimentos que estavam previstos serem servidos hoje à nossa mesa!
- As minhas damas e eu prescindimos da nossa parte - replicou Isabel.
Depois de um momento de estupefação, Dinis inquiriu:
- E que comereis?
- Se sobra sempre tanto, é porque não faltam vitualhas. E um dia a pão e queijo não nos faria mal, pelo contrário. O sacrifício da carne aguça o espírito.
Dinis achou que ela ia longe demais:
- Não permitirei que…
- Não vos aflijais, nada tirei que estivesse destinado a vós! E as minhas damas estão acostumadas a este meu procedimento.
Isabel deu ordem para que a auxiliassem a montar a sua égua branca e Dinis montou o seu cavalo castanho de sobrolho franzido. A sua rainha parecia possuir mais uma qualidade: a de fazer imperar os seus desejos! Teria ele, um rei que se preocupava em exigir obediência, dificuldades em impô-la à sua própria consorte?

Dona Isabel tinha apenas doze anos, pelo que se depreende que Dom Dinis tenha esperado que ela se fizesse mulher para consumar o casamento (como aliás era hábito na época). A primeira filha, Constança, só nasceria oito anos mais tarde, a 3 de Janeiro de 1290; o segundo filho, futuro Afonso IV, a 8 de Fevereiro de 1291.

O facto de os dois filhos terem nascidos tão chegados prova, na minha opinião, que Dona Isabel seria fértil. Porém, o casal não tornou a ter filhos, durante quarenta e quatro anos de casamento. A vida conjugal de Dom Dinis e de Dona Isabel, a rainha que foi canonizada, suscita várias interrogações.

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24 de junho de 2016

Bens dos Templários portugueses

Imagem daqui


A 24 de Junho de 1319, Dom Dinis entregou à Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo todos os bens que tinham pertencido aos Templários. O primeiro Mestre da Ordem de Cristo foi Dom Frei Gil Martins, anteriormente Mestre da Ordem de Avis.

Sobre a abolição dos Templários e o empenhamento de Dom Dinis em salvá-los, ler os meus posts de 14 de Março, 18 de Março, 19 de Abril e 8 de Junho, com excertos do meu romance.


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23 de junho de 2016

Doação de Sintra

Neste dia 23 de Junho do ano de 1287, Dom Dinis doou a vila de Sintra a sua esposa Dona Isabel, cinco anos depois de terem celebrado as suas bodas em Trancoso, assunto a que brevemente me referirei, já que se verifica o seu 734º aniversário daqui a três dias.

20 de junho de 2016

Doença de Dom Dinis


A 20 de Junho de 1322 Dom Dinis foi acometido de doença grave, dois anos e meio antes da sua morte. «Um ligeiro ataque vascular-cerebral ou um pequeno ataque cardíaco?», pergunta-se o autor da biografia de Dom Dinis (Temas e Debates, 2008), José Augusto Pizarro.

O rei Lavrador tinha, nesta altura, sessenta e um anos e nunca tinha estado verdadeiramente doente. Encontrava-se, porém, numa fase muito desgastante da sua vida, que inclusive lhe terá acelerado a morte: a guerra civil contra o seu próprio filho e herdeiro. Esta doença verificou-se aliás depois do cerco a Coimbra, que implicou duros combates. Através da mediação da rainha Dona Isabel e do conde de Barcelos Pedro Afonso (filho ilegítimo de Dom Dinis), o rei assinou as pazes com o infante, mas, no seu regresso a Lisboa, sentiu-se mal.

O estado e Dom Dinis melhorou no início do ano seguinte, mas as pazes com o filho foram de pouca dura. O acordo seria quebrado em Outubro de 1323, depois das Cortes de Lisboa. A guerra entraria na sua última fase, com a Batalha de Alvalade, mas dedicar-me-ei ao assunto na altura própria. Para já, um excerto do meu romance, quando já não havia entendimento possível entre pai e filho:

De nada adiantava mandar emissários, depois da humilhação nas Cortes de Lisboa, Afonso tudo faria para se apossar do trono! A batalha era inevitável.
Dinis sabia que fora longe demais. Mas que força o impedia de se entender com o seu próprio herdeiro? Teria inconscientemente guiado os acontecimentos de maneira a que Afonso Sanches lhe pudesse suceder? A verdade é que ele próprio se via incapaz de responder a esta pergunta. Lembrou-se do neto Pedro, que tanto o encantara em Frielas, mas também Afonso Sanches tinha um filho que já fizera nove anos e que igualmente o cativava…
Naquela noite, véspera da batalha, Dinis mortificava-se. Estava a ir contra a vontade de Deus, chefiando um combate contra o seu único filho legítimo? O rei não conseguia adormecer, novamente atacado por tonturas, dores de cabeça e suores. Tornaria a adoecer? Finar-se-ia ainda antes de se dar o combate?
Deus que decidisse! Nada mais lhe restava que não fosse confiar na força divina. Desejou um milagre. Sabia que Isabel rezava, recolhida no seu paço, depois de semanas de penitências rigorosas. Conseguiria ela provocar um milagre?

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