Península Ibérica - um caso único na Europa medieval
Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
"O automóvel arrancou. Subitamente, em pânico, percebeu que vinha na sua direcção, que a ideia era esmagá-la contra a parede (...) Teresa apressou o passo, quase a correr. Ouviu as portas do automóvel baterem, dois homens vieram na sua direcção, um outro ficou dentro do automóvel que se movia agora devagar, sempre na sua direcção. Os dois homens alcançaram-na. Deitaram-na ao chão. Teresa caiu de costas e eles ficaram em cima dela a espancá-la. Disseram-lhe: «Isto é para aprenderes a não escreveres como escreves» (...) Teresa sentiu que tinha a cabeça aberta atrás e à frente, havia sangue e um prenúncio de várias dores no corpo. Um vizinho do bairro começou a subir a rua, gritou, pensava que eram ladrões. Os dois homens aperceberam-se da sua presença e entraram no automóvel. O trabalho estava feito (...) Teresa foi para o Hospital de Santa Maria de táxi com o vizinho (...) Fez radiografias, levou uma série de pontos na cabeça. Tinha o corpo coberto de hematomas, as pernas e os braços com escoriações" (pp. 220/221).
Isto aconteceu em plena Lisboa, no ano de 1971. O que a poetisa em questão escrevia? Poemas eróticos.
Quem deseja regressar aos tempos pré-revolução de Abril, bem pode ir para o Irão, ou o Afeganistão, ajudar os talibãs.
Há muito que não escrevo sobre as minhas leituras. Vou tentar recuperar esse tempo, começando com Elena Ferrante e a sua tetralogia napolitana, à volta da amizade entre Lenú e Lila.
Já aqui tinha expressado a minha opinião sobre os dois primeiros volumes: A Amiga Genial e História do Novo Nome. Sobre o primeiro, dizia eu:
"Lila é dominante, sempre à espera que os outros lhe façam as vontades e nunca perde a pose, mesmo que caia no ridículo; já Lenú tem pavor do ridículo, é do género submisso, deixa-se guiar e manipular pela amiga, invejando-a, ao mesmo tempo. Entre as duas desenvolve-se uma estranha dinâmica que as torna inseparáveis."
E sobre o segundo:
"Haverá quen tenha dificuldades em apreciar o estilo de escrita de Elena Ferrante, que conta ao pormenor situações quotidianas. Mas é precisamente isso que me encanta. As frustrações e os rancores criam-se nessas ações consideradas normais e que passam despercebidas. Ou melhor: esforçamo-nos para que passem despercebidas, menorizando a sua importância. No entanto, são elas que nos moem por dentro e nos levam a tomar atitudes estranhas a nós próprias (e próprios)."
Elena Ferrante põe-nos, de facto, em contacto com a vida real, numa escrita crua, sem poesia. As suas personagens, mulheres e homens, não se dividem entre boas e más, todas estão marcadas pelas disfuncionalidades de um bairro pobre e caótico, na Nápoles da segunda metade do século XX. A própria amizade, iniciada na infância, entre as duas mulheres, à volta das quais se centra o enredo, deixa muitos amargos de boca, por vezes até nos exaspera. A saga, porém, não se resume às suas peripécias. Este é igualmente o retrato do Sul de Itália, onde não faltam a pequena máfia de bairro e as lutas entre fascistas e comunistas, que incendiaram a década de 1970.
Passo, então, ao terceiro e quarto volumes:
Depois de Lila conseguir livrar-se de um casamento tóxico, cai em desgraça e vê-se na miséria, com uma criança nos braços, ao contrário do ex-marido, que leva a sua vida por diante, sem se preocupar com o filho e sem que ninguém estranhe que leve outra mulher para sua casa. Por seu lado, Lenú sai de Nápoles, tira um curso superior e faz um casamento dentro do elevado meio académico. Mas não se livra do seu passado. O reencontro com a sua paixão de infância e juventude é fatal. E, apesar de apenas ela haver realizado o sonho partilhado entre as duas, tornar-se uma escritora de sucesso, continua a sentir-se inferior à amiga. A simples ideia de que Lila escreveria livros melhores, se tivesse tido oportunidade de optar por essa via, fá-la duvidar de si própria. A dinâmica estranha existente entre as duas atinge níveis absurdos. Também por causa de um homem...
