Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de dezembro de 2010

Inverno (II)

Anos a fio pedia-se por aqui um Natal branco. Claro que costuma nevar no Inverno, mas, na época de Natal, não vinha nada. O norte da Alemanha, por ser muito plano e pela proximidade ao Mar do Norte, tem pouca neve, se compararmos com o sul montanhoso (a Baviera, os Alpes). E entre 2000 e 2008 nevava tão pouco, que já se dizia que "não se faziam Invernos como antigamente".

No Inverno passado, a neve veio um pouco tarde, a partir de Janeiro. Mas veio em força. Este Outono/Inverno veio mais cedo... e com mais força ainda.


Agora, anda toda a gente cheia de neve. Quem não precisa de viajar, pode gozar a paisagem. Mas nos aeroportos e nas estações de caminho-de-ferro instalou-se o caos e muita gente viu-se obrigada a passar lá o Natal. Além disso, muitas estradas (e auto-estradas) estão intransitáveis, a neve é tanta, que nem a protecção civil cá do sítio, habituada a Invernos rigorosos, consegue normalizar a situação.



E também para quem está em casa as coisas começam a complicar-se. O lixo, por exemplo, não é recolhido, pois os camiões ficam atolados. Além disso, uma pessoa começa a encher-se de limpar neve às pazadas todos os dias para poder entrar e sair de casa.

Num lago gelado, fotografei estes patinhos, que se vêem obrigados a andar em vez de nadar. O que, diga-se de passagem, não será grande problema para eles, pois, mesmo sem virem carradas de neve, a situação verifica-se quase sempre, nesta altura.




Enfim, resta-nos a possibilidade de apreciar o cenário. E, como os alemães costumam dizer: "Der nächste Sommer kommt bestimmt" (o próximo Verão vem de certeza). Esperemos então por ele...





 

26 de dezembro de 2010

Espírito de Natal

Há quem se alegre com a aproximação do Natal, há quem fique deprimido. Uma das desvantagens de viver no estrangeiro é aquele sentimento de não se pertencer verdadeiramente a lado nenhum. Muitas vezes, a viagem "à terra" acaba em decepção, quando certos parentes fazem questão de nos mostrar que, a partir do momento em que escolhemos um outro lugar para viver, dificilmente nos voltaremos a integrar no círculo íntimo. Pergunto-me de que terão medo...




Mais uma vez, fiquei na Alemanha, até porque não gosto de andar de avião (e este ano até arriscava passar o Natal no aeroporto). Mas o jantar da Consoada não me saiu bem. É no que dá, experimentar receitas novas em dias destes...

No dia de Natal, a Lucy começou a mostrar sinais de impaciência logo às oito da manhã. Lá me levantei e fui dar a volta habitual com ela, ainda antes do pequeno-almoço. Estavam dez graus negativos, as ruas desertas, a neve acumulada em todos os cantos e eu com aquele vazio... Mas onde estava o espírito de Natal?  Porque se esquecia ele de mim?

Ao longe, vi o dono de um cão que conheço de vista, a passear com o dito cujo. Quando nos cruzámos, em vez do habitual "Guten Morgen" (bom dia), saiu-me: "Frohe Weihnachten" (Feliz Natal). O homem olhou-me surpreendido, mas logo abriu um grande sorriso e respondeu: "Danke, gleichfalls" (obrigada, igualmente).

Continuei o meu caminho, sentindo-me mais quente por dentro, como se tivesse bebido um café ou um chá reconfortante. Acho que foi por fazer alguém sorrir. Alguns metros mais à frente, apercebi-me de que se aproximava um ciclista, por trás de mim. Há muitos ciclistas por aqui, eu própria ando muitas vezes de bicicleta. Mas, com este frio... Ainda por cima, o passeio tinha apenas uma faixa estreita limpa de neve. Ainda pensei: não me desvio, o passeio é para os peões, ele que mude para a rua. Mas a rua estava  escorregadia. E era Natal. Parei, cheguei a Lucy a mim e deixei espaço para o ciclista passar. O homem abriu um grande sorriso e disse qualquer coisa como: "Mas que simpatia! Muito obrigado." Tive que sorrir também, ao responder: "De nada".

