Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de outubro de 2014

D. Afonso Henriques genocida?


All About History (com página no Facebook) é uma revista que, nas suas palavras, oferece «action-packed history (...) bursting with information on times past». Eu também concordo que a História não deve ser sempre divulgada por «stuffy academic essays or squabbling professors». Mas tem de haver um mínimo de rigor!

Em outubro, foi posto à venda o primeiro número da versão portuguesa, tendo como tema líderes históricos e, no caso português, debruça-se sobre D. Afonso Henriques. O meu amigo facebookiano André Luís é que me chamou a atenção para este artigo, do qual se desconhece o autor, e teve a gentileza de me enviar esta fotografia.

Neste excerto, encontram-se grandes imprecisões, informações falsas e juízos de valor descabidos. Em primeiro lugar, diz-se que D. Afonso Henriques participou numa última campanha, em 1184, para ajudar o filho a combater um exército mourisco que cercava Santarém. Isto é falso! D. Afonso Henriques, nessa altura, tinha cerca de 75 anos e havia 15 que se encontrava muito incapacitado, em sequência do desastre sofrido em Badajoz, essa sim, a sua última campanha militar. Não se sabe bem qual a dimensão dos ferimentos sofridos e alguns hstoriadores, no passado, consideravam que ele não mais montara nem combatera, não por estar incapacitado, mas porque o tinha prometido ao genro, D. Fernando II de Leão, de quem foi prisioneiro. Na sua biografia de D. Afonso Henriques, o Professor José Mattoso é de opinião de que não se trataria de mera promessa. O rei teria ficado muito limitado fisicamente, talvez até nem tenha mais conseguido andar pelo próprio pé. Ora, a ser assim, nunca teria participado numa campanha militar, a pouco mais de um ano da sua morte (D. Afonso Henriques morreu a 6 de dezembro de 1185).

O artigo fala ainda na «sua sede de sangue», «intolerância religiosa» e diz que «enveredou por uma série de campanhas de genocídio contra o povo islâmico». Quem assim escreve, não faz ideia, por um lado, do que era a Idade Média e, por outro, do que era a Reconquista Hispânica!

A série de combates que se prolongaram por vários séculos e a que se chama Reconquista tinha, de facto, um fundo religioso, mas este estava longe de ser o motivo principal. Talvez o fosse, no seu início. Porém, monarcas como D. Afonso Henriques, o seu avô D. Afonso VI, ou os outros que se lhes seguiram, estavam bem mais interessados na conquista de territórios do que na aniquilação dos mouros ou na propagação da fé. Estabeleceram inúmeras alianças com líderes muçulmanos, muitas vezes, a fim de melhor lutarem entre si (cristãos contra cristãos). O desastre de Badajoz deu-se porque D. Fernando II de Leão veio em socorro do rei mouro daquela cidade, com quem estabelecera um pacto! Também D. Afonso Henriques estabeleceu uma duradoura aliança de amizade com Ibn Qasi, um líder religioso islâmico do Gharb.

A Reconquista baseou-se mais em razias e saques de parte a parte do que numa guerra global, ou numa política sistemática de aniquilação de povos. Muitos cristãos das terras de fronteira enriqueciam com as algaras em terras de mouros, que se levavam a cabo regularmente, passaram mesmo a ser um modo de vida. É por isso descabido falar em genocídio. Os mouros desapareceram destas paragens, sim, mas só séculos depois de D. Afonso Henriques ter morrido!

Depois das conquistas de Santarém e Lisboa, o nosso primeiro rei pôs a população moura sob a sua proteção pessoal, os chamados mouros-forros. É verdade que se tiveram de aquartelar fora de muros e lhes estavam vedados alguns direitos que hoje consideramos essenciais, mas lembremos que na época não havia a noção de direitos universais do ser humano. Mesmo entre cristãos, o povo (muitas vezes apelidado de arraia-miúda e que representava 90% da população) não tinha os mesmos direitos da elite nobre e eclesiástica.

A «sua sede de sangue» também é falsa. Basta conhecer a História Medieval Europeia para constatar que D. Afonso Henriques não foi dos monarcas que mais se destacaram pelo temperamento sanguinário. Assim como não há provas de que ele tenha expulsado sua mãe do Condado Portucalense, ou que a tenha posto a ferros, como conta a lenda. Mesmo a expulsão de D. Fernão Peres de Trava foi temporária. Na referida biografia, o Professor Mattoso documenta a presença do conde galego na corte coimbrã, escassos três ou quatro anos depois da Batalha de São Mamede.

