Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de setembro de 2015

Portugal - a Flor e a Foice






«Infelizmente, o mito imperial estava nos livros, ilustrado com as caras barbudas e façanhudas de todos os descobridores, de todos os heróis. E tão arreigado que, ao contrário do que se pode pensar, desde o início até ao fim das hostilidades, a generalidade do povo português não foi contra a guerra: foi a favor, iludida pela propaganda, pela própria ignorância, traumatizada pelo receio de que, uma vez perdidas as colónias, ainda ficaria mais pobre. O pré-mensal que os soldados recebiam, uns dez mil escudos, e que em parte remetiam às famílias, parecia-lhes um passo largo a caminho da abundância. Por isso nas igrejas se rezava e se pedia o que só aos santos se pode pedir, o impossível, a saber: que a guerra continuasse e que os filhos não morressem nem fossem feridos».
(Página 97)

Lúcido. Provocador. Divertido. Imprescindível.
Evito usar adjetivos em excesso, mas, neste caso, são estas as quatro palavras que me ocorrem para caracterizar este livro.

É lúcido como só um livro escrito por alguém que mora no estrangeiro pode ser. Só com a distância devida se consegue olhar com tanta objetividade para os seus compatriotas e o seu país, desprovido de "rodriguinhos". Portugal – A Flor e a Foice foi escrito em 1975, publicado, na altura, apenas na Holanda, país onde vive José Rentes de Carvalho. A versão portuguesa demorou quase quarenta anos a surgir: em 2014, por ocasião do 40º aniversário da Revolução! Incompreensível.

É provocador e, por vezes, exagerado. Mas é um exagero perfeitamente justificado, aquele tipo de exagero que nos ajuda a abrir os olhos. Calculo, porém, que a crueza e a objetividade do escritor dificultem a leitura a muitos portugueses. A mim, não. Adorei! Por igualmente viver no estrangeiro e ter aprendido a olhar para o meu país sem as lentes afetivas que distorcem a realidade?

É divertido, raramente me diverti tanto a ler um livro. Podem chamar-lhe humor negro. Eu prefiro chamar-lhe ironia fina.

É imprescindível. Todos os portugueses deviam ler esta obra, por muito que lhes custasse. Seria uma espécie de lavagem interior, um banho de lucidez. Vêm-me à memória palavras do Ega, essa fascinante personagem de Eça, n' Os Maias: «Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso de um banho por dentro!»

Pois leiam este livro e purifiquem as vossas almas!

Aqui no blogue, não costumo dar estrelas aos livros que leio, ao contrário do que faço no Goodreads. Desta vez, abro uma exceção para dizer que este me merece cinco!

E aqui vai mais um cheirinho delicioso:

«Para eles [escritores] o povo era folclórico, estúpido, pobre por culpa da sua própria ignorância. Quando se lêem os romances em que, supostamente, o povo está presente, constata-se na generalidade este fenómeno curioso: aquele povo não existe, é a imagem deformada obtida pelos escritores que vão à província ver os camponeses como os curiosos vão a um jardim zoológico ver os animais. A prova: na maioria, na grande maioria dos romances portugueses, os personagens populares são postos a falar com empolamento académico, ou então com a ênfase pesada dos maus dramas de teatro. Mais: aquela linguagem não é a sua, autêntica e rude. Nada disso. É uma linguagem que o escritor inventa, pedante, a mentir nos sentimentos e na sintaxe. A ponto que com os romances portugueses sucede o seguinte: não parecem ter sido escritos para serem lidos, ou com a intenção profunda de, ao agitar um problema da sociedade, causarem uma mudança, ou corrigirem uma injustiça, mas simplesmente para que o autor possa dar entrada naquele grupo de eleitos que se julga diferente, e daí melhor».
(Página 134)


21 de setembro de 2015

A Citação da Semana (79)

Corajoso não é aquele que ignora as suas fraquezas, escondendo-as sob uma capa de agressividade ou arrogância. Corajoso é aquele que não se envergonha das suas fraquezas e aprende a viver com elas.

© C. Torrão

16 de setembro de 2015

Vida Canina



Observo-a da varanda das traseiras. É de raça indefinida e não sei o nome dela. Nem sequer sei se tem um nome. Pertence a uns vizinhos, mas não pode entrar no apartamento deles, hábitos antigos, que não concebem um cão dentro de casa. Vive e anda pelas hortas e terrenos que pertencem a essas mesmas pessoas, é alimentada e tem um lugar abrigado para dormir.



Os donos são idosos, reformados, e tratam frequentemente das suas hortas. Quando aparecem, ela não cabe em si de alegria: corre, salta, dança. Por vezes, fazem-lhe festas, principalmente, a dona. E é acarinhada pelos outros vizinhos que têm igualmente um pedaço de horta.


