Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de abril de 2012

Entrevista (8)

Extracto da entrevista dada ao Destante:


MC- Quer fazer-nos uma comparação entre o panorama editorial português e o alemão? Os alemães publicam e lêem mais que nós?

CT- Publica-se muito mais, mas considere que a Alemanha tem 80 milhões de habitantes. E o mercado de língua alemã engloba ainda a Suíça e a Áustria. Nas devidas proporções, o número de publicações deve ser semelhante. O que eu acho é que aqui se publicam muito mais livros informativos (não ficção) sobre todos os assuntos possíveis e imaginários. Em Portugal, traduzem-se mais autores estrangeiros e publica-se mais ficção. Aqui, uma pessoa quer um livro sobre jardinagem e descobre logo umas dezenas, ou até, centenas. O mesmo se passa com todos os temas que imaginemos, seja religião, viagens, medicina natural, psicologia, animais, etc. Se eu quiser ler algo sobre cães, por exemplo, basta-me ir a uma livraria, nem precisa de ser grande, para encontrar, pelo menos, uns 30 títulos diferentes, ainda divididos em subgrupos: educação dos cachorrinhos, treino de cães de caça, informações sobre as raças, doenças caninas, o cão sénior, eu sei lá… E tudo muito actual, nada de livros antigos, com informações ultrapassadas. Além disso, a um preço acessível. Os livros em Portugal são mais caros, sim, e ganha-se menos. Por isso, acho que os alemães estão mais bem informados, têm mais cultura geral. Por outro lado, não me parece que leiam mais clássicos, por aqui também se adora a chamada literatura light.

29 de abril de 2012

27 de abril de 2012

A Cidadela Verde de Magdeburgo

Friedensreich Hundertwasser (1928-2000) foi um arquiteto austríaco, conhecido pelas suas ideias e projetos excêntricos. Dizia ele que a arquitetura de uma casa influencia o bem-estar da pessoa que lá vive. A arquitetura será a nossa terceira pele, que podemos usar ou enfeitar a nosso bel-prazer, sendo a primeira a nossa pele natural e a segunda a nossa roupa.


 




Em 2003, começou a construir-se a Grüne Zitadelle von Magdeburg - «cidadela verde de Magdeburgo».  Como se pode ver, o prédio é predominantemente rosa, "verde" é aqui sinónimo de "ecológico" e refere-se aos materiais usados e ao sistema de aquecimento, por exemplo, concebido de maneira a prejudicar menos o ambiente.



O complexo de apartamentos ficou pronto em 2005 e tivemos o privilégio de o ver e fotografar, na nossa estadia nesta cidade do leste da Alemanha. Aqui, um pormenor das varandas.





Mais uma perspetiva (com chamada de atenção para as colunas, todas diferentes umas das outras).
Claro que é uma questão de gosto, muitos adoram, outros odeiam. Eu acho interessante e não me importava de viver num apartamento assim.






25 de abril de 2012

Pré-publicação #7


Começou a chorar amargamente, encolhida sobre si própria, naquele banco de pedra encostado ao casebre abandonado, embrulhada no seu manto escuro, debaixo da chuva miudinha, tão leve, que vagueava pelo ar, mudando constantemente de direcção. Como a sua vida. Talvez ela não passasse de uma gota de chuva miudinha, sujeita aos caprichos do ar que a envolvia…
Hoje, uma santa; amanhã, uma meretriz…
«Somos aquilo que os outros pensam de nós», sussurrou, enquanto limpava as lágrimas. «E, sendo assim, é difícil acreditar que haverá pessoas escolhidas a dedo por Deus; que vivemos um plano traçado ao mais ínfimo pormenor. Tudo não passará dos acasos da vida, da fortuna, dos azares».
Gotas de chuva, a vaguear ao sabor do vento…

24 de abril de 2012

Salvamento espontâneo de golfinhos

Aconteceu a 5 de Março, numa praia do litoral do Rio de Janeiro. Os golfinhos vieram dar à praia, por engano. Uma operação espontânea de salvamento resultou a 100%. É bonito!



