Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de abril de 2021

O assassinato nunca prescreve ("Mord verjährt nie")

 

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No passado dia 17 de Abril, o canal alemão ZDF transmitiu um policial sobre a tentativa de resolução de um assassinato acontecido há trinta anos ("30 Jahre", no texto em baixo).

 

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Tratava-se de um telefilme, mas, na Alemanha, investigações deste tipo não são ficcionais. O assassinato nunca prescreve. Sobretudo, quando existem meios de identificar um assassino, mesmo passada uma eternidade sobre o crime (como a descodificação do ADN). Já em Portugal, não se investiga um assassinato que tenha ocorrido há quinze anos ou mais. Porque, se os crimes não prescrevem, a possibilidade de instauração ou continuação de um processo penal ou ainda, noutros casos, a execução da sanção aplicada, prescrevem.

 

Vem isto a propósito de mais um policial de Mario Lima, o pseudónimo de um escritor alemão que vive em Portugal e do qual já por duas vezes falei aqui. Neste seu terceiro livro, cujo título Die Mauern von Porto é um pouco difícil de traduzir (talvez “Emparedadas no Porto”), ele ocupa-se precisamente com a prescrição de um assassinato.

 

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Um incêndio num prédio do Bairro da Sé, mais precisamente, na Rua da Bainharia, provoca estragos numa casa ao lado, vazia há várias décadas. Bombeiros e polícia penetram na casa, a fim de melhor avaliarem os estragos e, na mansarda, deparam com uma parede que, tudo indica, foi levantada à pressa e não tem qualquer passagem para o resto da divisão. Resolve-se mandar deitar a parede abaixo e surgem dois esqueletos, um deles ainda com restos de roupa.

 

A PJ é acionada e os exames de peritagem revelam tratar-se dos restos mortais de duas mulheres, mais precisamente, de uma adulta e de uma jovem de treze ou catorze anos. Porém, quando a equipa do inspector Fonseca se prepara para investigar o caso, a peritagem revela ainda que, apesar de os restos mortais indiciarem morte violenta, o crime terá acontecido há cerca de vinte anos. É um duro golpe, principalmente, para as duas investigadoras da equipa, que logo suspeitam que se trataria de mãe e filha e são firmes no pressuposto de que a culpa nunca prescreve.

 

Nunca me tinha ocupado do assunto e confesso que não sabia que um assassinato prescreve ao fim de quinze anos. O que são quinze anos? Nada! Neste livro, através de uma agente que é inserida na equipa do inspetor Fonseca depois de ter trabalhado no departamento de combate à corrupção, o autor aflora ainda a prescrição de crimes de corrupção, alguns já ao fim de dois anos, assim como o enriquecimento ilícito de pessoas à frente de uma Fundação. E não é esquecido o facto de estas leis favorecerem os poderosos e os ricos, que, além de terem influência, estão em condições de contratarem advogados capazes de protelarem a investigação, até que os crimes prescrevam. Como se vê, Mario Lima aborda um tema bem atual. Já por isso, se aconselha a tradução deste seu livro.

 

À equipa do inspetor Fonseca vai ser dada enfim a possibilidade de encontrar o culpado, pois um crime perpetrado há um tempo não tão longo assim despoleta acontecimentos fatais. O assassino fica nervoso com a descoberta dos esqueletos das suas vítimas. E há quem ainda não tenha digerido o desaparecimento de duas familiares, embora lhe tenha sido dada uma explicação plausível para a ausência delas. Porém, há sempre dúvidas que não se esclarecem, causando discussões, chantagens. E, numa hora de aperto, um assassino bem pode cometer novo crime...

 

Excelente policial de Mario Lima, que criou uma bela equipa de investigadores da PJ e que, como de costume, descreve na perfeição a atmosfera da cidade do Porto.

25 de abril de 2021

Uma bomba a iluminar a noite do Marão


 

A 2 de abril de 1976, o padre Maximino Barbosa de Sousa (conhecido por padre Max), de trinta e três anos, e a estudante Maria de Lurdes Correia, de dezanove, foram assassinados com uma bomba colocada no carro do sacerdote. Os dois regressavam a casa, depois de terem dado aulas noturnas, na Cumieira (Santa Marta de Penaguião).

