Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

22 de março de 2017

Valorizar a família


«Criar um porco contribui para o PIB, criar uma criança não».*

Ao ler recentemente estas palavras de Friedrich List, um economista alemão do século XIX, lembrei-me do artigo que escrevi para a edição de Março do PORTUGAL POST, o único jornal para a comunidade portuguesa na Alemanha. Nesta edição dedicada às mulheres, o Diretor Mário Santos pediu-me para lhe enviar um pequeno texto sobre a minha experiência como escritora. Por razões que nem sempre sabemos nomear, acabei por fugir ao tema, concentrando-me na pouca valorização que a família tem na nossa sociedade.



Este problema, porém, não é novo, ao contrário do que se possa pensar. Não me refiro à coesão artificial dos laços familiares que existem por imposição, tipo dogma, mesmo entre parentes que se odeiam. Refiro-me mais ao pouco valor dado ao criar e tratar de crianças. A fim de cumprir os seus compromissos profissionais, os pais deixam, muitas vezes, os filhos pequenos a cargo de pessoas mal qualificadas. Persiste a crença de que qualquer mulher (pela mera possibilidade de ser mãe) sabe tratar de crianças e educá-las convenientemente.

Nada mais enganoso! Falamos de uma tarefa de alta responsabilidade. Se criar uma criança significasse apenas lavá-la, alimentá-la e dar-lhe um teto, elas bem podiam crescer todas em lares. O problema é que a sociedade parece considerar qualquer outro trabalho superior a esse, tornando-se quase um castigo ficar em casa a tratar dos filhos, das limpezas e das refeições, tarefas consideradas inferiores, degradantes e, talvez, por isso mesmo, mais próprias de mulheres. No entanto, o trabalho num matadouro, por exemplo, ou numa fábrica de produção em série, não me parece mais satisfatório, ou gratificante. Porque se considera superior o facto de se estar numa fábrica a apertar parafusos todo o dia, em relação a mudar fraldas e dar de comer a um bebé?

Na Alemanha, onde os ordenados o permitem, é frequente uma mulher prescindir do seu trabalho remunerado para ficar em casa durante alguns anos, depois de ter filhos. Apesar de a lei permitir que os homens façam o mesmo, uma percentagem ínfima de pais decide-se por esta opção. Há ainda muito preconceito em relação a um casal que decide inverter os papéis. Para que houvesse realmente uma mudança de mentalidades, as tarefas caseiras deviam ser valorizadas, ser alvo de consideração social. E talvez também remuneradas. Afinal, ao proporcionar uma boa infância às suas crianças, o Estado está a investir no futuro.

Toda a família devia ser valorizada, independentemente da sua forma, ou modelo. Mais do que fazer a apologia da família tradicional, proponho um olhar diferente para as pessoas que tratam dos filhos e da casa, sejam homens ou mulheres. Em vez de piedade, ou condescendência, reservemos-lhes respeito e consideração!

Também o mercado de trabalho se devia adaptar ao conceito de família, tomar consciência de que não é indiferente quem trata das crianças e proporcionar condições para que as pessoas que regressam mais cedo a casa, ou mesmo se vejam forçadas a cancelarem compromissos, por causa dos filhos, não sejam olhadas de forma desaprovadora. As crianças precisam dos pais (biológicos, ou não). Para os homens e mulheres que prescindem temporariamente da sua atividade profissional, o regresso ao mercado de trabalho devia ser facilitado, independentemente das suas idades. Os horários laborais deviam igualmente ser mais flexíveis, de acordo com as necessidades das famílias, assim como deveria haver mais possibilidades de trabalhar em part-time. As crianças são o espelho da família. Pais felizes significa filhos felizes; crianças de pais stressados e/ou descontentes refletem o ambiente que têm em casa e são elas próprias sérias candidatas a adultos depressivos.

A sociedade subestima a educação das crianças. Costuma-se dizer: «elas não morrem por não terem os pais perto delas. Lá se criam». Na minha opinião, porém, nada se compara a uma infância bem estruturada e apoiada, na companhia de pais que realmente têm tempo para os filhos. Costumo dizer que a única coisa que pode mudar o mundo são infâncias felizes.


* Citado por Thomas Sternberg, Presidente do Comité Central dos Católicos Alemães (Zentralkomitee der deutschen Katholiken), na KirchenZeitung de 5 de Março de 2017.
 Frase no original: Das Großziehen eines Schweins trägt zum Bruttosozialprodukt bei, die Erziehung eines Kindes nicht.


1 comentário:

Olinda Melo disse...


Olá, Cristina


Este seu texto é um retrato do que se passa nas famílias.
O investimento na educação das nossas crianças é o melhor
que as sociedades deveriam fazer. Concordo plenamente:
o mundo seria um lugar melhor se as crianças tivessem
infâncias felizes.

Bj

Olinda