O final da saga é difícil de digerir. Um acontecimento trágico deixa-nos com um nó na garganta. A isso se soma o envelhecimento e a desilusão. Pertencer a uma casta privilegiada não salva de um fim de vida amargo e solitário. Amores desencontrados, constatar haver pessoas capazes de nos enganarem quase uma vida inteira, porque não vimos o óbvio (ou não quisemos ver?). E a interessante pergunta: se, numa dada altura da nossa vida, não se tivesse dado determinado acaso, teríamos sido pessoas diferentes? Melhores? Elena Ferrante mantém-se fiel à sua premissa de nos pôr em contacto com a vida real. Sem paninhos quentes, nem finais telenovelescos. Tão-pouco nos mostra heróis e heroínas, vilãs e vilãos, gente boa e má. Todos temos um pouco de uns e de outros, dentro de nós.
Esta saga é uma obra magnífica.
Dois livros, alguns excertos.
O primeiro livro:
“As crianças do 25 de Abril foram expostas à pornografia antes de saberem como se faziam bebés (…). A despontarem para a vida, viviam numa espécie de terra de ninguém, pela qual não se encontravam responsáveis. Pairavam no vazio formado entre o culto da liberdade sem limites e a crença salazarista mantida pelas mães e avós de que Portugal era um país mais temente a Deus, de melhores costumes, um oásis de santidade perante um estrangeiro devasso”.
“Ainda apática, saída de um mundo desprovido de sexo, um mundo em que os genitais eram porcos, males necessários para se expelirem os detritos do corpo, ela espantava-se com os cartazes e os títulos sugestivos das películas em cena no Sá da Bandeira, um verdadeiro templo da arte pornográfica, enquanto esperava pelo autocarro”.
“Sentindo-se impotentes perante o fenómeno e na sua tentativa desesperada de a manter agarrada às antigas convenções, os pais empurravam-na para uma dualidade de comportamentos, criavam a cultura do fingimento: a nossa casa é uma coisa e o mundo lá fora é outra. Dentro de casa, é feio falar de sexo; lá fora, o sexo é exibido em todo o lado. No meio, ficava o vazio, a tal terra de ninguém, (…) o fosso, que se cavava cada vez mais fundo”.
E o segundo livro:
“Nada, nem a inteligência, nem os estudos, nem a beleza, contava tanto como a reputação sexual de uma rapariga, o mesmo é dizer o seu valor no mercado de casamentos, onde as mães, seguindo o exemplo das suas próprias mães, se armavam em guardiãs".
“Ao sábado, em fila, casavam as raparigas de véu branco, que davam à luz seis meses mais tarde uns rapagões considerados prematuros. Presas entre a liberdade de Bardot, o gozo dos rapazes a dizer que ser virgem era doentio, as recomendações dos pais e da Igreja, não tínhamos escolha".
“Os discursos e as instituições estavam atrasados em relação aos nossos desejos, mas o fosso entre o dizível da sociedade e o nosso indizível parecia-nos normal e irremediável".
O primeiro livro é de minha autoria: A Revolução da Verónica. Nunca me tinha acontecido sentir tão grande afinidade com um escritor, ou escritora. O mais interessante é que, quando comecei a ler o livro alheio, não o achei muito promissor.
Não comparo a qualidade da escrita. Aí, sinto-me como São João Baptista: não sou digna de lhe apertar as sandálias. Está em causa a comunhão de pensamentos, a complementação de ideias. E a escolha de palavras. Como “o fosso”. “Cada vez mais fundo”, num caso; “normal e irremediável”, no outro. Encaixam como duas peças de Lego.