Os principais suspeitos deste crime foram agentes do Movimento Democrático de Libertação de Portugal, um grupo terrorista de direita do tempo do PREC, mas, num julgamento de 1999 (!), não foram feitas condenações por falta de provas concretas.

O padre Max era candidato pela UDP às eleições de 25 de abril de 1976, o que incomodava muita gente em Vila Real e região adjacente, predominantemente de direita. Além de professor no liceu da capital de distrito, o padre Max dava aulas noturnas, gratuitas, em várias aldeias, ajudando muitos jovens sem posses a alargar as suas habilitações para lá do ensino primário. Também a estudante Maria de Lurdes Correia dava aulas e explicações, em regime de voluntariado.

O padre Max era popular entre a juventude da zona, entusiasmando muitos com as suas ideias políticas, o que não agradava aos poderosos, nem à maior parte dos habitantes de índole muito conservadora. O facto de ele se fazer acompanhar frequentemente por raparigas estudantes, que o ajudavam nos seus projetos de alfabetização, também era motivo de crítica e de suspeita. Logo a seguir ao atentado, se ouviram rumores de que ele teria uma relação com Maria de Lurdes Correia, estando ela inclusive grávida, e o assassino seria um namorado, ou ex, da jovem. Tentava-se assim empurrar o assassinato para o lote dos crimes passionais. Estes rumores levaram à exumação do corpo de Maria de Lurdes, provando-se que não só a gravidez era infundada, como a jovem era virgem!

Depois do julgamento de 1999, e (supostamente) não havendo provas, o processo foi arquivado. Daniela Costa pega nos factos para criar um enredo que tente explicar o que realmente se passou. Como diz o texto da contracapa: «a chuva, a bomba, a morte e a noite no Marão são factos. A narrativa é uma hipótese».

Este livro é um marco importante contra o esquecimento.


23 de abril de 2021

Afinal, quem fundou a Universidade?

  

A editora Clube do Autor publicou, há cerca de um mês, um romance histórico com o título “A Herança de D. Dinis”, de Maria Antonieta Costa. No texto promocional, pode ler-se:

O testamento de D. Dinis é a prova de que o monarca alcançou uma riqueza extraordinária. Como teria sido possível acumular tantos bens em apenas vinte e cinco anos, o tempo do seu reinado, entre 1299 e 1325?

A segunda frase é extremamente infeliz. Dela se depreende que o reinado de D. Dinis durou apenas vinte e cinco anos, iniciando-se em 1299. Sendo assim, gostaria de perguntar aos responsáveis por estas linhas (que, segundo a autora, fazem parte do texto da contra-capa), qual o monarca responsável por nada menos do que sessenta cartas de foral concedidas entre 1279 e 1298; quem presidiu às Cortes reunidas por quatro vezes, entre 1285 e 1291 (Lisboa 1285, Guimarães 1288, Lisboa 1289, Coimbra 1291); quem fundou a cidade de Vila Real em 1289; quem fundou o Mosteiro de Odivelas em Fevereiro de 1295; quem assinou o Tratado de Alcanices, a 12 de Setembro de 1297, no qual se definiram as fronteiras definitivas entre Portugal e Castela.

E afinal, quem fundou a Universidade, em 1290?

O reinado de D. Dinis durou quase quarenta e seis anos. Iniciou-se a 16 de Fevereiro de 1279, data da morte de seu pai D. Afonso III, e findou a 7 de Janeiro de 1325, com a sua própria morte. Seria demais pedir maior rigor, ao escrever sobre romances deste tipo?

 

Nota: gostaria de salientar que, antes da publicação de um livro, a editora mostra a contra-capa ao escritor, que pode solicitar alterações ao texto.

21 de abril de 2021

Memórias de Dona Teresa - excertos (1)

 

«Em pequena, poucos momentos de liberdade tive, desde cedo confinada ao recolhimento, à oração, aos bordados e outros lavores. Raramente ousava correr como um moço pelos montes do Bierzo, com a minha melhor companheira, uma cadela, da qual me contaram eu me ter afeiçoado com apenas três anos, sendo a bicha ainda cachorra. Dei-lhe o nome de Loba e asinha me ultrapassou em altura, pois era de raça pastora. Impunha respeito, mas foi sempre mui branda comigo, seguindo-me para todo o lado. Quiçá sentia que eu houvesse mister de amparo e, não tendo rebanho para cuidar, a mim se dedicou.