23 de abril de 2012

Alma Rebelde

Já têm planos para o feriado? Se não, podem ir à Feira do Livro de Lisboa, que abre amanhã.

Há mil e uma razões para ir à Feira do Livro. No dia 25 de Abril, há mil e duas. No espaço da Porto Editora, pelas 17 horas, vai ser lançado o primeiro romance de Carla M. Soares, leitora e comentadora aqui do Andanças.


Os meus parabéns à Carla, o desejo de que passe um bom feriado e muito sucesso com o seu livro!

22 de abril de 2012

Quebrar o silêncio

Sinto muito vir ensombrar esta época de festa dos livros, com a abertura iminente da Feira do Livro de Lisboa (entre outras Feiras, como a de Moura), mas há alturas em que o saco fica cheio.

A CESodilivros, a maior distribuidora de livros em Portugal, no mercado há mais de vinte anos, acaba de pedir a insolvência, deixando em grandes dificuldades e com muitas dívidas as mais de quarenta editoras que distribuía. No Cadeirão Voltaire, o blogue onde esta informação foi publicada, estranha-se que este caso não seja mais divulgado. Eu andava há cerca de um mês a tentar confirmá-lo, já que, a 27 de Março, recebi um email da Ésquilo, a minha editora, do qual transcrevo extractos:

“ninguém vislumbrava que a Sodilivros chegasse um dia a pedir a insolvência. Mas o certo é que fomos informados há poucos dias que a administração da Sodilivros iria solicitar a insolvência a muito curto prazo”.

“De facto já no ano de 2011, os pagamentos da Sodilivros começaram a ser muito espaçados no tempo e, invocando uma situação difícil do mercado em geral e a mudança de administração, foi adiando pagamentos desde de Outubro de 2011”.

“Perante esta, que é a pior situação por que passamos desde o início da nossa actividade, solicitamos paciência e compreensão aos nossos autores e fornecedores. A ambos estamos disponíveis a realizar pagamentos, parciais ou totais, em livros, sendo que, a nossa tesouraria atravessará um período muito difícil até ao mês de Outubro”.

Contactei de imediato a Ésquilo (igualmente por email):

“Lamento estas más notícias (…) não há dúvida de que a situação actual é complicada e tenho inteira compreensão. Peço-lhe, no entanto, que também tenha pela minha situação. Infelizmente, a falta de pagamentos em relação a mim não se resume ao ano de 2011. Tenho ainda a receber, além deste, 2009 e 2010”.

Pois, este caso da Sodilivros acabou por fazer transbordar a taça. E aqui vai: não recebo os pagamentos devidos às vendas dos meus livros desde 2009! Nem sei bem quanto livros foram vendidos, porque a editora não me dá quaisquer informações sobre o assunto! Ou seja, tenho estado a trabalhar de graça, para o boneco. Sei que o país está a passar por uma crise e haverá editoras que não se aguentarão. O comportamento indigno da Ésquilo, porém, já se arrasta há três anos! E, ainda por cima, me envia uma mensagem a pedir compreensão para o atraso dos pagamentos referentes a 2011!

Escusado será dizer que não recebi qualquer resposta ao meu email acima referido, enviado a 30 de Março!

Humor e Amor

This is Chile
Extracto da entrevista a Isabel Allende, publicada na revista Os Meus Livros nº 105 (Dezembro 2011):

(...) Encara a escrita e a vida com sentido de humor?

Veja, sou uma mulher! As mulheres não conseguem sobreviver neste patriarcado sem um sentido de humor que lhes alegre a vida. Já reparou o quanto as mulheres se riem quando se juntam? E como isso deixa a maioria dos homens desconfortáveis? Eles pensam que estamos a troçar deles, não conseguem imaginar as mulheres a falar de algo que não os inclua.

(...) O Amor é, para si, o grande valor na vida e o grande tema da literatura?

O Amor é o grande valor da vida, mas sozinho é inútil à literatura. Num romance, é necessário conflito, contraste, drama.

20 de abril de 2012

Avatar


Impossível uma pessoa não se comover com este filme, apesar de algumas fraquezas de enredo e de exageros de um realizador como James Cameron. E, claro, nem preciso de mencionar a qualidade dos efeitos especiais.