Nota: plágio de ideias (da minha parte, claro), está fora de questão. Comecei a ler Os Anos, de Annie Ernaux, pela primeira vez, há dias. Por seu lado, A Revolução da Verónica existia há muito tempo, na minha gaveta. Na verdade, tentei, sem sucesso, publicá-lo por ocasião do 40º aniversário da Revolução de Abril. Acabou por acontecer apenas dez anos mais tarde.
A 10 de Setembro de 1964, chegava à estação de Colónia, na Alemanha, o português Armando Rodrigues de Sá, de 38 anos, natural de Vale de Madeiros, distrito de Viseu. Como muitos outros, que partiam à procura de melhores condições de vida, era um homem simples e tímido. Não desejaria, decerto, tornar-se no centro das atenções, num país desconhecido. Mas os altifalantes da estação anunciaram o seu nome, uma multidão, que incluía autoridades, cercou-o, bombardeando-o com numa língua imperceptível, uma banda de música começou a tocar. Sem ainda bem saber o motivo para tal balbúrdia, passaram-lhe um ramo de flores para a mão e ofereceram-lhe uma motorizada Zündapp.
Quis o destino que Armando Rodrigues de Sá fosse o milionésimo Gastarbeiter (“trabalhador convidado”, um eufemismo para “imigrante”), na sequência do Gastarbeiterprogramm, criado pelo Governo da República Federal da Alemanha, nos anos 1950, a fim de colmatar a escassez de mão-de-obra na reconstrução do país. A Itália foi, em 1955, a primeira nação com quem os alemães estabeleceram um acordo de recrutamento bilateral. Seguiram-se a Grécia e a Espanha (1960), a Turquia (1961), Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e a antiga Jugoslávia (1968).
A fim de se assinalarem os 60 anos da comunidade portuguesa neste país, o Grupo de Reflexão e Intervenção – Diáspora Portuguesa na Alemanha organizou uma exposição itinerante, inaugurada durante a festa portuguesa de Heinsberg, a 7 de Abril passado. Os vinte cartazes que compõem a exposição abordam tópicos históricos como os conteúdos do acordo bilateral entre os dois países, a chegada do milionésimo trabalhador convidado Armando Rodrigues de Sá, as péssimas condições de vida e de trabalho dos primeiros emigrantes portugueses, o surgimento das primeiras associações portuguesas na RFA, o trabalho social da Caritas, das missões portuguesas e dos sindicatos alemães (informações obtidas no jornal Portugal Post, edição de Abril passado).
Também um livro foi agora publicado, com a chancela da Oxalá Editora (editora portuguesa na Alemanha), liderada por Mário dos Santos, que, em 1993, criou igualmente o Portugal Post, o único jornal português neste país. Há uns anos, o jornal mudou de mãos, sendo o seu diretor atual Tiago Pinto Pais.
Nas palavras da editora, “este livro é uma homenagem aos portugueses que fizeram da Alemanha o seu país de adoção, ou seja, a sua terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro. São 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada a este país”.
Foi-me concedido o privilégio de fazer parte deste livro. A editora deu-nos algumas orientações, por exemplo, indicar as razões de saída de Portugal, qual foi a nossa primeira impressão da Alemanha, o que mais estranhámos, o que mais apreciámos, se alguma vez pensámos em regressar por não sermos capazes de continuar aqui, que relação temos hoje com Portugal, se pensamos permanecer aqui para sempre…
Certas coisas custaram-me mais a passar para o papel do que esperava, coisas em que evitamos pensar:
“As minhas raízes estão em Portugal, foi lá que nasci e cresci, o português é a minha língua materna. Por outro lado, já vivi na Alemanha mais tempo do que no meu país (…) Como nós emigrantes sabemos, chega-se a uma altura em que o nosso país, e quantas vezes a própria família, nos considera estrangeiros (…) Ficamos sem saber onde pertencemos (…) Sendo jovens, temos tendência para ver [a emigração] como uma aventura aliciante, sem fazer ideia de que, a partir do dia em que passamos a fronteira, nada mais tornará a ser como dantes”.