Torno a descer as pálpebras, a fim de volver a essa infância e me confortar no olhar da cadela, que me dava tudo o que buscava: compreensão, afeto, fidelidade. A Loba consolava-me nos dias mais amargurados e solitários, curava-me o corpo e a alma doridos das tareias e dos ralhos, que me quebravam a alegria de viver».

 


 À venda na livraria online da Poética:

 https://poeticalivros.com/collections/ficcao/products/memorias-de-dona-teresa

 

19 de abril de 2021

Capitães da Areia


 

Trata-se de um clássico de Jorge Amado e, por isso, de qualidade inegável. Não obstante, irei fazer algumas críticas.

Mas vamos, primeiro, aos elogios. O maior de todos é o tratamento literário de um tema raro, apesar de relevante: as crianças que vivem na rua. Todos lamentamos haver sem-abrigo, porém, costumamos pensar apenas em adultos. Quando esses sem-abrigo são menores entregues a si mesmo, o caso torna-se ainda mais grave. Escusado será dizer que crianças, nesta situação, só sobrevivem recorrendo ao roubo ou à vigarice, pelo menos, em certos países. Estes expedientes tornam-se uma forma de vida, as crianças e os jovens crescem na convicção de que é, de alguma maneira, legítimo roubar quem tenha mais do que eles. Escusado será dizer que, uma vez adultos (se lá chegarem), não terão noção do que é, ou não, errado.

Jorge Amado também é muito claro na sua mensagem: a crueldade destas crianças surge, não só por uma questão de sobrevivência, mas também porque não conhecem o amor, o carinho, uma família que as ampare e as faça sentir gente. Sendo assim, os métodos considerados de correção, baseados na violência e na tortura, em vez de corrigirem, provocam o contrário, pois semeiam a revolta e o desejo de vingança. A descrição do orfanato, para onde se enviam estas crianças, caso caiam nas mãos da "justiça", é quase insuportável. Penso ser esta uma mensagem importantíssima, também para outras situações da vida: a violência gera revolta e crueldade. Só o amor cura e educa!

Gostaria ainda de referir haver um padre bom, neste romance, na verdade, a única pessoa que realmente tenta ajudar os rapazes, apesar da crítica à Igreja Católica enquanto sistema.

Agora, duas críticas minhas à obra:

- Penso ser uma pena este livro se concentrar quase exclusivamente nas crianças-rapazes. Melhor do que nada, dirão alguns. É verdade. Mas a mocinha que, a certa altura, surge a partilhar o destino dos Capitães da Areia, não pode representar o destino abrangente de meninas na sua situação. Ela é protegida por dois dos rapazes, ou seja, não é violada (embora muitos deles assim o desejem), nem cai na prostituição, a fim de ganhar dinheiro, como é o destino mais comum. Por isso, este livro não descreve, de maneira nenhuma, a vida de meninas de rua.

- O tom do livro não é constante. Faço esta crítica apenas por se tratar de um autor, por muitos considerado ter sido digno de um Nobel. "Capitães da Areia" oscila entre literatura juvenil e literatura de adultos. O tom varia, por vezes, de capítulo para capítulo, ao ponto de o leitor se perguntar se está a ler sempre o mesmo livro (pelo menos, assim me aconteceu). Esperava mais coerência de um nome com o peso de Jorge Amado.

7 de abril de 2021

O meu animal e eu

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A forsythia, ou forsítia, anuncia a Primavera, na Alemanha. Floresce cedo, num amarelo vivo, fazendo lembrar a luz do sol e dando cor a uma paisagem ainda despida. É um arbusto abundante, por aqui, pois aguenta frio, neve e gelo, mas também calor e alguma falta de chuva, no verão.

Temos algumas forsítias no nosso jardim. Esta, ainda pequena, tem um significado especial para nós: as cinzas da nossa cadela Lucy foram espalhadas à sua volta, debaixo das pedrinhas. E lembrei-me de um texto que escrevi em alemão, sobre a Lucy, cerca de dois meses antes da sua morte. Foi escrito com a intenção de participar num passatempo organizado pelo jornal local de Stade, no verão de 2019, intitulado Mein Tier und ich (“O meu animal e eu”).