Avatar é, todo ele, uma alegoria. Ao racismo, ao egocentrismo, à ganância, ao culto da violência, à lei do mais forte, ao desrespeito pela Natureza, ao desrespeito pelos animais, ao desrespeito por minorias e outras formas de ver a vida/mundo, ao menosprezar de pessoas com deficiência, à guerra do Vietname, à submissão dos nativos americanos, etc.

Por outro lado, pergunto-me se ajuda a modificar aquilo que se propõe, já que não convida à reflexão. A esmagadora maioria dos espectadores passa duas horas bem entretidas, revolta-se contra os maus da fita, comove-se com os bons... Mas modifica alguma coisa na sua maneira de ser? Quem é racista deixa de o ser? Quem usa violência deixa de usar? Quem maltrata animais deixa de maltratar? Quem não respeita o ambiente passa a respeitar?

O problema deste filme é querer ser várias coisas ao mesmo tempo. Sob o ponto de vista cinematográfico, consegue-o. Mas as inúmeras mensagens que pretende transmitir anulam-se perante o culto do espectáculo em si mesmo.

19 de abril de 2012

Saber mentir


Gostam de mentir. E fazem-no bem. Fazem-no tão bem, que, por vezes, não resistem à tentação de se gabarem que convencem qualquer um com uma patranha qualquer, sem sequer pestanejar. E nem sequer notam que se traem a si próprios. Ou alguém torna a confiar em alguém que o ponha a par de tal “qualidade”?

17 de abril de 2012

No Leste


A cidade de Magdeburgo, nas margens do rio Elba, pertencia à antiga República Democrática Alemã, ou seja, à chamada Alemanha de Leste. O traçado próprio dos regimes comunistas está bem patente nas avenidas largas e nos prédios monumentais.


Diga-se, porém, que o bom estado das avenidas e das casas só se conseguiu depois da unificação da Alemanha, há vinte anos, pois estava tudo num mísero estado e foi preciso investir muito dinheiro para dar este aspecto à paisagem.


Mas as cidades da antiga Alemanha de Leste debatem-se com a desertificação. Apesar de já há duas décadas não existir fronteira, muitas diferenças permanecem. No leste, as pessoas ganham menos e há muito desemprego.
A desertificação acaba, porém, por ter as suas vantagens, como, por exemplo, ser raro haver engarrafamentos. As avenidas estão praticamente vazias.



Outra vantagem é que cidades como Magdeburgo tentam atrair jovens para as suas Universidades, onde, por falta de estudantes, não há numerus clausus. O nosso sobrinho alemão aproveitou essa oportunidade e entrou para o curso de Engenharia Mecânica, em Outubro passado. Ele e mais três colegas do liceu aqui de Stade apenas tiveram de se apresentar na Universidade de Magdeburgo com as suas habilitações literárias e puderam iniciar imediatamente os estudos.

15 de abril de 2012

O Bom Psicólogo



À falta de uma versão portuguesa, traduzi o título deste livro à letra, tanto do inglês, como do alemão (Der gute Psychologe). Trata-se de um romance sobre um psicólogo, escrito por um psicólogo, ou seja, alguém competente na matéria.

O enredo desenrola-se a três níveis:

1 - O psicólogo, especialista em perturbações de medo/pânico, é procurado por uma mulher, que «tem medo de se mostrar e cuja profissão é mostrar-se». Mostrar-se completamente, pois trata-se de uma dançarina de strip-tease, que começa a ter ataques de pânico sempre que tem de subir ao palco.

2 - As aulas que o psicólogo dá num curso nocturno universitário sobre a natureza da psicoterapia (origem do extracto que publiquei anteriormente).

3 - O drama da vida do psicólogo, que ama uma mulher casada, amor que é correspondido. Porém, ela recusa-se a deixar o marido, que sofre de uma doença do sistema imunológico, que nenhum médico sabe dizer bem qual é, nem como se deve tratar. O problema agrava-se, quando a mulher, também ela psicóloga, pede ao colega que lhe faça um filho, pois, devido à doença do marido, ela não engravida. Ele não vê como recusar. Nasce uma menina e o psicólogo vive num conflito terrível, pois nada mais deseja do que juntar-se às duas.