O artigo da All About History peca por misturar lenda com veracidade histórica, se bem que acabe por referir que o comportamento do nosso primeiro rei estava de acordo com a época em que viveu. Porém, se o autor tem consciência disso, mais se estranham as expressões e afirmações anteriores.


28 de outubro de 2014

Da nossa relação com os animais VI


Muita gente esquece que tratar bem e proteger os animais proporciona uma vida melhor e com mais segurança aos seres humanos. Não podemos pôr os animais de lado, enquanto não conseguirmos erradicar a fome, a pobreza e a solidão! Como ficaria este nosso mundo, cheio de animais abandonados, por tratar, a morrer de fome e frio, atacados pelas mais variadas doenças? A pobreza e a solidão são produtos humanos, consequência de maus comportamentos humanos que prejudicam outros humanos. É muito injusto fazer os animais pagarem por isso, deixando-os de lado, quando precisam de nós.

Muita gente se escandaliza por haver quem trate os seus animais domésticos "como crianças". E eu pergunto: entre um cão/gato que é tratado como uma criança e um cão/gato que é abandonado, qual representa maior perigo para a saúde pública?

Quer queiram, quer não, amar os animais significa criar um mundo mais agradável para todos nós. Na Terra, há espaço e recursos para todos, é preciso apenas um pouco mais de tolerância e boa vontade! "Apenas".



Nota: recebi as fotografias por email, sem indicação dos autores, embora na segunda seja visível uma referência.


27 de outubro de 2014

A Citação da Semana (32)

«O humor não se aprende. Baseia-se sobretudo em grandes doses de paciência, bondade e amor ao próximo».

Curt Goetz


26 de outubro de 2014

Trabalho Infantil Legalizado




No início de julho, o Congresso da Bolívia decidiu legalizar o trabalho infantil a partir dos catorze anos, sob condições especiais já a partir dos dez. Em agosto, a lei entrou em vigor.
Um regresso inadmissível ao passado?

Na verdade, a promulgação desta lei representa uma vitória do Unat's Bo, um Sindicato de crianças e jovens. Sem o seu trabalho, muitas famílias do país mais pobre da América Latina não conseguem sobreviver. Nas palavras do Presidente Evo Morales: «Não nos é possível acabar com o trabalho infantil, mas podemos, pelo menos, melhorar as condições de trabalho das crianças». A lei estabelece que as crianças têm de frequentar a escola, que as suas famílias têm de autorizar o seu ganha-pão e proíbe o trabalho em minas, construção civil, na colheita da cana-do-açúcar ou na separação de lixo.

Como se esperava, é uma lei polémica. Além da rejeição que provoca a mera ideia de trabalho infantil, para muitos, esta é a prova da capitulação do sistema social da Bolívia. Mas não se pode fugir aos factos: 90% das crianças bolivianas vivem de um dólar ou menos por dia, muitas moram na rua, e alegra-as o facto de poderem ganhar algum dinheiro a limpar pára-brisas num cruzamento, ou a vender souvenirs aos turistas. «Defendemos o nosso direito ao trabalho», afirmam os membros do Unat's Bo.


23 de outubro de 2014

História da Vida Privada (15)



Nestas cozinhas as alfaias eram pobres e reduzidas ao essencial. Não podia faltar a panela, de barro, onde se coziam os alimentos e, sempre que possível, uma trempe de ferro sobre a qual ela era colocada. Convinha também que não faltasse um saleiro, de madeira mesmo nas casas mais acomodadas, um pote para  azeite, outro para o vinho e, naturalmente, um outro ainda, maior, para armazenar a água com que se confeccionava a refeição e com que se lavavam os víveres. Em regra era o mesmo de onde saíam as águas para as abluções da família e da casa. Naturalmente podiam existir outras alfaias, sobretudo potes e panelas de tamanhos diversos, alguidares, bacias. Os milhares de fragmentos de cerâmica que a arqueologia tem exumado de escombros e lixeiras indicam, precisamente, isso. Muito menos comuns eram os utensílios em metal. Quando muito, uma sertã, onde se faziam alguns fritos.Contudo esta míngua de apetrechos supria-se, em regra, por empréstimo entre vizinhos. Até o próprio fogo era, quantas vezes, procurado na casa próxima, que mais cedo acendera a lareira. Na verdade, a obtenção de fogo não era, na época, tarefa fácil nem rápida. Obtinha-se, normalmente, por fricção de um fuzil confeccionado com um metal rico em carbono sobre uma pedra de sílex, do que se esperava resultassem faúlhas que se lançavam sobre uma matéria inflamável preparada para o efeito. Criar o fogo era, assim, acto complexo, pelo que uma pinha, um pau enresinado ou outro qualquer combustível eficaz, ateado em lume alheio, era solução bem mais simples e com frequência utilizada.