Quando cheguei a casa, o Horst já tinha preparado o pequeno-almoço: o café quentinho, o pão torrado e estaladiço, a manteiga... Falámos sobre os presentes que tínhamos trocado no serão anterior. A sensação reconfortante tomava cada vez mais conta de mim, preenchendo o vazio...

Afinal, ele lembrou-se de mim, o espírito de Natal!



24 de dezembro de 2010

Doces



     Mas, quando passaram as casas de São Pedro, e entraram na estrada, silenciosa e triste, Cruges mexeu-se, tossiu, olhou também para a Lua, e murmurou de entre os seus agasalhos:
     - Ó Alencar, recita para aí alguma coisa...
     O poeta condescendeu logo - apesar de um dos criados ir ali ao lado deles, dentro do break. Mas, que havia ele de recitar, sob o encanto da noite clara? Todo o verso parece frouxo, escutado diante da Lua! Enfim, ia dizer-lhe uma história bem verdadeira e bem triste... Veio sentar-se ao pé do Cruges, dentro do seu grande capotão, esvaziou os restos do cachimbo e, depois de acariciar algum tempo os bigodes, começou, num tom familiar e simples:

                                                         Era o jardim de uma vivenda antiga
                                                         Sem arrebiques d'artes ou flores de luxo;
                                                         Ruas singelas d'alfazema e buxo,
                                                         Cravos, roseiras...

     - Com mil raios! - exclamou de repente o Cruges, saltando de dentro da manta, com um berro que emudeceu o poeta, fez voltar Carlos da almofada, assustou o trintanário.
     O break parara, todos o olhavam suspensos; e, no vasto silêncio da charneca, sob a paz do luar, Cruges, sucumbido, exclamou:
     - Esqueceram-me as queijadas!

Os Maias, Eça de Queiróz


BOAS FESTAS!

PJRTClub of Germany


E não se esqueçam dos doces para as sobremesas de Natal :-)

21 de dezembro de 2010

Weihnachtsmarkt



Uma das coisas que muito me surpreendeu (e agradou) nos meus primeiros tempos na Alemanha foi o Mercado de Natal. Em todas as cidades, grandes e pequenas, realiza-se, durante o Advento, um Mercado de Natal, onde se podem comprar objectos alusivos à quadra, sem esquecer os habituais comes e bebes, que incluem doces, muitos doces. Para quem não sabe, os alemães são grandes comedores de bolos, chocolates e afins.

Na fotografia seguinte podem-se ver Lebkuchen, bolos de especiarias, neste caso, em forma de coração, com dizeres escritos a creme de açúcar. As mensagens variam, agora há, claro, muitos "Feliz Natal" e "Boas Festas", mas também se encontram os "amo-te", "és a minha gatinha" e outras do género.




As fotografias foram tiradas em Stade, a cidade onde vivo, que tem cerca de 40 000 habitantes. Estavam 4 graus negativos, o que não impede que as pessoas andem na rua (um alemão que se preze não tem medo do frio). Este tipo de mercado decorre paralelo ao comércio habitual e costuma acabar por estes dias, antes do Natal propriamente dito.




O Mercado de Natal transmite muito bem a atmosfera desta época, principalmente, quando há neve e faz este frio de rachar. Claro que isto nada tem a ver com as condições climatéricas da terra onde Cristo nasceu, mas o frio, a neve, as luzinhas são, para o bem e para o mal, o símbolo do Natal europeu.




Por acaso, não tenho nenhuma fotografia de uma barraca de Glühwein. Como o próprio nome indica, Glühwein (vinho incandescente, ou em brasa) é feito de um vinho tinto um pouco ácido, assim a dar para o nosso verde, ao qual se juntam várias especiarias (canela, cardamomo, anis, etc.). Pode ainda ter um Schuss (pinguinha) de rum ou um qualquer bagaço. Agora, imaginem o carácter explosivo da mistela. Há quem venha ao Weihnachtsmarkt apenas para beber canecas de Glühwein mit Schuss... Não há frio que resista...

