Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

20 de janeiro de 2021

Fita portuguesa em destaque

O cinema português está novamente de parabéns. O filme “Desventuras em Bragança”, o drama de uma tia e seu sobrinho ciganos, foi galardoado com o prémio Bolsonaro, na categoria de melhor argumento original. É sabido que este prémio não é apreciado pelos vultos da cultura, mas não deixa de ter impacto internacional. Aqui um resumo da fita:

A tia e o sobrinho têm um breve momento de fama, num evento organizado por um político compincha e generoso, muito amigo dos pobres e com coragem suficiente para organizar um jantar com 170 pessoas, em plena crise pandémica, com ambulâncias a formarem filas às portas dos hospitais.

Nesse evento, a tia declara: “Não sigo os ideais da etnia, eu sou completamente diferente. Embora seja da etnia, não me revejo nalgumas coisas da cultura e da vida deles”, por exemplo, “não trabalhar, a falta de higiene, viver em barracas”. A seu lado, o sobrinho concorda ser preciso “todos trabalharem para o País andar para a frente”.

O arrependimento dos dois constitui a primeira surpresa nesta intricada trama. A tia publica nas redes sociais um pedido de desculpas pelas ofensas involuntárias, considerando ter existido “um mal-entendido”, pois o que ela queria dizer era “que todos deveríamos trabalhar e contribuir com os impostos para o bem de todos, quer fosse de etnia cigana ou não”.

A segunda reviravolta nos acontecimentos é ainda mais dramática. Num vídeo pessoal gravado horas depois do sucedido, o sobrinho confessa não ser cigano e garante ter sido convidado a aparecer na sede quando “já estava na cama”. E relata: “O segurança do senhor Ventura agarrou-me pelo braço e meteu-me lá dentro (…) Entrei porque me agarraram”. Pede desculpa aos ciganos por toda a polémica criada e confessa ter muitos amigos daquela etnia, alguns dos quais, admite, até já estiveram com ele na cadeia. “O que gosto é de fumar um porro [charro] de erva e estar com os amigos tranquilamente” (...) “Oxalá me tivessem pagado. Se soubesse antes que ia ter mil pessoas a ameaçarem-me no Facebook, teria pedido cinco mil euros…”.

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A animar o enredo, surge ainda um empresário, piloto nas horas vagas, o verdadeiro galã da fita, simpatizante do tal político e garantindo que votaria nele, se pudesse. Não lhe será, contudo, possível, por a sua residência fiscal ser em Marrocos, onde tem uma empresa de relvas desportivas.

Assim que seja possível estrear a fita, quem arranjar entrada para o empolgante evento, fica automaticamente inscrito no sorteio de um batom preto. Entretanto, pode aceder-se a mais pormenores desta história mirabolante, incluindo o vídeo pessoal do sobrinho, clicando no link dado. Vai ver que não se arrepende!

11 de janeiro de 2021

A Paixão do Jovem Werther

 


Johann Wolfgang Goethe é um dos grandes nomes da literatura mundial, autor de algumas obras-primas, como Fausto ou Viagem a Itália, mas também conhecido pela sua poesia e (sobretudo na Alemanha) pelas suas Máximas e Reflexões.

A Paixão do Jovem Werther é um dos seus livros mais conhecidos, percursor do movimento literário que ficou conhecido por Romantismo. Conta-nos a paixão fulminante de Werther por Charlotte, ou Lotte, uma paixão condenada ao fracasso, pois a jovem está já noiva, quando os dois se conhecem.

Estamos numa altura de compromissos inquebráveis (o livro foi publicado, pela primeira vez, em 1774) e o noivado é um deles. A paixão de Werther é correspondida - pelo menos, assim é dado a entender nas cartas escritas pelo jovem a um amigo. Lotte possui, no entanto, um grande sentido de dever e nunca põe sequer a hipótese de cancelar o seu casamento com Albert, assim como, depois de casada, não concebe ser-lhe infiel. Werther afasta-se do casal, mas não aguenta viver longe da sua amada e torna à sua companhia. Albert começa a desconfiar da paixão de Werther pela sua mulher, mas hesita em exigir o afastamento daquele grande amigo e forma-se, ao nível platónico, um triângulo amoroso.

Os dois homens digladiam-se em diálogos catárticos, impensáveis nos dias de hoje, nos quais o pensamento racional de Albert entra em choque com o idealismo romântico do poeta Werther, que chega a verter lágrimas, a fim de o seu interlocutor e a sua amada melhor ficarem convencidos da sinceridade das suas palavras. Nesta época de grandes convenções sociais, são bem vistos arrebatamentos hoje considerados ridículos, uma espécie de herança medieval dos amores platónicos (diria eu): tudo é permitido, desde que não se consuma a paixão carnal.

A situação torna-se, porém, insustentável. O desconforto de Albert leva-o a transmitir a Lotte o receio de que os vizinhos comecem a falar e ela suplica a Werther que se afaste. A intensidade do sofrimento e do desespero levam o jovem a decidir cometer suicídio e impedem-no de continuar a escrever ao amigo. O romance deixa então de ser epistolar, o resto da história é contado pelo anterior destinatário das epístolas, a partir dos relatos das últimas pessoas a estarem com Werther.

É interessante ver como funcionavam as relações humanas no século XVIII. Penso, porém, notar-se ainda uma certa imaturidade do escritor, no seu idealismo romântico. Goethe tinha apenas vinte e cinco anos à data da primeira publicação deste livro, no qual incluiu elementos biográficos. Porém, A Paixão do Jovem Werther acabou por dar início ao Romantismo e teve um efeito devastador. Foi um sucesso de vendas e, diz-se, levou muitos jovens ao suicídio, na sua ânsia de imitarem o ídolo Werther (e falamos nós hoje nos malefícios das redes sociais na juventude!).

Sobre o estilo da escrita, de indiscutível qualidade em alemão, nada posso dizer em relação às traduções portuguesas, por não as conhecer.