Capítulo A Alimentação, Iria Gonçalves (p. 240)


21 de outubro de 2014

Dinheiro não traz felicidade!


Este chavão serve perfeitamente para contar a história de Marlene Grabherr, a primeira candidata a ganhar um milhão de marcos (antes dela, já um homem conseguira a proeza) na versão alemã do Quem Quer Ser Milionário. O concurso, transmitido pela RTL, tornou-se um clássico na TV alemã. É transmitido há quinze anos, sem interrupções, com o mesmo apresentador, Günther Jauch, que constantemente nos surpreende com originalidade e autenticidade. Fazendo jus ao nome, o valor máximo do concurso são mesmo um milhão de euros (antes do euro, eram um milhão de marcos).

Mas voltemos a Marlene Grabherr! A 20 de maio de 2001, ganhou o prémio em marcos (cerca de 500.000 euros), tornando-se querida do público, pois estava desempregada. Podia pensar-se que tinha a sua vida resolvida, mas, como já tinha eu escrito no extinto 2711, passados dez anos nada restava do chorudo prémio. Carros caros (chegou a comprar cinco de uma vez), viagens ao desbarato pela Europa e parentes e amigos constantemente a pedincharem empréstimos deram-lhe cabo da fortuna. Cortou mesmo relações com o irmão, a irmã e a sogra, precisamente por questões monetárias. Ficou apenas com a casa que comprou, mas, como escrevi a 8 de dezembro de 2011, estava com dificuldades para conseguir tratar dos dentes.

Soube agora que a senhora faleceu já no ano passado, com apenas 60 anos, solitária e sem um único cêntimo no banco.

Pois é! Até para lidar com dinheiro é preciso cabecinha!


19 de outubro de 2014

Vale a pena ler (1)

Inicio hoje uma rubrica em que transcrevo posts de outros blogues que me tocaram particularmente. A inaugurá-la, um texto de Céu Mota n' A Voz da Girafa, com o título O Nome:

 
Digam-se os nomes. O nome dela e o nome dele!
Diga-se Afonso Reis Cabral, o jovem de 24 anos que ganhou o Prémio Leya 2014 com o romance O Meu Irmão. A história é entre dois irmãos... um deles com síndrome de Down... Não se fiquem pela designação «trineto de Eça». Ele é Afonso, já um escritor por mérito. Sim, descendente do autor de Os Maias, mas que isso não lhe pese demais...
Digam, descubram, perguntem pelo nome da menina de 13 anos que amava os irmãos. Tanto, que deu a vida pelos quatro, não apenas um, mas 4 ( o mais novo que salvou tinha 3 anos)!! Subiu e desceu escadas para e do 2º andar para resgatar todos. Da última vez que desceste já te trouxeram no colo... 
(«A minha filha tem 12» - pensei). 
Tinhas, menina, um pesado fardo às costas, uma enorme responsabilidade: levavas os teus irmãos à escola e tratavas deles. Bem, muito bem. Salvaste-lhes a vida.
Onde estavam os teus pais," menina lindíssima"? Os teus pais não te mereciam (desculpa-me o desabafo).
Parabéns ao Afonso (para escrever também é preciso muita coragem). 
Parabéns menina!! Não sei o teu nome, não nos dizem, mas é uma heroína real! Gostava muito de te ter conhecido. Fica bem.
 
 

16 de outubro de 2014

Da inveja

Poucos defeitos haverá com conotação mais negativa do que a inveja. Ninguém admite ser invejoso e, no entanto, todos o somos, a um nível mais ou menos acentuado. A pergunta é: deveremos recusar com tanta veemência algo que faz parte de todos nós?

