Faz hoje 911 anos que morreu um infante
hispânico com apenas quinze anos de idade, de seu nome Sancho. E que
importância pode ter um acontecimento destes para Portugal, ocorrido
numa altura em que o nosso país ainda nem existia (talvez D. Afonso
Henriques ainda nem fosse nascido)?
Na verdade, esta morte modificou o curso
da História hispânica de forma radical. Caso o jovem Sancho tivesse
sucedido a seu pai, seria até provável que o reino de Portugal nunca se
tivesse formado. Estamos a falar do único filho varão do imperador D.
Afonso VI, pai de D. Teresa e avô de D. Afonso Henriques.
Afonso VI de Galiza, Leão e Castela, imagem daqui, sem indicação de data e autor
Num certo aspeto, a história de vida de
D. Afonso VI, rei de Leão Castela e Galiza, o que lhe valeu o título de
imperador, assemelha-se à de Henrique VIII de Inglaterra, que haveria
de nascer quase quatro séculos depois da sua morte: esperou, durante
toda a sua vida, por um herdeiro varão. Apesar de ter casado cinco
vezes, nasceu-lhe apenas uma criança legítima: a infanta D. Urraca, a
conhecida meia-irmã de D. Teresa.
À medida que envelhecia, D. Afonso VI
via-se incapaz de se conformar com este destino e, no início do século
XII, terá casado com Zaida, a sua barregã moura, legitimando assim o
filho de ambos. Zaida ter-se-ia convertido ao Cristianismo, sendo
batizada com o nome de Isabel, tendo o seu filho adquirido o nome de
Sancho (não sabemos como anteriormente se chamaria). Este casamento do
imperador não é consensual, entre os historiadores, pois não há forma de
o provar. A ter sido celebrado, foi-o de forma muito discreta. No
entanto, encontram-se referências a uma “rainha Isabel”, em alguns
documentos coevos, e o Professor Abel Estefânio, da Universidade do
Porto, refere, num seu artigo na revista Medievalista online, que “é pela autoridade do bispo Paio de Oviedo que somos informados de Zaida que «babtizata Helisabeth fuit vocitata»”.
Do que não há qualquer dúvida é que D.
Afonso VI, nos primeiros anos do século XII, decidiu apontar esse seu
filho, nascido em 1093, como seu sucessor legítimo, apelidando-o de
«infante Sancho». O jovem passou a confirmar os documentos oficiais da
corte, em conjunto com sua mãe, a tal «rainha Isabel».
Podemos imaginar o impacto que esta
medida causou na corte, nomeadamente em sua filha legítima Urraca e seu
genro Raimundo, mas também no casal Henrique-Teresa. Esse impacto foi de
tal ordem, que levou os dois genros a esquecerem as suas rivalidades, a
fim de firmarem, às escondidas do sogro, um Pacto Sucessório,
acontecimento praticamente desconhecido da nossa historiografia, mas
onde os dois decidiam como seria dividida a herança do imperador,
passando por cima do infante Sancho.
O vendaval durou, porém, apenas meia
dúzia de anos. O conde D. Raimundo faleceu, de repente, ainda antes do
sogro. E o jovem Sancho, nomeado, com apenas quinze anos, responsável
pela defesa de Toledo, acabou por perecer na Batalha de Uclés, a 29 de
Maio de 1108, na sequência de um ataque sarraceno.
D. Afonso VI, velho, doente e minado
pelo desgosto, morreria apenas cerca de um ano mais tarde. Antes disso,
porém, reuniu Cortes em Toledo e anunciou a filha Urraca sua sucessora,
ao que aliás se opôs o genro Henrique. Este acontecimento originou o
rompimento do conde portucalense com o sogro, que o baniu da corte,
considerando-o traidor.
Urraca I de Leão e Castela - Pintura de 1892/94 por José María Rodríguez de Losada na Prefeitura de Leão, Wikipedia
Como sabemos, também D. Henrique acabou
por morrer prematuramente, tornando-se as meias-irmãs Urraca e Teresa as
principais protagonistas da História Ibérica durante mais de uma
década. Ora, se o infante Sancho tivesse, de facto, sucedido a seu pai,
não se teriam verificado as lutas pelo poder entre as duas irmãs,
rivalidades que foram fundamentais para a formação do reino português.
Texto publicado originalmente aqui.