É notória a sua dedicação aos pacientes, tentando resolver-lhes os problemas, enquanto, por sua vez, tenta resolver os seus. É um livro melancólico, mas honesto, na medida em que fica claro que uma psicoterapia não acaba com as agruras da vida, "apenas" cria mecanismos que nos permitam lidar com essas agruras.

Um excelente livro para quem se interesse por psicologia (sem termos técnicos), para quem morre de curiosidade em saber o que se passa nas consultas de psicoterapia, ou para quem gosta de reflectir sobre o comportamento humano.

E, last but not least, para quem domine línguas estrangeiras, pelo menos, enquanto não houver versão portuguesa.

13 de abril de 2012

Entrevista (7)

Extracto da entrevista dada à Joana Dias do Páginas com Memória:

Iremos ter mais livros seus versando este mesmo tema? Já existem planos para o próximo? Podemos saber algo sobre a figura histórica?

Sim, ficarei neste tema, nomeadamente, no século XII, a época de D. Afonso Henriques, a que mais me fascina. Interessa-me também o povo comum, pergunto-me que impacto tiveram nele acontecimentos como a Batalha de Ourique, a Conquista de Lisboa, ou mesmo o desastre de Badajoz. Felizmente, nos últimos anos, têm surgidos livros sobre a vida privada, como “Naquele Tempo”, do Prof.José Mattoso, ou a “História da Vida Privada em Portugal”, projecto em que participam vários historiadores. O meu próximo livro não terá uma personagem histórica, como principal (como aliás já aconteceu em A Cruz de Esmeraldas), mas alguém que se vê envolvido nos acontecimentos que se deram entre os anos 1138 e 1147. Foi uma época incrível, cheia de mudanças! É esse vibrar, essa espécie de revolução, que eu tenciono reavivar, porque, ao aprendermos a História, é tudo muito seco, do tipo: em 1139, deu-se a Batalha de Ourique; em 1147, D. Afonso Henriques conquistou Santarém e Lisboa. Apenas assim, como se estivesse tudo planeado. Não estava. As pessoas envolvidas não faziam ideia de como essas aventuras iriam acabar, nem sequer nos sarilhos em que se iam meter. Os movimentos que provocaram devem ter sido impressionantes. Imagine a Joana que vivia no Porto, em 1147, e que, um dia, começavam a chegar, ao cais da ribeira, naus cheias de cruzados! Apenas um pormenor, na História, que, no entanto, representou o mudar de vidas inteiras.

Ler a entrevista completa aqui e aqui.

12 de abril de 2012

Presunção e água-benta

A Teorema, chancela da Leya, tem vindo a passar por uma fase difícil, desde a saída, em 2010, do editor Carlos Veiga Ferreira, que criou a Teodolito. Agora, as editoras Maria do Rosário Pedreira e Carmen Serrano foram encarregadas de dar nova vida à Teorema, que lançará, até Setembro, 7 títulos, de novos autores portugueses e estrangeiros, aqueles autores que, segundo João Amaral, director-coordenador de edições gerais da Leya, “vão marcar a história da literatura do século XXI!

Hum... Não será isto pôr o carro à frente dos bois?
É que o século XXI vai ainda no início. E os autores que vão marcar a história da literatura neste período talvez ainda nem tenham nascido...

