Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de julho de 2019

Efemérides históricas ao tempo da formação de Portugal (3)

Faz hoje 880 anos que se deu a Batalha de Ourique.

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Ainda existe bastante mistério à volta desta batalha, o que alimenta o mito. Não há, porém, dúvida de que ela foi importantíssima para D. Afonso Henriques e a unidade portuguesa. Foi a partir desse dia que ele passou a intitular-se rei, considerando Portugal um reino. Também foi a partir desta altura que o seu nome começou a ser temido no Al-Andalus (a Hispânia muçulmana). Por outro lado, relembremos algo que muita gente não considera: D. Afonso Henriques não conquistou, a 25 de Julho de 1139, um palmo de terra que fosse!

Este último aspeto foi aliás motivo de discussão sobre o local da Batalha: se Portugal acabava a algumas dezenas de quilómetros a sul de Coimbra (embora não houvesse fronteira definida entre Coimbra e Santarém; o castelo de Leiria situava-se em território hostil, constantemente ameaçado) como se foi dar uma batalha entre portugueses e muçulmanos em pleno Alentejo?

Hoje, parece ponto assento que a batalha terá surgido na sequência de um fossado com grande raio de acção. Era costume a realização de fossados de parte a parte, as tropas avançavam devastando e depredando, reunindo espólio, incluindo pessoas (que serviriam como escravos) e animais. Reunindo as suas forças em Coimbra, o rei português avançou em direcção ao Tejo, que cruzou a leste de Santarém, e continuou a avançar, atravessando o Guadiana e aventurando-se até perto de Sevilha. Por onde passava, deixava um rastro de destruição atrás de si. E não encontrou praticamente resistência, o que pode explicar o ter-se aventurado tão longe.

Em Abril, Afonso VII, o primo de Afonso Henriques, iniciara um cerco a Oreja, a nordeste de Toledo. Os governadores almorávidas de Córdova e de Sevilha reuniram um grande exército, a fim de lhe fazer frente, o que explica que os portugueses pudessem avançar facilmente e levando o Professor Miguel Gomes Martins (De Ourique a Aljubarrota, A Esfera dos Livros 2011) a considerar que os dois primos tivessem combinado as suas ações.

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Fosse como fosse. No regresso, Afonso Henriques terá cruzado o Guadiana perto de Mértola, continuando depois para oeste, a fim de evitar a cidade de Beja. Os danos provocados pela sua ofensiva devem, porém, ter sido de tal ordem, que o governador de Córdova decidiu afastar-se de Toledo, a fim de ir cortar o caminho aos portugueses. E assim se defrontaram os dois exércitos no Campo de Ourique, «uma vasta área delimitada pelas serras do Cercal e de Grândola a oeste, pela serra algarvia a sul e pelo Guadiana terminal a leste» (Miguel Gomes Martins, na obra citada).

Pouco se sabe sobre a constituição das duas hostes. As fontes portuguesas são escassas e, o que também é estranho, esta campanha não é mencionada em qualquer fonte muçulmana. Parece, no entanto, que o exército mouro era muito maior do que o cristão, a «Vita Theotonii» (Vida de S. Teotónio) refere que Afonso Henriques «derrotou cinco reis dos infiéis». Os historiadores atuais vêem algum exagero nestas palavras, se bem que, muitas vezes, os almorávidas se intitulavam de reis, sendo meros governadores de pequenas cidades.

«Terá sido nos momentos que antecederam a batalha que teve lugar o célebre episódio (…) da aclamação de Afonso Henriques (…) Erguido de pé sobre o seu escudo - à maneira germânica - pelos seus guerreiros, o príncipe, então com 30 anos, convertia-se, aos olhos dos que iriam lutar a seu lado, em rei». Este episódio (considerado “coerente e verosímil” por José Mattoso) teve certamente «um efeito profundamente moralizador no seio dos combatentes portucalenses» (Miguel Gomes Martins 2011).