À falta das ditas fotografias, fico-me, para rematar, pelas habituais e inofensivas estrelas decorativas.


Vésperas de Natal

Blog ABC do Humor

20 de dezembro de 2010

D. Dinis e sua mãe

Os historiadores são peremptórios em afirmar que o relacionamento entre D. Dinis e sua mãe D. Beatriz não terá sido fácil nos primeiros meses de reinado do monarca, que tinha apenas dezassete anos. D. Beatriz estava habituada a participar na regência do reino, desde que o marido, D. Afonso III, adoecera. O velho rei teria mesmo aconselhado o seu herdeiro a continuar a apoiar-se na mãe.

Parece certo que se formou um conselho de regência, depois da morte de D. Afonso III. Escassos dois meses mais tarde, porém, esse conselho já não existia e nota-se o afastamento de D. Beatriz.

O jovem rei terá pretendido, desde o início, mostrar quem realmente mandava no reino, o que denota uma grande auto-estima, coragem e segurança por parte dele. Mas não terá sido fácil revelar as suas intenções à mãe. Aqui, uma passagem da discussão entre os dois:


- Neste reino existe um soberano maior de idade, não há espaço para conselhos de regência.
A mãe olhou-o irritada, mas não respondeu logo, evitando precipitar-se, dizendo algo inconveniente. Ela bem sabia que já não tinha um infante à sua frente, mas um soberano. Finalmente, retorquiu:
- Sois rei, mas sois muito jovem. Além disso, sois meu filho, conheço-vos bem. Não duvido das vossas capacidades, sempre fostes inteligente e perspicaz. Tereis, porém, que aprender a controlar uma certa impulsividade, que pode ser interpretada como insegurança, ou até fraqueza.
- Não vos preocupeis. Sei perfeitamente o que de mim é esperado.
- Apenas vos quero ajudar…
- Eu não preciso de ajuda.
Dinis não falava de ânimo leve, pois não duvidava das capacidades de sua mãe. Mas imperava mostrar, desde o início, quem era o soberano.
Beatriz olhava-o estupefacta e insistiu:
- Mas o conselho de regência deveria…
- Não existe nenhum conselho de regência!
- Ignorais o desejo de vosso falecido pai? Que tanto vos amava e tantas esperanças em vós depositou?
- Não acho que meu pai tenha desejado que o seu sucessor fosse comandado. Fosse por quem fosse.
- Negais que ele vos aconselhou a confiar na minha experiência e a seguir a minha orientação?
- Talvez ele quisesse prevenir alguma dificuldade ou insegurança que me surgisse. Mas asseguro-vos: nada disso acontecerá.
Dinis era implacável, mas Beatriz estava incapaz de se conformar com aquela decisão do filho:
- Bem sabeis que ele me pôs à frente do grupo dos testamenteiros, formado pelo mordomo-mor, pelo chanceler e…
- Minha senhora! D. João Peres de Aboim era mordomo-mor de meu pai e D. Estêvão Anes o seu chanceler. Mas, por maior desgosto que me tenha causado a sua morte e por mais respeito que guarde pela sua memória, factos são factos: el-rei de Portugal já não se chama D. Afonso III e sim D. Dinis!
Sua mãe olhava-o escandalizada e ele acrescentou:
- Nomearei novos colaboradores e conselheiros, o mais depressa possível.
- Pretendeis afastar do conselho de regência os melhores servidores de vosso falecido pai? Seus amigos de infância?
Dinis levantou-se irritado:
- Quando parais de falar nesse bendito conselho de regência?


(Ler outros extractos do romance na etiqueta Citando o Lavrador)

18 de dezembro de 2010

A Casa Pobre da Europa

"A Eurostat indica Portugal como o país mais pobre da Europa ocidental, devido, principalmente, à sua baixa produtividade. A Comissão Europeia diz que o problema principal assenta na má formação de grandes faixas da população portuguesa."

Estas afirmações (por mim traduzidas do alemão) podem ser lidas no site da ZDF, onde o nosso país é caracterizado pela expressão que serve de título a este post. E eu cito-as aqui porque referem um problema poucas vezes mencionado, ainda e sempre subestimado, mas que não deixará de causar dissabores enquanto persistir.

