«Que em Hamburgo seja possível despedir alguém por amar uma pessoa do mesmo sexo é inaceitável. Mas onde vivemos nós? (…) O Direito do Trabalho tem de ser modificado, para que todos percebamos em que século vivemos.»
Hoje fui despertada, ao pequeno-almoço, por estas palavras de Daniel Kaiser*, comentador radiofónico do NDR, o canal regional do Norte do grupo estatal radio-televisivo ARD. Mas incluirá o Direito do Trabalho alemão alguma lei neste sentido? Não se respeitam os Direitos Humanos neste país?
Na verdade, Daniel Kaiser falava da Igreja Católica alemã, que acaba de viver uma das semanas mais duras da sua existência. Não foi só a publicação de um relatório* sobre abusos sexuais na arquidiocese de Munique/Freising, que acusa o atual arcebispo, cardeal Reinhard Marx, e o próprio papa emérito Bento XVI, arcebispo entre 1977 e 1982, de terem ocultado casos deste tipo, protegendo os prevaricadores. Foi também a semana em que cento e vinte e cinco pessoas - incluindo padres, trabalhadores a tempo inteiro ou voluntários na Igreja Católica nos países de língua alemã - fizeram história ao revelarem fazer parte da comunidade LGBTQIA+. Esta é a primeira vez, em todo o mundo, que um grupo de atuais e antigos colaboradores profissionais e voluntários da Igreja Católica Apostólica Romana se assume em massa e publicamente.
“A Igreja deve finalmente assumir a sua responsabilidade na luta pelos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo”, já que a maioria dos signatários “sofreu numerosas experiências de discriminação e exclusão, também na e pela Igreja institucional”.
De facto, é de Direitos Humanos que se trata (e, para quem gosta de nos comparar com animais, acrescente-se que, na Natureza, também há homossexualidade e mudança de sexo, por exemplo). Além disso, recordemos que pessoas LGBTQIA+ sempre existiram, existem há milénios, não é uma “modernice” inventada nos nossos dias. É incrível que ainda se ande a esconder esta realidade; é incrível que haja discriminação, numa Igreja que faz do «amor ao próximo» um dos seus pilares de sustentação; é incrível que se continuem a condenar pessoas a viver na clandestinidade; é incrível que ainda haja gente que se recuse a incluir esta realidade na formação de jovens e crianças.
Vai sendo tempo de encararmos qualquer ser humano ao nosso nível, sem nos acharmos superiores, apenas por pertencermos à maioria heterossexual. E comentários do género “não ando a exibir aquilo que faço na privacidade” são profundamente injustos e desonestos, em relação a pessoas que revelam outras preferências sexuais. Caso contrário, também teríamos de acusar aqueles que afirmam com orgulho serem heterossexuais de estarem a exibir a sua intimidade.
A Igreja Católica alemã enfrenta uma grande crise, que tenta ultrapassar através do Caminho Sinodal, um movimento iniciado em 2019 e que prevê plenários regulares de discussão sobre temas como a moral sexual ou a ordenação de mulheres. Porém, e como seria de esperar, muitos obstáculos se apresentam neste Caminho. Não só a pandemia obrigou a adaptações, também os setores alemães mais conservadores e o próprio Vaticano acusam os que exigem reformas de estarem a forçar uma divisão entre os crentes. E, no entanto, continuar a calar e a ignorar realidades e problemas seria continuar o caminho errado deste “clube de homens”, que tantos crimes já cometeu, e continua a cometer, em nome de Deus.
* links que conduzem a sites alemães, de onde traduzi algumas passagens.