Quanto à tática, Miguel Gomes Martins é de opinião de que a cavalaria pesada cristã (em contraste com os ginetes, os cavaleiros leves e ágeis dos muçulmanos) deve ter conseguido romper e desorganizar as linhas inimigas com grande sucesso. A derrota terá tido um grande impacto no seio dos almorávidas, já que o mesmo governador de Córdova, no ano seguinte, levou a cabo um fossado, no âmbito do qual atacou e arrasou o castelo de Leiria. E, em 1144, foi a vez de Soure.

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Cavaleiros muçulmanos representados na capa de Reconquista Cristã, de Pedro Gomes Barbosa (Ésquilo 2008).

A verdade é que Afonso Henriques não mais deixou de se intitular rei, obtendo, em 1143, a confirmação do primo, em Zamora, embora não devesse ter sido quebrado o laço de vassalagem (que aliás nunca foi oficializado em cerimónia, permanecendo ambígua a relação entre os primos). A verdade é que o nosso primeiro rei enviou, dois meses depois da Conferência de Zamora, uma carta dirigida ao papa, prometendo-lhe vassalagem e solicitando que o libertasse do jugo do imperador da Hispânia.




Nota: texto publicado originalmente aqui.

7 de julho de 2019

"Portugal-Krimis"

Krimi é a interessante palavra que na Alemanha se usa para livro policial. Portugal-Krimis são policiais portugueses. Estão na moda, aqui no país da Sra. Merkel. Estranho, não é? Não há notícia de livros portugueses com sucesso na Alemanha. Além disso, não se escrevem muitos policiais made in Portugal. Pois é, estes passam-se em Portugal, mas são escritos por… alemães!

São um sucesso editorial e muito recomendados agora para a época de férias. Por acaso, o meu marido já leu um deles: Lost in Fuseta.

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O autor, um alemão com o pseudónimo Gil Ribeiro, brinca com a palavra Lost, pois o seu investigador chama-se Leander Lost, um alemão que, na sequência de um intercâmbio policial (nem sei se isso existe), é colocado na Fuseta. Ou seja, a tradução directa do título não é “Perdido na Fuseta”, embora o Leander Lost se sinta muitas vezes perdido. Este investigador tem o síndrome de Asperger, o que o torna num polícia muito especial: tem uma memória fotográfica (muito útil, na sua profissão), não sabe mentir (o que, por vezes, é desvantajoso) e encara os acontecimentos destituído de emoção (o que lhe permite manter o sangue-frio em certas situações). Lost in Fuseta é a primeira aventura de Leander Lost por terras algarvias, mas a série já vai, entretanto, no terceiro volume.

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Tod in Porto (“Morte no Porto”), é o segundo caso do inspector Fonseca e da sua equipa da Judiciária. O autor é um alemão que vive há vários anos em Portugal e usa o pseudónimo Mario Lima (na Alemanha não se põem acentos).

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Mord auf Portugiesich (“Assassínio em Português”) passa-se numa pequena aldeia no Norte de Portugal (junto à costa) e tem a assinatura da jornalista alemã free-lancer Heidi van Elderen.

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Fado Fatal (dispensa tradução), outro policial situado no Porto, de Hanne Holms. Esta autora já publicou um Krimi passado na Toscana e outro em Maiorca. Agora, pelos vistos, foi a vez de Portugal.

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Letzte Spur Algarve (“Última pista: Algarve”), de Carolina Conrad, conta a aventura de uma jornalista alemã, filha de portugueses, chamada Anabela Silva, que resolveu mudar-se para a aldeia de origem dos seus pais (no interior algarvio). Trata-se de uma jornalista muito curiosa e logo se vê envolvida numa investigação policial comandada pelo comissário João Almeida. Parece que o enredo é apimentado com um caso amoroso entre os dois.

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Portugiesisches Blut (“Sangue Português“ - assinalado como "Lissabon-Krimi), de Luis Sellano, é a quarta aventura de um alemão, Henrik Falkner, que vive em Lisboa. Luis Sellano é (já adivinharam; e sem acento) o pseudónimo do autor alemão.

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Madeirasturm (“Tempestade na Madeira”, ou "Tempestade madeirense") tem autoria de Joyce Summer, o pseudónimo de uma autora de Hamburgo. Criou o comissário madeirense Ávila e este é o seu segundo caso.

Nota: texto originalmente publicado aqui.