Em Portugal, não se aprendem profissões, ainda prevalece a mentalidade do "jeitoso", que vai aprendendo à medida que trabalha. Uma falha no sistema educativo, que é igualmente responsável pela desmotivação de muitos estudantes que desistem do liceu a meio, ou empurra outros para cursos superiores por falta de alternativas, correndo o risco de não arranjarem um emprego condizente. Além disso, permite a qualquer "jeitoso" fundar uma firma, sem dar provas das suas competências. Na Alemanha, um mecânico de automóveis, por exemplo, só é autorizado a abrir uma oficina se tiver o título de Meister. Este consegue-se frequentando um curso (normalmente de três anos), depois de se ter cumprido um certo tempo de escolaridade (não precisa do 12º ano), ao fim do qual se faz um exame rigoroso.

O investimento neste tipo de ensino demoraria a dar os seus frutos. Mas, se Portugal o tivesse feito a partir de meados dos anos oitenta (quando o país entrou na CEE) os resultados já se sentiam. E talvez a crise não nos apanhasse tão desprevenidos e ninguém nos apelidasse de "Casa Pobre da Europa".

17 de dezembro de 2010

16 de dezembro de 2010

D. Dinis e D. Isabel

A minha principal intenção ao escrever um romance histórico deste tipo é entrar na intimidade das personagens, tentar perceber que tipo de pessoas elas foram, que incentivos as moviam e com que conflitos se debatiam. No entanto, não é fácil encontrar o tom certo para descrever a intimidade de personalidades que nos habituámos a venerar. No caso de D. Isabel, a dificuldade é acrescida pelo facto de ela ter sido canonizada.

D. Dinis e D. Isabel, o par real mais venerado da nossa História, só tiveram dois filhos, em mais de 40 anos de casamento. Claro que se pode sempre dizer que D. Dinis, ocupado com as suas barregãs, pouca atenção dava à sua rainha. Mas será essa explicação suficiente, para um tempo em que não havia contracetivos eficazes? Outra hipótese, avançada no romance "Onde vais, Isabel", de Maria Helena Ventura, seria D. Isabel ter ficado estéril, na sequência do parto difícil do infante D. Afonso.

Eu dei a minha própria versão. Que começou com os sentimentos contraditórios que D. Isabel, chegada de Aragão com apenas doze anos, provocou no seu noivo, de vinte e um:


Dinis não sabia descrever a impressão que ela provocava nele. Normalmente, ao pousar os olhos numa jovem senhora, logo decidia se ela lhe agradava ou não. Mas com Isabel era diferente. Não que não a achasse bonita, pelo contrário. Quem não ficaria encantado com os cabelos sedosos, os olhos brilhantes e as faces delicadas? Aquele ar sábio dela, porém, incomodava-o. Preferia ter uma jovem à sua frente que corasse de cada vez que ele pousasse os olhos nela. Como poderia ele surpreender Isabel? Manteria ela aquele seu ar superior e intocável perante tudo? Mesmo perante uma intimidade que ela ainda não conhecia?
(...)
Isabel conversava agora com Nuno Martins de Chacim, completamente rendido aos encantos da jovem rainha. Todos aqueles em quem ela pousava os seus olhos negros e brilhantes pareciam encarar uma luz divina e Dinis perguntava-se se tal rainha representava uma bênção… ou uma maldição!


A quem dedicou D. Dinis poemas de conteúdo tão sofrido, como os que se seguem? E, se foi à rainha, qual seria o verdadeiro motivo?


O meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa, senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará.

Como justificareis a minha morte perante Deus? Pois que me matastes a mim, cujo único mal é o grande amor que vos tenho, que não há amor maior, e por vós morrerei. Será essa a única razão que Lhe podeis dar da minha morte, não O podereis enganar, que Ele bem sabe quanto vos amo e que nunca mereci que de vós me adviesse a morte. Por tal injustiça, nunca d’ Ele obtereis perdão, pelo que sereis condenada, quando todos formos diante d’ Ele.