Via Blogtailors

11 de abril de 2012

Geraldo Sem Pavor


Daniel Nobre
          Geraldo Sem Pavor, um cavaleiro vilão originário de Santarém, era o homem do momento. Como guerreiro de fronteira, habituara-se a fossados anuais em terras de mouros. Depois de participar, na expedição comandada pelo filho do alcaide de Coimbra, em que Beja tinha sido ocupada e, depois, abandonada, Geraldo formara o seu próprio bando. Atacavam as fortalezas de noite, penetrando nelas por meio de escadas encostadas às muralhas. Estas ofensivas não se limitavam à Primavera e ao Verão, Geraldo não hesitava em dirigi-las nas estações frias, altura, normalmente, reservada a tréguas. E ia espalhando o terror pelas localidades mouras, somando êxitos nunca vistos, o que, por seu lado, lhe dava o estatuto de herói, junto das comunidades cristãs, que lhe deram a alcunha de Sem Pavor.
            Juntavam-se-lhe cada vez mais homens e Geraldo, não se contentando com as fortalezas mais pequenas, começou a atacar cidades. Em Outubro de 1165, espantou o reino ao conquistar Évora. Muitos dos barões do norte começaram mesmo a agourar que o prestígio daquele homem ensombraria o do próprio rei. Mas Geraldo Sem Pavor provou ser fiel ao monarca, ao entregar-lhe a sua conquista. Afonso viajou àquela cidade, satisfeito com as dimensões que o reino tomava. Recompensou Geraldo generosamente e outorgou foral a Évora, criando uma diocese, para a qual nomeou o respectivo bispo.
            Encorajado pelo apoio d’el-rei, tanto moral como materialmente, Geraldo começou a apossar-se de cidades que, segundo o tratado de Celanova, se considerava pertencerem à zona de influência de Leão. Embora a delimitação dos territórios a norte do Guadiana não fosse muito clara, muita da nobreza portuguesa receava a reacção do monarca leonês, perante a conquista de Trujillo, Cáceres e Montanchéz.

Não se conhece a verdadeira origem de Geraldo Sem Pavor e eu segui a hipótese dada pelo Prof. Mattoso, na sua biografia de D. Afonso Henriques (Temas e Debates 2007, porquanto o historiador sublinha tratar-se de uma mera hipótese: Pode-se imaginar, por exemplo, que Geraldo fosse um dos cavaleiros vilãos de Santarém - pág. 298).

As façanhas de Geraldo não eram vistas com bons olhos pelos barões do reino, que achavam que D. Afonso Henriques lhe devia travar as ambições. Aqui, mais um excerto do meu romance, em que D. Lourenço Viegas (filho do falecido D. Egas Moniz) e o alferes-mor D. Pêro Pais conversam com a jovem infanta D. Teresa:

Pêro Pais da Maia pertencia ao grupo dos descontentes e, já que o Espadeiro iniciara o assunto, o alferes-mor não se segurou e acabou por resmungar:
            - É uma insensatez, el-rei não pôr fim aos ímpetos de um bando de foras-de-lei!
            - Bem - atreveu-se Teresa a considerar, - Geraldo e o seu bando acabam por favorecer a coroa portuguesa. Só a conquista de Évora...
            - Não justifica tudo - interrompeu-a o alferes-mor. E, depois de uma hesitação, acrescentou: - Geraldo conquistou agora Juromenha e serve-se desse castelo como base para atacar Badajoz.
            - Badajoz? - admirou-se a infanta. - Uma cidade maior do que Coimbra?
            - E que fica a leste do Guadiana - lembrou Pêro Pais. - O assunto foi tratado com especial destaque em Celanova e D. Afonso prontificou-se a prescindir da cidade. Além disso, el-rei de Leão conquistou Alcântara, que fica lá bem perto. É certo que não reagiu às outras conquistas da zona, nem tão-pouco tenta recuperar os condados galegos de Toroño e Límia, que D. Afonso mantém em seu poder. Mas estou convencido de que a coisa mudará de figura, caso o leonês vir Badajoz em perigo.
            - É verdade - concordou Lourenço Viegas. - Há quem receie que D. Fernando assine um acordo com os próprios almóadas, a fim de melhor assegurar que Badajoz não caia nas mãos d’el-rei de Portugal.
            - Iria ele tão longe? - espantou-se a infanta.
            - Acordos entre reis cristãos e mouros não são nenhuma novidade - replicou Pêro Pais, irritado. - Havendo confluência de interesses, nada impede que se estabeleçam.
            - Se D. Fernando e os almóadas realmente se aliarem nesta causa - atalhou o Espadeiro, - sou da opinião dos meus pares do norte: ou D. Afonso põe fim às façanhas de Geraldo Sem Pavor a leste do Guadiana, ou, pelo menos, desliga-se dele.