Não deixa de ser simbólico que o imigrante “um milhão” na Alemanha tenha sido português. No grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros que seguiam naquele comboio, apenas 173 eram portugueses. Os restantes 933 eram espanhóis. Mas foi Armando Rodrigues de Sá o escolhido, à sorte, na lista dos passageiros. Destino. Ou fado, pois claro.
A Öko-test e a Stiftung Warentest são duas instituições alemãs independentes que fazem inúmeros testes aos mais variados produtos. Há décadas que sigo os resultados, nomeadamente, os dos produtos de beleza, pois servem-me de orientação para as compras. E permitem-me poupar muito dinheiro.
Recentemente, dei conta de resultados parciais da Öko-test em relação a amaciadores para cabelos pintados. Falo em resultados parciais, pois não cheguei às informações através da sua revista trimestral, nem assinando a sua página da internet, mas de outra plataforma online que revela apenas alguns. Na base deste artigo, está aliás a publicidade a certos produtos. Porém, os resultados, como é óbvio, não foram alterados.
O teste em questão abrangeu trinta amaciadores, com preços entre 0,43 € e 39.90 € (200 ml). E surpreendeu os próprios responsáveis pela Öko-test: metade dos produtos mereceu a nota “Muito Bom”, mais sete levaram “Bom”. Dos quinze com a nota máxima, o artigo online apresenta cinco, com preços a variar entre 1,39 € e 10,99 €.
Sim, leram bem: há um produto de excelente qualidade e onde não se detetaram substâncias tóxicas, ou outras prejudiciais à saúde, por apenas 1,39 €! Trata-se da “marca branca” de uma conhecida rede de drogarias.
Muitos dos produtos que uso são dessa marca. Na Alemanha, há cadeias de supermercados apenas de produtos de beleza, cosmética, higiene, limpeza, etc., em suma, aquilo que se costuma (ou costumava) encontrar em drogarias. Essas cadeias têm as suas “marcas brancas”, com duas grandes vantagens. Em primeiro lugar, costumam ser de boa qualidade, pois sabem perfeitamente que, tanto a Stiftung Warentest, como a Öko-test, andam atentas. E, como há muita concorrência, normalmente não arriscam lançar no mercado um produto suscetível de ter mau resultado. Em segundo lugar, “obrigam” ao baixar dos preços de muitas marcas conhecidas.
Na verdade, os produtos de beleza e higiene pessoal são, na Alemanha, muito mais baratos do que em Portugal. Alguns custam mesmo um terço do preço, ou menos, como os sabonetes líquidos (embalagem de 500 ml por 0,65 €), ou os produtos da Nivea. E relembro serem os ordenados alemães, na generalidade, dois a três vezes superiores aos portugueses. Ou seja, o poder de compra, neste aspeto, é quase incomparável.
Mas mesmo em Portugal ninguém tem de comprar produtos caros para tratar da sua pele, ou do seu corpo. Acompanhando estes testes há quase trinta anos e lendo artigos sobre o assunto, aprendi que, mais importante do que substâncias vendidas como milagrosas em produtos de preços proibitivos (sim, aquelas marcas, geralmente francesas, que todos conhecemos), é a regularidade com que tratamos da nossa pele. Importante é igualmente o produto não conter substâncias tóxicas e/ou consideradas cancerígenas, conservantes suscetíveis de causar alergias, ou mesmo hormonas (nos amaciadores de cabelo, por exemplo, há hormonas que melhoram a proteção da coloração; mas também em cremes se utilizam hormonas). Lembro-me bem de, há alguns anos, um teste ter chocado o país, ao detectar substâncias muito tóxicas num creme de cerca de 40 € da conhecida Vichy, colocando-o muito atrás de um outro, “marca branca” de um supermercado, que se podia adquirir por dois ou três euros! A Öko-test é a mais rigorosa das duas instituições, pois testa o potencial reciclável da embalagem, por exemplo, e valoriza produtos vegan.