Mesmo a Bíblia está cheia de histórias sobre a inveja, que basicamente surge porque só com dificuldade aceitamos que outra pessoa receba o mesmo ou mais do que nós por menos trabalho, ou alcance os mesmos objetivos com menos esforço.

Tratando-se de uma característica tão humana, quase se podia pensar que a inveja não tem apenas um lado negativo. E é verdade! Ela pode igualmente ser produtiva, ao criar entusiasmo e motivação para que alcancemos algo que os outros possuem. Torna-nos competitivos, convida a que nos esforcemos, podendo ajudar-nos a descobrir qualidades que não sabíamos ter.

A inveja torna-se prejudicial quando é obsessiva, ou seja, quando se torna no centro da nossa vida. Faz-nos infelizes e azeda as nossas relações com os outros. Mas atenção: este tipo de inveja é sempre um alarme transmitido pela alma! É um sinal de autoestima baixa, uma prova de que nos damos pouco valor e de que estamos descontentes com a nossa situação, de que consideramos apenas as nossas fraquezas, ignorando as qualidades.

Nesse sentido, é contraproducente espezinhar uma pessoa invejosa, só serve para que ela se desvalorize ainda mais. Mais compreensão, contribuindo para que ela descubra as suas qualidades, pode ser um grande passo para a ajudar a ter mais consideração por si mesma.

Esse tipo de compreensão pode, porém, ser difícil de pôr em prática, principalmente quando os invejosos se tornam agressivos. Ninguém é obrigado a aceitar insultos nem é depositário das frustrações dos outros. Por outro lado, por vezes, também somos pouco tolerantes e lestos a condenar comportamentos. Uma frase do estilo: «Não sei porque invejas o meu jeito para escrever, tu sabes desenhar tão bem» pode operar maravilhas.

Valorizar as qualidades, sempre! Todos nós temos os nossos talentos!


14 de outubro de 2014

Conselhos de Francisco

«Devemos ser criativos com os jovens. Não chega alimentá-los».

Estas são palavras do papa Francisco, numa entrevista ao semanário argentino VIVA, referindo-se ao apoio que devemos dar à juventude, no sentido de lhe proporcionar trabalho/profissão dignos.

O papa chamou igualmente a atenção para a necessidade de protegermos o meio ambiente: «Os danos ambientais são um dos nossos maiores desafios. Penso que nos temos esquecido de nos fazermos uma pergunta: estará a Humanidade a cometer suicídio, ao lidar desta maneira impensada e tirânica com o ambiente?»

Palavras sábias.

Nota: excertos de um artigo do jornal católico KirchenZeitung, referentes à entrevista dada pelo papa (tradução minha).


12 de outubro de 2014

E quem é Kailash Satyarthi?


Nem mais nem menos do que o ativista indiano que ganhou o Prémio Nobel da Paz, em conjunto com Malala Yousafzai.

Sendo muito mais mediática, Malala acabou por ensombrar o sucesso de Kailash Satyarthi que luta pelos direitos das crianças indianas há trinta anos. Como se sabe, milhões de crianças são exploradas, na Índia, mantidas como escravas, ou usadas para a prostituição ou para pedir esmola (para o que, muitas vezes, são mutiladas, a fim de gerar mais piedade). Kailash Satyarthi luta há décadas contra a corrente.

Saiba mais sobre este ativista aqui!


É Possível

Recebi por email este convite e aqui o passo, com excertos da nota de imprensa, a quem possa interessar. Na minha opinião, ler sobre outras experiências de vida é sempre enriquecedor. Desejo sucesso e felicidades ao Rui Bernardino e à Cláudia Cambraia.




A doença que tem acompanhado o Rui Bernardino, a ataxia de Friedreich, limitou-lhe os movimentos e prendeu-o a uma cadeira de rodas, quando este tinha apenas vinte anos de idade. Porém, nunca conseguiu limitar-lhe a capacidade de sonhar. Hoje, com 36 anos de idade, o Rui continua a acreditar que “é possível”.

Como revela a editora, "É possível" é um livro de 108 páginas, que relata episódios verídicos, mais ou menos caricatos, de um percurso de vida, desde o nascimento até aos dias de hoje. O livro partilha a alegria e a tristeza.