Nota: estas cantigas de amor foram originalmente escritas em galaico-português e são de compreensão difícil para quem não se ocupe com assuntos deste tipo. Optei, por isso, por transcrever, neste blogue, apenas o seu sentido, "traduzido" para o português moderno. No romance, as cantigas são reproduzidas na íntegra.

(Ler mais extractos do romance na etiqueta Citando o Lavrador)

15 de dezembro de 2010

Delito de Opinião

Senti-me muito honrada ao constatar que o Pedro Correia, do blogue Delito de Opinião, incluiu este Andanças Medievais no seu De blogue em blogue.

Obrigada Pedro, um abraço para si e toda a equipa.

Resta acrescentar que o Delito de Opinião faz parte dos nomeados para blogue do ano, assim como o Pedro Correia para blogger do ano, no Combate de Blogues do TVI24. Para votar, é só clicar no link!


P.S. Não sei porque é que o link da legenda do Cartoon do post anterior não funciona. Mas é possível aumentar a imagem, clicando nela (não no link).

Fim da crise já tem data!

Infelizmente, só daqui a trinta anos...

VD Cartoons



Vejam mais tiras do Van Dog!

13 de dezembro de 2010

2711 da semana

O Andanças é o blogue 2711 da semana! Sinto-me muito honrada. É uma malta mesmo simpática, que não pára de me surpreender (mesmo que só haja dois sportinguistas entre eles)...

A ocasião merece uma fotografia! Olh'ó passarinho!


D. Dinis e seu irmão (II)

Sobretudo na Idade Média, seria difícil ser o filho segundo de um rei. D. Dinis terá compreendido a situação ingrata do irmão mais novo, pois perdoou-lhe todas as revoltas. D. Isabel, no entanto, não sentiria grande simpatia pelo cunhado, já que apresentou um protesto formal na Alcáçova de Coimbra, quando D. Dinis se preparava para legitimar os sobrinhos.

O infante D. Afonso estava casado com uma parente próxima, pelo que necessitava de uma dispensa papal, que não chegou a receber. Pediu, por isso, ao irmão rei que lhe legitimasse os filhos, para que estes pudessem herdar os seus bens. Apesar do protesto de D. Isabel, D. Dinis fez a vontade ao irmão.

Esta antipatia da rainha, normalmente generosa e paciente, estranhou D. Dinis:


Dinis notava como Isabel tinha dificuldades em disfarçar a antipatia que sentia pelo infante. Como se tratava de algo extremamente raro nela, já a averiguara nesse sentido, pelo que ela o informara que Afonso representava tudo aquilo o que ela abominava: falsidade, inveja, irresponsabilidade e inconveniência. O rei espantara-se com a brusquidão daquela resposta, mas só num primeiro momento. Isabel era mesmo assim: sincera, no bem e no mal.

Mais tarde, porém, D. Isabel arrepende-se:

 Regressado a Lisboa em Setembro, o rei encontrou Isabel preocupada. Por um lado, o estado de saúde da sogra inspirava cada vez mais cuidados e, por outro, ouviam-se rumores quanto a manobras de Afonso:
- Diz-se que ele jamais tornará a fazer as pazes convosco, que só descansará quando se apoderar ele próprio do trono.
- E porque vos afligis tanto? Acreditais que ele me consiga derrubar?
- Não, mas pressinto uma guerra, o verter desnecessário de sangue… Além disso, preocupo-me com ele...
Dinis arqueou as sobrancelhas espantado:
- Vós preocupais-vos com o vosso cunhado?
- Na Primavera, quando recebestes o pedido de auxílio dos concelhos leoneses, ele reagiu de forma muito estranha: aqueles ataques de fúria despropositados, a crença de que todos o abandonaram, até a própria mãe…
O rei encolheu os ombros:
- Ele sempre foi de birras.
- Pressinto algo mais grave… E censuro-me por o ter desprezado.
- Que dizeis?
Visivelmente incomodada, Isabel confessou:
- Não sei porque o fiz. Afinal, empenho-me em ajudar e em compreender os outros, por mais defeitos que tenham. Mas Afonso… - suspirou, agitada. - Ele sempre teve uma habilidade incrível para me repugnar. E censuro-me por não ter conseguido vencer essa aversão. Não me consigo livrar da convicção que, se tivesse sido mais compreensiva e procurado uma aproximação, talvez ele não se sentisse tão abandonado pela família e não tivesse tanta necessidade de vos afrontar… e de magoar a mãe.
- Não vos martirizeis! Afonso, no fundo, nunca se conformou com a sua condição de filho segundo. Desconfio que, mesmo quando acompanha a corte e encabeça a lista dos confirmantes, remói o seu desagrado, a sua frustração… Enfim, é uma condição maldita…
- Mais uma razão para sermos compreensivos com ele.
- Mas eu sempre o fui! Sempre me esforcei por cumprir o desejo de meu pai, que tomasse conta dele, que o amparasse… - Abriu os braços, num gesto de impotência: - O que eu não posso é pôr-lhe o trono à disposição!