Não excluo que cremes caros possam ter algumas vantagens. Mas, em relação a outros, bem mais baratos, elas são mínimas. Mais importante é, repito, a assiduidade com que cuidamos da pele, nunca facilitando, alegando não ter tempo ou vontade. E não esquecer a alimentação e hábitos que dão cabo dela, como fumar ou exagerar no consumo alcoólico.
Entre leite de limpeza, água de rosto, cremes de dia, de noite, de contorno de olhos, champô, gel de duche, etc., gasto produtos que vão dos singelos 0,79 € aos 6 €. Não deteto diferença nos resultados em relação a conhecidas da minha idade, mais aptas a abrir os cordões à bolsa.
No início de Agosto, Mariana Patrocínio publicou, na sua conta do Instagram, esta fotografia com sua mãe e quatro das suas irmãs. Uma seguidora comentou “genética maravilhosa”. E eu atrevo-me a discordar. Melhor falando, penso que a genética apenas contribui com 20% a 30% para resultados destes. O resto é berço e disciplina nas práticas alimentares e de exercício. No caso desta família, o berço inclui aliás dinheiro q.b. para gastar em ginásios e institutos de beleza. Não menciono, porém, a questão monetária com cinismo. Quem nasce em ambiente propício, faz muito bem em aproveitá-lo. Eu faria o mesmo. Berço, no entanto, é bem mais do que notas e cartões de crédito.
O cerne da questão é a genética estar muito sobrevalorizada. A silhueta das beldades da foto está ao alcance da grande maioria das mulheres. Para adquirir boas práticas de alimentação e exercício físico, o berço pode ser de classe média, ou até pobre. Mas cumpre um papel importantíssimo. Alcançar, na idade adulta, figuras deste tipo, é quase impossível para quem cresceu num ambiente de obesidades e más práticas alimentares.
Muita gente não acredita, mas criar crianças obesas é estragar-lhes o futuro. E uma família não precisa de ser rica para comer com discernimento e incentivar a actividade física. Uma alimentação equilibrada também não significa dietas, não há alimentos proibidos. Mas é preciso saber quando comer o quê e em que quantidades. Talvez seja bom acabar com o hábito de dizer às crianças “come lá mais uma fatia de bolo” ou “então não acabas a carninha”, quando elas dão sinais de já estarem satisfeitas. Parece que não, mas é muito importante aprender a interpretar os sinais do corpo. Muitas vezes, continuamos a comer, apesar de já estarmos cheios até à goela.
Actividade física também não implica ginásios caros, podem-se inscrever as crianças num clube desportivo acessível à família, seja de futebol, voleibol e outros “ois”, ginástica, natação, patinagem, dança, skate, ciclismo, etc. Mas é igualmente importantíssimo dar o exemplo em casa, fazendo, quanto mais não seja, caminhadas regulares com os pimpolhos. Pode-se aproveitar o caminho para a escola, ou mesmo a ida ao café. Se o café for perto é até aconselhável fazer um desvio generoso. E quem alegue não ter tempo para passeios durante a semana, pode fazê-los ao fim-de-semana. Uma hora de caminhada faz milagres em todos, pais e filhos. E, quem chega a adulto habituado a estas andanças, normalmente, continua a praticá-las.
A genética está igualmente sobrevalorizada noutros campos, como o artístico, ou o intelectual. O ambiente e os hábitos conhecidos desde o berço são muito mais importantes. Filhos de escritores habituam-se, desde sempre, a hábitos e conversas de e sobre os livros e escrita, incluindo as visitas e amigos dos pais. Filhas de atrizes crescem no meio dos cenários, das câmaras, dos holofotes, dos gritos de “acção”, do decorar dos papéis e também os frequentadores da casa familiar pertencem maioritariamente a este meio. O mesmo acontece com músicos, cantoras, pintores, cientistas, jornalistas, etc. Porém, mesmo quem não pertença a mundos destes, pode transmitir aos filhos o interesse pela cultura, interessando-se ele próprio. Quem não é incentivado, na infância, também pode lá chegar, mas é bastante raro.