D. Fernando II de Leão, genro de D. Afonso Henriques, estabeleceu, de facto, um pacto de defesa mútua com o califa de Sevilha, pelo que o rei mouro de Badajoz gozava da sua protecção. Quando o nosso primeiro monarca decidiu ir apoiar Geraldo Sem Pavor em Badajoz, na esperança de conquistar essa cidade, cometeu talvez o maior erro da sua vida, como veremos nos posts referentes ao Desastre de Badajoz.

9 de abril de 2012

Tratado de Celanova

D. Afonso Henriques, por Carlos Alberto Santos
Depois do falecimento de D. Afonso VII, imperador de toda a Hispânia, primo e rival de D. Afonso Henriques, a sua herança foi dividida pelos dois filhos: o mais velho tornou-se no rei D. Sancho III de Castela e o outro em D. Fernando II de Leão. Os dois irmãos tentaram apoderar-se de Portugal (ver Tratado de Sahagún), mas a morte precoce de D. Sancho III acabou por debelar este perigo.

Entregue a uma criança de três anos, o reino de Castela afogou-se em convulsões internas e D. Fernando II de Leão optou por se aproximar do monarca português. Os dois encontraram-se em Celanova, na Galiza, no Outono de 1160, a fim de assinarem um Tratado, que resolveria, igualmente, questões antigas, como a fronteira entre Portugal e Leão nos territórios ainda por conquistar, a sul do Tejo. 

- Exijo que anuleis o tratado de Sahagún! 
- Esse tratado morreu junto com o meu irmão - replicou D. Fernando II, com o seu ar indolente. 
- Definamos, então, os territórios mouros que cabem a cada um dos nossos reinos. 
O monarca leonês revirou a ponta do bigode: 
- Para isso, tereis que me restituir a cidade de Tui. 
Afonso respirou fundo: 
- De acordo. 
Os dois soberanos estavam reunidos na cidade galega de Celanova, naquele fim de ano de 1160. O português comprometia-se a respeitar as fronteiras a norte, o leonês a oeste. E estabeleceriam, enfim, a divisão das terras a conquistar aos infiéis, reconhecendo os direitos de Portugal nesta matéria.

Como já acordado em Zamora, estabeleceu-se usar o rio Guadiana como fronteira, embora alguns historiadores calculem que D. Afonso Henriques terá tentado garantir a cidade de Badajoz para si. 

Depois de uma curta reflexão, Afonso ousou propor: 
- Gostaria de abrir uma excepção com Badajoz. 
O outro monarca olhou-o espantado: 
- A que propósito?
- Como capital de um grande reino taifa, que incluía Lisboa, Alcácer do Sal e Évora, Badajoz, apesar de situada na margem esquerda do Guadiana, sempre fez parte do al-Gharb. Lisboa e Alcácer do Sal já me pertencem, Évora encontra-se na minha zona de influência. Sinto-me, por isso, no direito de considerar também Badajoz uma possível conquista minha.

D. Fernando II de Leão foi, porém, inflexível e, nove anos mais tarde, D. Afonso Henriques tentou conquistar Badajoz, o que lhe saiu bem caro, como veremos.

D. Fernando II de Leão
Um outro ponto estabelecido em Celanova foi o casamento de D. Fernando II de Leão com a filha mais velha do monarca português, a infanta D. Urraca. Esta união era polémica por dois motivos: primeiro, o parentesco entre os noivos era muito próximo; segundo, o sucessor de D. Fernando II, poderia, como neto de D. Afonso Henriques, reclamar, para si, o trono português. 