8 de outubro de 2014

Obsessão


Um médico é chamado de emergência a um apartamento onde se encontra um homem inanimado. Tudo indica que cometeu suicídio. Enquanto espera pela polícia, fica curioso em relação ao que teria sido a vida daquele homem, pergunta-se o que o teria levado a cometer tal ato. Encontra um livro da autoria do morto e descobre correspondência trocada com uma mulher misteriosa, que igualmente escrevia e tentava a publicação dos seus livros.

O que parece ser um policial transforma-se numa procura obsessiva pela identidade de uma pessoa, que culmina na procura da identidade do próprio narrador. Os dois homens parecem ter em comum a obsessão pela sedução, numa altura em que perdem o viço da juventude. Há um oscilar constante entre a realidade e a ilusão, partindo do princípio de que cada pessoa não é só uma, mas muitas. Como nos diz o próprio autor, numa nota inicial: «E é isso que narra Obsessão. Uma pequena ficção, apenas isso, onde se debatem personagens como Valente, Sónia, Jorge, Bela. Despretensiosa, desfocada, contada às várias pessoas que nos compõem, observando mais do que fala sobre um transitório estado da arte consentida da ilusão. A realidade é sempre ela bem mais iludida, obsessiva, complexa, do que a ficção. E até a Obsessão pode ser apenas um pretenso exercício imagético de observação sobre a realidade».

Este romance exige muito do leitor e confesso que tive algumas dificuldades em apreender todo o seu sentido. Por outro lado, a capacidade de escrita de Pedro Sande é notável, dando a impressão que o tratamento de toda uma complexidade de temas lhe sai sem esforço. Pelo meio, encontramos alusões deliciosas ao meio editorial português e divagações interessantes sobre candidatos a escritores solitários que tentam contactos pela internet, este meio que põe todos a falar com todos, sob uma capa anónima, mesmo que não se faça segredo da verdadeira identidade.

Cito mais duas passagens desta intrigante obra:

«Para que serve um livro, afinal?»
Um encontro, um reencontro, uma história repetida, com, ou sem fim à vista? Para que serve afinal um livro, esse pedaço de bom papel que faz falta às árvores, mas que contém tanta coisa dentro?
Uma pergunta que Jivago parecia procurar na sua vida, folheando o amor, a humanidade, páginas desfolhadas como se fossem pétalas de flor. Jivago, com essa minudência estranha que tinha de me transformar rapidamente em personagens épicas, era a minha vida; Lara,a minha busca; e a revolução, um esboço temporário, frágil, da dignidade perdida. (pp. 140/141)

Pois é amigos que leiam estas minhas páginas. Já confundo tudo: o tempo que aconteceu, com o tempo em que nada sucedeu. O tempo do silêncio, como se uma parede de espaço e tempo se tivesse elevado entre nós e fosse uma barreira cada vez mais densa, onde apenas coubessem alguns olhares indiscretos. (pp.153/154)



7 de outubro de 2014

Excerto (4)



Os anos passaram, uns piores do que os outros, outros menos maus do que o costume, sempre ruins, sempre numa luta pela sobrevivência tão dura que hoje a não conseguimos sequer imaginar.
(...)
- Ah, se eu matasse só por ser pobre...
Prontamente outros discordam, perguntando o que é que andamos a fazer neste mundo de sofrimentos. Retorquia um, talvez mais beato, que aos suicidas os espera o inferno. Inferno? Inferno é esta vida. Depois morremos e acabou-se. Como é que pode haver castigo depois da morte quando tão castigados somos já em vida?
Estavam entre homens de confiança, a conversa corria bem regada, as línguas soltavam-se com mais facilidade; confiavam em que ninguém do regime escutaria às portas das adegas pela calada da noite - afinal, quem quer saber o que os pobres pensam? - e, se acaso alguém os ouvisse dizendo algo contra o governo, daria o desconto, sabendo que não eram eles a dizer barbaridades: era, como já se disse, o vinho que falava pelas suas bocas.


3 de outubro de 2014

À Conquista do Mundo

Hoje, o canal ARTE vai repetir as duas partes do documentário À la conquête du monde / Griff nach der Weltherrschaft, às 16h55 (em Portugal será às 15h55). A primeira parte é sobre Fernão de Magalhães, a segunda sobre Sir Francis Drake.

