Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

25 de janeiro de 2013

Ainda as Mães

Falava eu há tempos da "ditadura das mães", que consiste na obrigação de idolatrar todas as mães, independentemente do seu comportamento em relação aos filhos. É verdade que "mãe, há só uma" e a maior parte delas merece o "endeusamento" praticado pela nossa cultura. Mas também é verdade que, à sombra da crença, se encontra lugar para muita crueldade dissimulada.

Ainda antes do Natal, fomos confrontados com uma mãe que, em Alenquer, incendiou a casa, matando os dois filhos pequenos, enquanto estes dormiam. É claro que a senhora terá graves problemas psicológicos e, pelo que constatei na reportagem do Telejornal, ela mal saía de casa, assim como os filhos. Pergunto-me que vida (se é que se lhe pode chamar assim) teriam estas crianças.

Na mesma altura, deparei com um artigo sobre a mãe de Adam Lanza, o assassino de Newtown, com o título: Nancy Lanza: a primeira vítima ou a primeira culpada? A mulher tinha um arsenal de armas em casa e visitou, junto com o filho, vários campos de tiro para praticar. Por outro lado, Adam tinha problemas psicológicos ou emocionais que tornavam os elementos mais básicos da vida quotidiana - tal como a escola e os eventos sociais - um desafio para ele (...) À medida que esta cidade destroçada tenta processar o horror do massacre, há uma raiva considerável em relação à mãe de Adam. O seu nome está ostensivamente ausente de muitos dos memoriais e notas de condolências espalhados pela cidade.

Os habitantes de Newtown perguntam-se porque é que o filho tinha acesso às armas. Eu acho que o problema é muito mais complexo. Penso que nos devemos perguntar porque é que Adam tinha problemas psicológicos e emocionais tão graves! E também porque é que ele sentiu necessidade de matar a mãe, antes de cometer os outros crimes.

Enfim, são questões complexas e, sem conhecimento de causa, limitamo-nos a especular. Mas quis o acaso que eu assistisse, recentemente, a um programa que o canal alemão ARD transmitiu em Julho passado e que eu gravara. Foi um programa muito difícil de aguentar, um autêntico murro no estômago, que me deixou incomodada durante vários dias, pois tratava de um tema tabu por excelência: mães que molestam sexualmente os seus filhos. A polícia, e mesmo alguns psicólogos, acreditam que apenas os homens são capazes de tal crime, o que põe as vítimas numa situação de grande abandono, pois é difcílimo encontrar quem acredite nelas e lhes dê apoio. E põe-nas, muitas vezes, com vontade de matar a própria mãe, apesar de admitir ainda a amar, como confessou alguém nesse programa.

Não é minha intenção desculpar ninguém que cometa crimes horrendos pelo facto de ter sido abusado, maltratado, desleixado, ou humilhado pela mãe/pelos pais. Mas nada do que fazemos é por acaso. E tentar compreender as causas é deixar de fechar os olhos a este tipo de situações, que podem ter consequências terríveis.

Toda a gente censura os filhos que não tratam bem dos pais velhos. Mas quase ninguém censura os pais que não tratam bem dos filhos crianças. A não ser que o caso acabe em tragédia, fechamos os olhos a muitas maldades, porque, enfim, pais são pais. A dignidade das crianças, porém, não é inferior à dos idosos.

Adenda: já depois de ter escrito este post, constatei que passou, esta semana, mais uma reportagem sobre crianças sujeitas a abusos, no canal alemão regional MDR. Estudos parecem demonstrar (pelo menos, na Alemanha), que 15% (!!!) dos pais utilizam métodos, digamos, menos ortodoxos (para sermos simpáticos) a fim de "domarem" os filhos: tareias, queimaduras provocadas e o sacudir violentamente (que pode, aliás, levar à morte de bebés e crianças pequenas). As feridas físicas costumam curar. Já as psicológicas...

4 comentários:

JoZé disse...

Excelente dedo numa ferida!

Bartolomeu disse...

Em causa, uma quantidade infinita de tabus, de preconceitos e, não menos grave, de um enorme cinísmo social.
Em Portugal, sucede com frequência, os vizinhos aperceberem-se de que existe algo de errado com aqueles que mais tarde vêm a ser protagonistas de casos extremos de violência e na altura em que são inquiridos, encolhem os ombros e mostram-se muito surpreendidos com o sucedido. A par de tudo isto, a irresponsabilidade das autoridades e das instituições a quem compete analizar e tratar esses casos, que são informados de que algo está errado com determinada pessoa, mas depois não agem, escudando-se nas imensas burocracias que é necessário ultrapassar.
Um mundo cão, minha amiga Cristina.

Anónimo disse...

Minha amiga! Mãe só devia ser aquela que ama mesmo e protege. Infelizmente como tudo há mães e "bestas" que nem aos filhos reconhecem e os matam e maltratam e é revoltante quando tanta gente que gostava de ter um filho e o trataria bem não o pode ter e outras não dão valor a esse bem. A esse milagre. Um beijinho amiga. Bfsemana!

Cristina Torrão disse...

Obrigada pelas vossas palavras:)
Não há dúvida de que a nossa sociedade é cobarde nesse aspeto. E muito hipócrita. Por outro lado, maus tratos no seio de uma família são sempre muito difíceis de provar. Mas acho que as autoridades deviam andar mais atentas, sim. E devia haver mais sensiblização.