Vivíamos uma altura difícil, em que prescindíamos voluntariamente de coisas que gostaríamos de fazer, mal sabendo que, num futuro próximo, seríamos obrigados a prescindir de muito mais. Infelizmente, acabei por me distrair com o prazo e não cheguei sequer a enviar o texto.

Fui agora procurá-lo, já nem me lembrava bem do que tinha escrito. E resolvi traduzir para português as palavras gravadas a 11 de agosto de 2019, quando, apesar das restrições que nos impúnhamos, ainda íamos ao restaurante, visitávamos parentes e amigos e atuávamos com o nosso coro:

«A nossa Lucy tem 15 anos e 9 meses, está surda e quase cega. Mas isto nem é o pior. O coração dela está muito enfraquecido, o que lhe provoca desmaios. Estes podem acontecer a qualquer momento, também a meio da noite e, por vezes, fazem-na ganir alto, acordando-nos em sobressalto.

A Lucy tem, porém, ainda qualidade de vida. Recuperada dos desmaios, readquire a sua alegria habitual. Come muito bem, não prescinde dos seus pequenos passeios e continua interessada em tudo o que se passa dentro de casa.

Estamos muito presos, nem sequer podemos sair nas férias. A Lucy já não aguentaria uma viagem e, deixá-la aos cuidados de alguém, está fora de questão. Ela veio para nossa casa com apenas oito semanas de vida, não conheceu outra família. Além disso, a sua situação exige cuidados especiais. Os comprimidos têm de ser dados a horas certas, os seus desmaios não são fáceis de aguentar e, como toma um diurético, a fim de não acumular líquido nos pulmões, a bexiga funciona com frequência. Tem de se conhecer muito bem o ritmo dela e andar muito atento.

Antigamente, a Lucy era uma cadelinha muito activa e acompanhava-nos nas férias. Conhece meia Europa, viajou muitas vezes de carro entre a Alemanha e Portugal. Mas também nos acompanhou noutros passeios: caminhadas no Parque Nacional do Harz, no vale do Rio Mosela, pelos montes luxemburgueses, além de várias vezes ter andado no ferry-boat do Lago Constança entre a Alemanha, a Suíça e a Áustria.

Agora, que nada disto é possível, não a deixamos sozinha e tentamos tornar-lhe tão agradável quanto possível o tempo que lhe resta. Na sua fragilidade, ela confia totalmente em nós. E uma confiança destas não deve ser nunca traída».

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1 de abril de 2021

Diz que é a mais antiga do mundo...

… mas é a prostituição uma profissão? É o serviço sexual comparável a outro tipo de serviço? O princípio que justifica a existência do negócio do sexo é medieval: a aceitação de um mal necessário. De um lado, as mulheres “puras”, com a função de serem esposas e mães; do outro lado, as meretrizes, que se usam para não se “fazer mal” às primeiras. Sinceramente, como pode uma sociedade que apregoa a igualdade conviver pacificamente com tal discriminação?

De há uns anos para cá, tenho formado uma opinião sobre este assunto, que se confirmou, depois de ter visto um documentário transmitido pelo 3sat, um canal público alemão ligado ao ZDF, dedicado à cultura, ao documentário e ao debate de temas sociais (excluindo os fait-divers políticos e desportivos). Nesse documentário, comparava-se o sistema alemão, que legalizou a prostituição em 2002, com o sueco, que proibiu, em 1999, a compra de serviço sexual. Dizem os suecos que a prática da prostituição não é compatível com a dignidade humana.

Prostitutas inscritas na Segurança Social, com direito a serviço médico, subsídio de desemprego e reforma - que maravilha! A sociedade fica descansada, considera resolvido um problema tão incómodo. A realidade, porém, é muito diferente. A Alemanha tornou-se num verdadeiro centro de tráfico humano, as mulheres circulam por toda a Europa, tornaram-se num produto de compra e venda entre os donos dos bordeis.