O infante D. Afonso terá passado os seus últimos anos de vida muito amargurado, recolhido na sua vila de Vide, afastado de tudo e de todos, morrendo com apenas 48 anos. Mas não vou revelar aqui as razões, há-de haver motivos para que comprem o livro!

(Mais extractos do romance na etiqueta Citando o Lavrador)

10 de dezembro de 2010

D. Dinis e seu irmão

D. Dinis é visto como um rei sábio e justo, amante da poesia e dos prazeres da vida. E, no entanto, como diz o texto da contracapa do meu romance: "A tragédia também assolou a sua alma, primeiro foi o conflito armado com o irmão, no final da vida, a dilacerante guerra com o seu próprio filho herdeiro".

É curioso verificar que os dois acontecimentos que mais ensombraram o seu reinado tiveram, como protagonistas, os seus parentes mais chegados: o irmão e o filho (que, por acaso, tinham o mesmo nome). A tradição dá-lhes mau génio, apelida-os de mal agradecidos, ilibando D. Dinis de qualquer culpa. Mas seria simplista demais considerar que o monarca tenha sido apenas vítima.

Deixo o filho para outra altura e falo hoje no irmão. Nas pesquisas sobre D. Dinis, é comum ler-se uma certa perplexidade em relação ao facto de D. Afonso, por três vezes, se ter revoltado contra o irmão rei e de todas ter sido perdoado. Magnanimidade infinita por parte de D. Dinis? Eu penso que seria, por um lado, compreensão pela condição de filho segundo, por outro, o acreditar que D. Afonso nunca lhe poderia ser realmente perigoso. E acrescentei ainda a vontade dos pais de D. Dinis em que ele proteja o irmão.

Numa passagem do romance, em que os dois ainda são infantes (14 e 16 anos), numa altura em que cavalgam para uma caçada, lê-se o seguinte:

 
O príncipe herdeiro observou o mais novo de soslaio. Afonso cavalgava casmurro e mal disposto a seu lado, mas era curioso constatar que, com os seus cabelos e olhos escuros, era parecidíssimo com o pai. O que levava muita gente a dizer que usufruía de compleição real…
No fundo, Dinis tinha pena dele. Havia de ser uma cruz bem pesada, essa de saber que nunca chegaria a rei, apesar de ser filho de um. Ele próprio, vendo-se nessa situação, aceitaria o seu destino? Ou lutaria pelo trono? Naquele momento, pareceu-lhe impossível viver como filho segundo e deu graças a Deus por não o ser.
            Pobre Afonso!


Noutra passagem, D. Afonso III, sentindo a morte a aproximar-se, faz recomendações ao seu herdeiro de 17 anos, entre outras:


- E não olvides cuidar de Afonso!
Dinis hesitou, mas inquiriu cauteloso:
- Achais mesmo que posso confiar nele?
- Mas claro, ele é teu irmão!
O príncipe achou aquele argumento muito fraco. A História da Cristandade estava cheia de casos de irmãos mais novos que cobiçavam o trono dos herdeiros, cometendo traições e crimes. Como é que seu pai, um monarca tão astuto e com tanta experiência de vida, podia dar resposta tão ingénua àquela questão? Só podia ser por se tratar de dois filhos dele. Dinis insistiu:
- Não sei, o Afonso é… tão fechado, tão misterioso…
Beatriz resolveu intervir, o que Dinis aliás já calculava. E, como sempre, defendeu o filho mais novo:
- Afonso só há mister de alguém que tome conta dele, alguém que o oriente, que lhe indique o caminho a seguir. Se o souberdes levar, ele não vos causará dissabores.
- De resto - acrescentou o pai, - mesmo que ele se ponha com ideias, não te será custoso pô-lo na linha.
- Só há mister de saber levá-lo - insistiu a mãe.
            Dinis suspirou conformado. Sabia que não valia a pena contrariar os pais naquele assunto.

E, quer queiramos, quer não, o que nos é incutido pelos nossos pais acaba por nos influenciar durante toda a vida. Para o bem e para o mal... 

(Para ler mais excertos do romance, clique na etiqueta Citando o Lavrador).

Complexo do Alemão

Mais achados da blogosfera:

ABC do Humor


Ruca pergunta-se se aquilo do Complexo do Alemão terá a ver com a história de terem morto os judeus e assim.

8 de dezembro de 2010

D. Dinis e seu avô

Pelo lado materno, D. Dinis era neto de D. Afonso X de Leão e Castela, um dos monarcas mais influentes do seu tempo, apelidado de o Sábio. Ele próprio também poeta (D. Dinis ter-lhe-ia herdado este talento), escreveu vários livros e incrementou a cultura. Entre outras medidas, fundou a Escola de Tradutores de Toledo e um Observatório Astronómico.

D. Afonso X  favoreceu igualmente Portugal, ao prescindir dos direitos que tinha sobre o Algarve, a fim de presentear o neto D. Dinis, à altura com apenas cinco anos. E, no seu testamento, presenteia a filha ilegítima D. Beatriz, mãe do monarca português, com as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão, que pertenciam ao reino de Leão.

Um rei que conheceu a glória, mas que acabou exilado em Sevilha, deposto pelos seus próprios nobres em Cortes reunidas em Valhadolid, na sequência de desentendimentos com o seu herdeiro Sancho. D. Beatriz acompanhou o pai até ao fim, enquanto o jovem rei português ficou do lado do tio, contra o avô. O que muito indignou a mãe e desiludiu o velho Sábio, a ponto de este referir essa sua amargura no testamento.

Na minha opinião, D. Dinis, apesar de ter sido poeta, sabia pôr os sentimentos de lado, sempre que as circunstâncias o exigiam. E aqui vai o excerto do romance, em que o monarca, com 23 anos, recebe a notícia da morte do avô: 


            Uma vez sozinho, e depois de respirar fundo, o jovem rei leu a carta de sua mãe. Beatriz confirmava aquilo que o irmão Afonso já lhe dissera: a fim de recompensar a lealdade da filha, D. Afonso X deixara-lhe as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Mas também lhe havia deixado as rendas de Badajoz, cidade que, como Sevilha, fora fiel ao velho monarca até ao fim. A neta Branca herdara a quantia de 10 000 marcos, que lhe devia servir de dote.
            Na sua carta, Beatriz transcrevia ainda um passo do testamento, em que Afonso X se referia ao neto, rei de Portugal:
           
E voltamo-nos para o rei de Portugal, que era nosso neto, filho da nossa filha, que nos ajudasse de maneira que não caísse sobre nós tão cruel fim como este. Mas ele, juntando à sua juventude o conselho que lhe deram contra Deus e contra o direito aqueles que o aconselharam (…). Mas fê-lo de muitas maneiras ocultamente, o que nos fez um grande dano. Assim que mais o vimos amigo do nosso inimigo que nosso.

Dinis ficou longos momentos a olhar para aquelas linhas, onde Afonso X expressava a sua mágoa por não ter recebido o apoio do neto, ao mesmo tempo que o desculpava, que assim agira devido à sua juventude e por ter sido mal aconselhado. Mas era precisamente isso que mais enfurecia o jovem! Compreendia que o avô, sentindo aproximar-se o seu fim, desse largas à sua angústia, mas teria preferido que ele se tivesse abstido de tentar explicar as razões do comportamento do neto. Na opinião de Dinis, a sua própria atitude nada tinha a ver com imaturidade ou maus conselheiros. E não se arrependia!