No mesmo prédio, vive um filho dos donos, com família. Outro dia, reparei que ela corria ainda com mais alegria. Cedo descobri a razão: a neta da dona, de oito ou nove anos, acompanhou a avó à horta e fez-lhe muitas festas. Ela não se fartava delas, sempre pronta, sempre a abanar a cauda, cheia de expectativa, quando a pequena se distraía com outra coisa, como que a dizer: «estou aqui, não me esqueças! Quero mais, gosto tanto»!
Por vezes, vagueia sozinha pelos campos, mais tristonha, o passo mais vagaroso, mais pesado. À espera que venha alguém...


Tem sentimentos, não há dúvida. E, no cômputo geral, fico com a sensação de que é feliz. Porque tem liberdade e sabe onde pertence. Estes dois fatores são essenciais a um cão. Sozinhos, ou presos, não têm hipótese de serem felizes. E escusado será dizer que a combinação destas duas situações é o pior que pode acontecer a estes seres, que nos idolatram, como se fôssemos deuses. Era tão bom que ninguém abusasse dessa característica canina!






 

14 de setembro de 2015

A Citação da Semana (78)

«Solidão, recolhimento, sossego à minha volta e ocupação interior - é este o único estado em que eu ainda frutifico».

Friedrich Schiller


11 de setembro de 2015

Pagar ou não pagar, eis a questão (a que nem eles sabem responder)


Os portugueses não são preguiçosos, nem piegas, são até muito esforçados, e possuem grande vontade de agradar. Aos de fora. Em relação aos seus compatriotas, mostram pouca solidariedade. Além disso, ocupam grande parte do seu tempo com coisas evitáveis. Esse é, no fundo, o grande problema do nosso país: produtividade baixa devido à concentração de forças nas coisas erradas. Senti-o na pele, num assunto que se arrastou durante ano e meio, consumindo esforços e dinheiro desnecessários.


Em Abril de 2014, recebi, da Segurança Social, uma Certidão de Dívida, já em processo de execução, de quase seis mil euros, dizendo respeito a contribuições que não teria pago, desde Janeiro de 2011. Ora, eu tinha, de facto, atividade profissional aberta nas Finanças. No que respeitava ao período considerado, porém, os meus ganhos tinham sido de 0,00 €. A editora em questão não avançou com os pagamentos, eu nem sequer tenho qualquer informação sobre o número de exemplares de minha autoria vendidos. Entreguei, todos os anos, pontualmente, a minha declaração de IRS. Sem ganhos a declarar, nada a pagar, nada a receber. Pensei que o assunto estava resolvido.

Enganei-me! Quando recebi a Certidão de Dívida, reclamei, explicando a minha situação. Recebi uma resposta que não me satisfez e tornei a reclamar, depois de consultado o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social em vigor, que diz expressamente ter a Segurança Social o dever de contactar o cidadão contribuinte, depois de este ter declarado atividade profissional nas Finanças, a fim de esclarecer a situação.


Andei cerca de dois meses sem notícias. Quando as recebi, em fins de Agosto de 2014, foram as piores possíveis: a dívida, diziam-me, persistia e davam-me um prazo de dez dias para a pagar, ao fim do qual o processo seguiria «os ulteriores termos de penhora». Foi grande a aflição. A dívida pagou-se, fez-se um pedido para travar o processo de penhora. Apesar de achar me ter sido feito grande injustiça, não pude deixar de sentir alívio, pensando que o assunto estivesse resolvido.

Mais uma vez me enganei! Recebi, em meados de Fevereiro de 2015, um despacho de um Diretor (fico-me por aqui, no título), a deferir o pedido de isenção de pagamentos da minha parte no período em questão, por baixo rendimento! Isto, em resposta à minha reclamação de Junho de 2014. E cinco meses depois de eu ter pago a “dívida”.

Tomei providências no sentido de me ser devolvido o dinheiro. Ao fim de sete meses, ele chegou enfim à minha conta! Apesar de demorada, a justiça acabou por se fazer (excluindo juros de mora, claro). Mas não queria deixar de assinalar que vários funcionários da Segurança Social (só Deus sabe quantos) estiveram ocupados, durante ano e meio, com um falso problema. Assim se gastam recursos e tempo no nosso país.

 

7 de setembro de 2015

A Citação da Semana (77)

Somos tão lestos a julgar, cada um convencido ser dono da moral absoluta, sem notar que, se assim fosse, este mundo seria o Paraíso e ninguém teria de morrer para o alcançar.



© 2015 C. Torrão