Os pormenores foram acertados, os escribas passaram-nos para o pergaminho e, quando Fernando II já dava a reunião por terminada, Afonso afirmou: 
- Gostaria de selar este acordo com um contrato de casamento. 
- Um contrato de casamento? - ecoou o rei leonês, olhando abismado para os seus conselheiros, que se revelavam não menos surpresos. 
- Não preciso de vos dizer que, com vinte e cinco anos, deveríeis cuidar de que vos nascesse o herdeiro. 
- Não me parece que seja assunto que vos diga respeito. 
- Depende. Se eu vos oferecer a mão da minha filha, já me diz respeito. 
D. Fernando mirou-o espantado, adoptando depois o seu ar sobranceiro: 
- Já alguma das vossas filhas atingiu idade casadoira? 
- Urraca, a mais velha, acabou de completar os doze anos, estará apta a contrair matrimónio daqui a dois.
O monarca leonês pôs-se pensativo, revirando a ponta do bigode e tornando a adoptar o olhar divertido e negligente. Os cabelos longos e lisos caíam-lhe impecáveis ao longo do rosto, espalhando-se por sobre os ombros. A certa altura, considerou: 
- Tendes razão: preciso de um herdeiro. Quando penso como o meu irmão Sancho morreu tão de repente... 
Não quis dar uma resposta definitiva sem antes falar a sós com os seus conselheiros, mas acabou por aceitar. Falou-se ainda no facto de ele e a infanta portuguesa serem primos em segundo grau, mas, sendo Portugal um reino sob a protecção da Santa Sé, não seria difícil obter uma dispensa papal.

Não se sabe de quem foi a iniciativa de propor este casamento e eu optei por dá-la a D. Afonso Henriques. Na minha opinião, ele não via grande perigo no facto de o futuro monarca leonês ser seu neto, pois, à data de assinatura deste Tratado, ele tinha quatro filhos varões: dois legítimos (os infantes D. Sancho e D. João, que faleceria ainda criança) e dois ilegítimos, filhos de D. Châmoa Gomes, que eram já valorosos guerreiros. D. Afonso Henriques não poria, assim, a hipótese de haver uma crise de sucessão em Portugal.

8 de abril de 2012

Pré-Publicação #6


Sentia dificuldade em serenar e concentrar-se nas orações, mas o treino acumulado nos últimos seis anos acabou por vencer. Rezar tornara-se-lhe num consolo, permitia-lhe alhear-se do mundo. A sua respiração acalmou, até ficar muito serena, sem vestígios da febre que a havia atingido.
Uma luz dentro de si deixava-a imune a sensações terrenas e dava-lhe a ver o núcleo da sua personalidade, nas profundezas da sua alma. Rezar permitia-lhe, sobretudo, encontrar-se consigo própria. Não com a pessoa que os outros viam, mas com o seu verdadeiro ser, que sentia rico, forte e criativo. Por isso, se perguntava se Deus era aquela luz que cintilava dentro de si. Talvez as pessoas procurassem Deus no sítio errado. Talvez Ele estivesse dentro de cada um, só que aniquilado, afogado em medos e vergonhas, preconceitos e crenças.

6 de abril de 2012

À espera da vida

 Mais um lindo pedaço de prosa de J. Rentes de Carvalho

"Pouco a pouco foi descobrindo que a vida, a sua vida, é uma longa espera. Tempo infindo esperou os namoros que não teve, os amantes que a arrebatariam de paixão, os beijos que não deu nem recebeu. Esperou as horas loucas que tantos vivem, e depois longamente contam, indiferentes à melancolia de quem os ouve.
Uma manhã deu-se conta de que esperava menos. A falar verdade teve o sentimento de que deixara de esperar, e estranhou, sentiu-se vazia, desorientada, como se tivesse perdido um hábito ou lhe faltasse um arrimo.
(...)
Aos pais, à irmã, e a duas pessoas por quem tinha amizade, escreveu a mesma carta, falando da sua desilusão e da tristeza de não ter compreendido a vida. Tinha trinta e dois anos. Foi  ontem o enterro."

5 de abril de 2012

"Publique" o livro do seu filho

Através do Bibliotecar, fui parar ao Educar para Crescer, um blogue brasileiro que dá "10 dicas para incentivar seu filho a ler". São conselhos muito úteis, como respeitar o ritmo da criança e seguir-lhe o gosto. Na verdade, mesmo que achemos que há livros melhores do que aqueles que a criança lê, tentar modificar-lhe os hábitos, à força, pode ter como resultado o efeito contrário: que ela deixe de gostar de ler! Respeitar o ritmo também é muito importante, mesmo que observemos que os filhos dos amigos já lêem melhor, ou que o nosso insiste em leituras que consideramos infantis demais para ele.