(Para ler outros excertos do romance, clique na etiqueta Citando o Lavrador).

7 de dezembro de 2010

Escritores e Idiotas

Ao contrário do que possa parecer, o título deste post não compara escritores a idiotas. Haverá escritores que o sejam, outros, não, mas não me compete a mim julgar tal. Venho aqui apenas deixar dois links.

Um deles, remete para a Declaração de Istambul 2010, saída de um "Parlamento de Escritores" lá reunido, em que participou o português Rui Zink, mas onde também foi vedada a participação a V. S. Naipaul. A declaração (em inglês) tem precisamente a ver com a liberdade de expressão na literatura.


E este remete para o Perfil do Idiota. Delicioso, leiam!

5 de dezembro de 2010

Rei Poeta e Mulherengo

É por demais conhecido que D. Dinis teve várias barregãs e filhos ilegítimos. O Rei-Poeta é recordado como mulherengo, mas, com os seus cinco ou seis ilegítimos (as fontes diferem), nem se destaca dos restantes monarcas medievais. Seu bisavô D. Sancho I teve pelo menos oito, além dos onze da sua rainha, D. Dulce de Aragão.

É curioso verificar que D. Dinis e D. Isabel apenas tiveram dois filhos, em mais de quarenta anos de casamento. Sobre as razões apenas se pode especular e eu dou naturalmente a minha versão. Mas deixemos isso para uma próxima oportunidade.

Hoje, falo de barregãs e da maneira como os monarcas as "despachavam": dando-as em casamento a algum nobredas suas relações! Na verdade, era até uma honra casar com uma barregã real. E, tentando aproximar-me da mentalidade da época, transcrevo uma passagem em que D. Dinis, ainda solteiro, conjectura sobre duas barregãs: uma da qual já se encheu e outra que virá a ser:


- Até parece que já vos enchestes de mim! Dizei? É verdade?
- Não.
Dinis mentia. O temperamento incendiado de Maria Rodrigues de Chacim e as bisbilhotices provincianas enfastiavam-no. E dava-se conta do abismo existente entre ela e as finas maneiras de Grácia Anes Froilaz, filha de João Froilaz, um fidalgo de Torres Vedras, com quem travara conhecimento naquele Natal. Não que Grácia fosse especialmente bonita, mas era dona de grandes e expressivos olhos castanhos, possuía voz meiga e gestos dóceis. Sabia prosear e jogar xadrez. Dinis passara serões a jogar com ela, sob o olhar babado do pai da donzela… E o bufar ciumento de Maria Rodrigues. Mas que queria ela? Ele bem se  esforçara por a ensinar, mas Maria era incapaz de fixar os movimentos das peças. Não parava de tagarelar e quando Dinis lhe exigia que se concentrasse no jogo, ela protestava:
- Isto é mas é uma arte do diabo! Uns só podem andar para os lados, outros só o podem em viés, outros só uma casa de cada vez, o cavalo faz uns saltos que ninguém entende… Que confusão, credo!
Dinis suspirava por Grácia Anes e não duvidava que João Froilaz de Torres Vedras nada teria a opor a um relacionamento mais profundo entre ele e a sua prendada filha.
Por isso, o jovem soberano já referira ao seu mordomo-mor a necessidade de casar a neta Maria. A rapariga ia quase nos vinte e cinco, qualquer dia ninguém lhe pegava! Nuno Martins de Chacim expressou o seu acordo. E provou já haver pensado no assunto, ao mencionar um herdeiro dos Barretos como noivo. Os Barretos descendiam de um ramo dos Velhos, uma família que acompanhava a corte desde o tempo de D. Afonso Henriques. E, se Sua Alteza fizesse o favor de engrossar o dote à neta, o rapaz seria mais fácil de convencer…
            Dinis logo prometeu coutar-lhe uma boa propriedade.