Das cerca de 400.000 pessoas que se prostituem (um número que se calcula e cuja esmagadora maioria são mulheres), apenas 40.400 estão legalizadas. Passados quase vinte anos sobre a aprovação da lei, 90% das prostitutas na Alemanha continuam desprovidas de Segurança Social e de qualquer tipo de direitos e apoios. Não exercem a actividade por escolha própria e são mantidas à custa de muita violência, qualquer tentativa de desistência é resolvida com espancamentos e/ou chantagens. Muitas dessas mulheres nem sequer sabem falar alemão, vêm do Leste europeu pela mão de traficantes, não conhecem os seus direitos, os bordeis onde trabalham não estão legalizados, são exploradas e violentadas. Vêem-se num beco sem saída, não sabem a quem pedir ajuda e acabam por quebrar ao ponto de nada lhes interessar, de nem sequer saberem se querem desistir ou continuar. Sentem-se lixo.

As prostitutas que escolhem a sua profissão e a exercem, muitas vezes, por conta própria, é uma minoria irrisória. As assistentes sociais que lidam com o problema resumem a questão da seguinte maneira: 50% das prostitutas são viciadas em droga e sujeitam-se para pagarem o vício; a outra metade são raparigas e mulheres com um historial de abusos desde a infância, vidas cheias de violência e/ou de pobreza extrema. Jovens nesta situação são muito fáceis de manipular e acreditam nos traficantes, que lhes garantem uma mudança de vida num país rico.

Os clientes, por seu lado, não estão interessados em saber se a prostituta o faz obrigada ou por vontade própria. Eles não fazem ideia do que as mulheres sofrem, nem da complexidade das suas vidas. Pagam por um serviço e sentem-se no direito de o exigir.

Os suecos apostam numa mudança de mentalidades. Na verdade, eles não criminalizaram a prostituição, mas sim a compra do serviço sexual e os donos dos bordeis. Ou seja: a prostituição não é ilegal, mas pagar para ter sexo já o é. Não é a prostituta que comete a ilegalidade, mas sim o cliente, é sobre ele que a lei actua.

Sob o pressuposto de que a prostituição não combina com a dignidade humana, a Suécia aposta numa educação social que considera errado comprar serviço de sexo. Ao mesmo tempo, financiam-se programas que permitem às mulheres mudarem de vida. Nos últimos vinte anos, a prostituição de rua reduziu para metade  e muitos traficantes passaram a evitar este país. Além disso, as assistentes sociais e outras pessoas que apoiam prostitutas e que difundem este novo tipo de educação social (também homens, claro) sentem a mudança das mentalidades e estão convencidas de que a situação continuará a evoluir nesse sentido.

Um ginecologista que colabora com uma instituição de apoio a prostitutas, na cidade alemã de Mannheim, confirmou que as mulheres estão sujeitas a muita violência, a vários tipos de doenças e obrigadas a práticas inaceitáveis. Um ex-inspector da Polícia Judiciária Alemã (Kriminalpolizei), que tinha a seu cargo a investigação do tráfico humano, declarou que é impossível separar este da prostituição e frisou que as mulheres não são vistas como seres humanos, mas como mercadorias oferecidas ao cliente, conforme os gostos deste, além de compradas, vendidas e trocadas entre os donos dos bordeis.

Na Alemanha, há quem lute para que o país adopte o modelo sueco, pois considera que o Estado, ao legalizar a prostituição, está a dizer ao homem que ele tem direito a comprar serviço sexual. A prostituta é estigmatizada, o cliente não (é este pressuposto que os suecos pretendem inverter). A prostituição é extremamente desgastante do ponto de vista físico e psicológico. Ex-prostitutas mostram sintomas semelhantes aos traumatizados de guerra: tendem a depressões, pesadelos, e são praticamente incapazes de fazer uma vida normal.

O documentário encerra com a declaração da deputada do SPD Leny Breymeier: por mais que falemos de igualdade, de participação e capacitação das mulheres em todos os sectores sociais, a nossa sociedade nunca será igualitária, enquanto os homens se sentirem no direito de comprar uma mulher.

 

Nota: o documentário foi rodado em tempo de pandemia, mas os dados reportam-se à era pré-Covid. Apesar do confinamento, continua naturalmente a existir prostituição, mas, sendo ainda mais clandestina, torna-se mais difícil de controlar pelas autoridades e pensa-se que a situação das mulheres piorou.

No caso de passar por aqui alguém que saiba alemão e estiver interessado no tema, pode ver o documentário no seguinte link:

https://www.3sat.de/wissen/wissenschaftsdoku/210304-prostitution-wido-104.html

 

Texto originalmente publicado aqui.