Por isso, quando se quer elogiar uma pessoa elegante, considero mais adequado dizer “bons hábitos” do que “bons genes”. Também é mais lisonjeador, pois, na verdade, em nada contribuímos para ter os genes que temos. Já elogiar-nos os hábitos é elogiar o que é da nossa responsabilidade.
Não estou a dizer que a genética não contribui. O mais importante, contudo, é como aprendemos a estar no mundo. E, na infância, vemos o mundo através dos olhos dos nossos pais.
Além da Casa Buddenbrook, Lübeck tem outras atracções. E eu não poderia ir a esta cidade, sem visitar a Igreja católica do Coração de Jesus, onde se encontra a ala de homenagem aos quatro mártires, dos quais já aqui falei: Hermann Lange, Eduard Müller, Johannes Prassek e Karl-Friedrich Stellbrink - os quatro sacerdotes (três católicos e um luterano) executados pelo regime nazi, a 10 de Novembro de 1943.
Foto © Horst Neumann
Não vimos tanta gente nesta bonita igreja como tínhamos imaginado. E um conhecido nosso, morador em Lübeck (embora não natural de lá) e com quem nos encontrámos, não tinha ainda ouvido falar destes mártires! Por a homenagem se encontrar numa igreja católica?
Foto © Horst Neumann
Na verdade, além de, hoje em dia, muita gente, apesar de ser mais ou menos crente, andar afastada das igrejas, os católicos são uma minoria, no Norte da Alemanha, de esmagadora maioria luterana. Muitas vezes, as comunidades católicas sobrevivem à custa dos imigrantes: muitos polacos, bastantes sul-americanos, alguns portugueses e um ou outro espanhol. De qualquer maneira, a igreja do Coração de Jesus estava em muito bom estado e até fomos presenteados com música, tocada ao vivo, no órgão. A entrada na ala de homenagem é gratuita, mas os visitantes costumam deixar um contributo voluntário nas várias caixas de esmolas.
Foto © Horst Neumann
Ao contrário da igreja católica, a catedral de Lübeck, pertencente à Igreja Luterana, tinha muitos visitantes (os católicos do Norte da Alemanha pertencem à arquidiocese de Hamburgo). Enfim, uma catedral é sempre mais imponente, apesar de esta, para a sua categoria, até nem ser muito grande.
Foto © Horst Neumann
Nesta fotografia, estou a filmar antigos túmulos, pertencentes a elementos da nobreza dos séculos XVIII e XIX, que me impressionaram pela sua imponência. E aqui está o resultado das filmagens:
A Filarmónica de Hamburgo (no original Elbphilharmonie, ou seja, "Filarmónica Elba", nome do rio que banha a cidade), está situada na zona portuária turística. É um edifício recente, de 2016, e a sua construção esteve envolvida em grande polémica.
Iniciada em 2007, estava prevista a sua inauguração para 2010. A construção foi, porém, mais dificil do que o esperado. Entre outras razões, por se ter usado, como base, um antigo armazém portuário, com data de 1963. Com os sucessivos atrasos e os problemas que foram surgindo, os custos, inicialmente calculados em 77 milhões de euros, acabaram por ultrapassar a barreira dos 800 milhões!
À venda na livraria Unicepe, Paraça de Carlos Alberto, no Porto
e online
https://www.wook.pt/livro/a-revolucao-da-veronica-cristina-torrao/30105653
https://www.bertrand.pt/livro/a-revolucao-da-veronica-cristina-torrao/30105653
Holstentor (Porta de Holsten), em Lübeck - Foto Horst Neumann
Lübeck, no Norte da Alemanha, não tem apenas um passado glorioso como importante cidade da Liga Hanseática. Era igualmente o berço dos irmãos Thomas e Heinrich Mann, cuja família enriquecera precisamente com o comércio praticado nos Mares do Norte e Báltico.
