Falava eu há tempos da "ditadura das mães", que consiste na obrigação de idolatrar todas as mães, independentemente do seu comportamento em relação aos filhos. É verdade que "mãe, há só uma" e a maior parte delas merece o "endeusamento" praticado pela nossa cultura. Mas também é verdade que, à sombra da crença, se encontra lugar para muita crueldade dissimulada.
Ainda antes do Natal, fomos confrontados com uma mãe que, em Alenquer, incendiou a casa, matando os dois filhos pequenos, enquanto estes dormiam. É claro que a senhora terá graves problemas psicológicos e, pelo que constatei na reportagem do Telejornal, ela mal saía de casa, assim como os filhos. Pergunto-me que vida (se é que se lhe pode chamar assim) teriam estas crianças.
Na mesma altura, deparei com um artigo sobre a mãe de Adam Lanza, o assassino de Newtown, com o título: Nancy Lanza: a primeira vítima ou a primeira culpada? A mulher tinha um arsenal de armas em casa e visitou, junto com o filho, vários campos de tiro para praticar. Por outro lado, Adam tinha problemas psicológicos ou emocionais que tornavam os elementos mais básicos da vida quotidiana - tal como a escola e os eventos sociais - um desafio para ele (...) À medida que esta cidade destroçada tenta processar o horror do massacre, há uma raiva considerável em relação à mãe de Adam. O seu nome está ostensivamente ausente de muitos dos memoriais e notas de condolências espalhados pela cidade.
Os habitantes de Newtown perguntam-se porque é que o filho tinha acesso às armas. Eu acho que o problema é muito mais complexo. Penso que nos devemos perguntar porque é que Adam tinha problemas psicológicos e emocionais tão graves! E também porque é que ele sentiu necessidade de matar a mãe, antes de cometer os outros crimes.
Enfim, são questões complexas e, sem conhecimento de causa, limitamo-nos a especular. Mas quis o acaso que eu assistisse, recentemente, a um programa que o canal alemão ARD transmitiu em Julho passado e que eu gravara. Foi um programa muito difícil de aguentar, um autêntico murro no estômago, que me deixou incomodada durante vários dias, pois tratava de um tema tabu por excelência: mães que molestam sexualmente os seus filhos. A polícia, e mesmo alguns psicólogos, acreditam que apenas os homens são capazes de tal crime, o que põe as vítimas numa situação de grande abandono, pois é difcílimo encontrar quem acredite nelas e lhes dê apoio. E põe-nas, muitas vezes, com vontade de matar a própria mãe, apesar de admitir ainda a amar, como confessou alguém nesse programa.
Não é minha intenção desculpar ninguém que cometa crimes horrendos pelo facto de ter sido abusado, maltratado, desleixado, ou humilhado pela mãe/pelos pais. Mas nada do que fazemos é por acaso. E tentar compreender as causas é deixar de fechar os olhos a este tipo de situações, que podem ter consequências terríveis.
Toda a gente censura os filhos que não tratam bem dos pais velhos. Mas quase ninguém censura os pais que não tratam bem dos filhos crianças. A não ser que o caso acabe em tragédia, fechamos os olhos a muitas maldades, porque, enfim, pais são pais. A dignidade das crianças, porém, não é inferior à dos idosos.
Adenda: já depois de ter escrito este post, constatei que passou, esta semana, mais uma reportagem sobre crianças sujeitas a abusos, no canal alemão regional MDR. Estudos parecem demonstrar (pelo menos, na Alemanha), que 15% (!!!) dos pais utilizam métodos, digamos, menos ortodoxos (para sermos simpáticos) a fim de "domarem" os filhos: tareias, queimaduras provocadas e o sacudir violentamente (que pode, aliás, levar à morte de bebés e crianças pequenas). As feridas físicas costumam curar. Já as psicológicas...
4 comentários:
Excelente dedo numa ferida!
Em causa, uma quantidade infinita de tabus, de preconceitos e, não menos grave, de um enorme cinísmo social.
Em Portugal, sucede com frequência, os vizinhos aperceberem-se de que existe algo de errado com aqueles que mais tarde vêm a ser protagonistas de casos extremos de violência e na altura em que são inquiridos, encolhem os ombros e mostram-se muito surpreendidos com o sucedido. A par de tudo isto, a irresponsabilidade das autoridades e das instituições a quem compete analizar e tratar esses casos, que são informados de que algo está errado com determinada pessoa, mas depois não agem, escudando-se nas imensas burocracias que é necessário ultrapassar.
Um mundo cão, minha amiga Cristina.
Minha amiga! Mãe só devia ser aquela que ama mesmo e protege. Infelizmente como tudo há mães e "bestas" que nem aos filhos reconhecem e os matam e maltratam e é revoltante quando tanta gente que gostava de ter um filho e o trataria bem não o pode ter e outras não dão valor a esse bem. A esse milagre. Um beijinho amiga. Bfsemana!
Obrigada pelas vossas palavras:)
Não há dúvida de que a nossa sociedade é cobarde nesse aspeto. E muito hipócrita. Por outro lado, maus tratos no seio de uma família são sempre muito difíceis de provar. Mas acho que as autoridades deviam andar mais atentas, sim. E devia haver mais sensiblização.
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