Vi este interessante documentário, que inclui a encenação de alguns momentos das viagens levadas a cabo pelos dois navegadores, no passado sábado, 27 de setembro, e aqui comento a parte respeitante a Fernão de Magalhães.


O navegador português decidiu pôr os seus serviços ao dispor de Carlos V de Espanha, depois de o rei de Portugal não mostrar interesse no projeto dispendioso. Fernão de Magalhães, pertencente à baixa nobreza, teve de lutar contra a desconfiança e a hostilidade dos nobres castelhanos incluídos na armada de cinco caravelas que partiu de Sevilha, no início do século XVI. O objetivo de Fernão de Magalhães não seria tanto provar que a Terra era redonda, mas sim que conseguiria chegar às "Ilhas das Especiarias" navegando para oeste, convencido da existência de uma passagem marítima em território sul-americano.

A navegação ao longo da América do Sul foi demorada e esgotante, incluindo alguns enganos, como quando a armada entrou no Rio da Prata, o estuário criado pelos rios Panamá e Uruguai, com uma largura de 219 quilómetros. Depois de navegarem algumas milhas em direção ao local onde hoje se situa Buenos Aires, e constatando que a água deixara de ser salgada, foram forçados a voltar para trás, aumentando o descontentamento dos espanhóis. Começando a desconfiar da não existência da passagem, os súbditos de Carlos V tencionavam regressar a Sevilha, tanto mais que já se inciara o inverno no hemisfério sul. Fernão de Magalhães, no entanto, forçou a continuação da viagem.

O frio e as tempestades impediam a navegação e as caravelas viram-se obrigadas a esperar o fim do inverno numa enseada, hoje Puerto de San Julián, em plena Patagónia. A inatividade e o frio aumentaram o descontentamento, houve uma tentativa de motim e Fernão de Magalhães castigou com dureza Juan de Cartagena e Gaspar de Quesada, altos nobres castelhanos. Quesada foi enforcado, o outro abandonado com alguns víveres, naquela região inóspita, condenado a uma morte lenta e solitária. Não se sabe se tentou encontrar alguém que o ajudasse, os seus restos mortais foram mais tarde descobertos junto da forca de Gaspar de Quesada.

O descobrir da passagem proporcionou um momento de glória a Fernão de Magalhães, mas a armada perdeu muito tempo naquele labirinto desconhecido. Apesar de nunca terem avistado gente, viam fogos nas margens e o navegador português batizou a região de Terra do Fogo. E Pacífico foi o nome que ele achou por bem dar ao novo oceano, que se abriu à sua frente, depois de vencido o labirinto.


À medida que navegavam em direção a noroeste, porém, a calma das águas e o sol impiedoso tornaram a criar momentos de desespero à tripulação doente e esfomeada. Muitos morreram de escorbuto e a ausência de terra, durante vários meses, pô-los a duvidar se algum dia encontrariam as "Ilhas das Especiarias".

Como se sabe, acabaram por encontrá-las e passaram alguns meses de abundância, naquelas terras amenas e férteis. Mas Fernão de Magalhães viria a ser morto nas Filipinas, numa guerra entre tribos, na qual imprudentemente (e não destituído de arrogância) se intrometeu. Uma única caravela, com apenas 19 homens, regressou a Sevilha, cerca de três anos depois de ter partido.

Fernão de Magalhães não chegou a rever a sua família nem a receber os louros da sua descoberta. Entre os sobreviventes, porém, encontrava-se o italiano António Pigafetta, o autor do diário de bordo, que entregou a Carlos V. Assim se salvou o relato desta viagem, em que a tão almejada passagem ficou batizada com o nome do navegador português, o mesmo que deu o nome à Terra do Fogo e ao maior oceano do planeta.

Ver o documentário aqui: em francês; em alemão.


Adenda a 29 de Março de 2017: os documentários já não estão disponíveis para visualização.


2 de outubro de 2014

Concurso Literário

Regulamento
O Grémio Dramático Povoense, associação cultural sediada na Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, promove um Concurso de Contos intitulado «Literatura no Grémio» (clique para ter acesso ao Regulamento), no âmbito do seu 125º aniversário, em parceria com a Editora Coisas de Ler. O júri conta com a colaboração da escritora Luísa Fortes da Cunha.