Thomas, vencedor do Nobel da Literatura, é o mais conhecido dos dois. Mas Heinrich Mann foi igualmente um excelente escritor, autor de, por exemplo, Professor Unrat, o livro que serviu de base ao filme O Anjo Azul, dando a conhecer ao mundo Marlene Dietrich.
Thomas Mann escreveu verdadeiros clássicos da literatura mundial, como Morte em Veneza, A Montanha Mágica e Os Buddenbrook (todos eles fontes de inspiração para o cinema e/ou séries). N' Os Buddenbrook, o escritor baseou-se na própria família. Tanto, que a casa dos Mann, em Lübeck, construída em finais do século XVIII, se chama Casa Buddenbrook.
Íamos com vontade de a visitar, na semana passada, mas estava em obras. Pode, aliás, visitar-se uma exposição sobre os Buddenbrook num outro outro local, mas acabámos por não o fazer. Fica para a próxima, quando a verdadeira casa tornar a abrir ao público. Lübeck não é muito longe de Stade: cerca de 120 km, hora e meia de comboio, com transbordo em Hamburgo. No entanto, se quisermos ver o interior da famosa casa, teremos de esperar até 2028. Nessa altura, as obras terão durado cerca de dez anos.
A duração destes trabalhos tem dado que falar. Não sei se foi essa polémica a inspiração para a espécie de banda desenhada colocada nas janelas da casa. Os protagonistas são os próprios irmãos Mann. No início, são identificados com turistas, que dão com a porta fechada.
- Thomas, a casa dos Buddenbrook está em obras.
O irmão contrapõe: - Nós conseguimos fazer melhor Heinrich, se unirmos a intelectualidade à força dos nossos braços.
Heinrich permanece céptico, mas Thomas está decidido. Os dois começam os trabalhos e não tarda a instalar-se a confusão. Depois de algumas peripécias, o balde de cimento fresco acaba por cair e enfiar-se na cabeça de Heinrich. Thomas acha uma pena, tinha acabado de misturar o cimento, tanto trabalho para nada. Nestas cogitações, dá-se conta de que o melhor é livrar o irmão daquela situação aflitiva, antes que o cimento seque.
- Boa ideia - concorda Heinrich. - Tu tens sempre as melhores ideias.
Vaidoso com o elogio, Thomas inicia uma dissertação sobre como tem sempre boas ideias, seja para enredos, seja em pensamentos filosóficos, até que Heinrich tem de o interromper, pois o cimento começa a secar. Depois de resolvida a situação, Thomas sugere deixar aquele tipo de trabalho nas mãos de profissionais.
- Mais uma vez, uma exelente ideia tua - concorda Heinrich. - Olha, vamos mas é à Benhaus, ver a exposição dos Buddenbrook!
- Surpresa! Afinal, tu também tens boas ideias!
Para ser sincera, não achei grande piada. Acho que estes dois génios da literatura mereciam melhor do que uma história que os infantiliza e carecida de originalidade, ao basear-se na máxima "cada macaco no seu galho": os artistas que façam uso da sua intelectualidade e deixem outros tipos de trabalho para quem entenda disso. Seria para honrar os trabalhadores da construção civil? Não haveria outra maneira? Qual é a vossa opinião?
Enfim, deixo-vos com um pequeno vídeo da fachada da Casa dos Buddenbrook. Valha ao menos as figuras dos irmãos estarem bem desenhadas.
Hoje não me apetece rir e sorrir para toda a gente
Não me apetece ser encantadora
Esforçar-me por ser a mais bonita
A mais inteligente
Achar piada a conversas estúpidas
Dizer que está tudo delicioso,
quando não está,
ou quando está e eu não posso comer o que me apetece
para continuar a caber no vestido.
Hoje não me apetece ser perfeita.