Há, porém, uma dica que sobressai de entre as outras e que achei maravilhosa: "publique" o livro do seu filho.

Proponha para o seu filho que ele faça o próprio livro. "As crianças gostam de criar histórias, viver personagens, imaginar paisagens", diz Maria Afonsina Matos, da Uesb. Primeiro, peça que ele tire fotos (e imprima-as) ou recorte figuras de revistas antigas. Depois, a partir das imagens, peça que ele escreva uma história. Ajude-o a criar uma capa para o livro e, por fim, coloque-o na estante, junto com outros livros. Que criança não adoraria ter um livro de sua autoria na biblioteca de casa?


Eu acho que pode ser uma experiência muito interessante, não só para os filhos, como também para os pais, que mostrarão com orgulho o livro à família e aos amigos. Mas não se esqueçam de focar que o autor é o rebento ;-)

3 de abril de 2012

Psicoterapia

"- O nosso comportamento quotidiano é permanentemente sujeito ao juízo social - diz o psicólogo - e, consequentemente, marcado pelo medo permanente da rejeição, que se baseia em...?
- No medo do isolamento, da solidão - diz Jennifer.
- Sim - diz o psicólogo, - e o medo do isolamento baseia-se em quê?
- No medo da morte? - pergunta Jennifer.
- De facto. A rejeição leva ao isolamento e o isolamento significa a morte, tanto física, pois um recém-nascido abandonado morre no espaço de 48 horas, como psicológica, pois o humano é um ser social. E é aqui que reside o segredo da psicoterapia: aceitação, verdadeira aceitação, que nada exige em troca; aceitação completa do paciente; verrugas, defeitos e feridas inclusive. Uma tal aceitação afasta o medo da morte, mesmo que por um bocadinho, pela duração da terapia, como o foco de uma pilha sossega quem se vê rodeado de escuridão, sem que anule essa escuridão. A aceitação permite ao paciente descansar, dá-lhe tempo e espaço, onde ele se pode sentir intensamente, analisar os problemas de maneira neutra, ver-se por dentro e ver o que se passa à sua volta, organizar o seu Ser, afinar os seus instrumentos, fazer soar a nota certa. Uma tal aceitação é o elixir de uma terapia, a sua componente activa."

The good psychologist, de Noam Shpancer (traduzido da versão alemã).



Publicarei brevemente a minha opinião sobre este livro.

2 de abril de 2012

Pré-publicação #5


Arrependia-se, agora, de não ter falado sobre o assunto com a física sábia. Mas sempre pensara que esse aspecto da sua vida estava morto e enterrado, que não havia necessidade de o abordar. Notava, agora, que tudo o que se vivia, jamais desaparecia. Acreditar que se podia esquecer os piores momentos, que se podia ignorá-los, fazendo de conta que não haviam existido, era pura ilusão. Eles fariam sempre parte da vida de cada um.
«Somos o nosso passado», murmurou, para si própria. O presente só nos pertencia quando se tornava passado. Tudo aquilo de que tomávamos consciência, já passara. Talvez o presente nem existisse, apenas passado e futuro.
«E o futuro ainda não somos. Somos o nosso passado...»

1 de abril de 2012

Encontro Livreiro

Pedro Vieira

No passado dia 25 de Março, na livraria Culsete, em Setúbal, teve lugar o III Encontro Livreiro, com a presença de vários escritores e outras personalidades do mundo editorial. Soube, em cima da hora, que quem não pudesse lá estar, poderia enviar uma mensagem por email, subordinada ao tema do Encontro: Esperança no Futuro da Leitura, do Livro e da Livraria.

O blogue da livraria Culsete tem vindo a publicar as mensagens enviadas e intitularam a minha com uma das frases: «Eu tenho muita esperança no futuro da leitura e do livro, penso que nunca se parará de ler». Chamei, no entanto, a atenção para a mudança que se está a verificar, que, na minha opinião, modificará o conceito de livraria. Quem quiser ler a mensagem, só terá de seguir o link.