«Criar um porco contribui para o PIB, criar uma criança não».*
Ao ler recentemente estas palavras de Friedrich List, um
economista alemão do século XIX, lembrei-me do artigo que escrevi para a edição
de Março do PORTUGAL
POST, o único
jornal para a comunidade portuguesa na Alemanha. Nesta edição dedicada às
mulheres, o Diretor Mário Santos pediu-me para lhe enviar um pequeno texto
sobre a minha experiência como escritora. Por razões que nem sempre sabemos
nomear, acabei por fugir ao tema, concentrando-me na pouca valorização que a
família tem na nossa sociedade.
Este problema, porém, não é novo, ao contrário do que se possa pensar. Não
me refiro à coesão artificial dos laços familiares que existem por imposição,
tipo dogma, mesmo entre parentes que se odeiam. Refiro-me mais ao pouco valor
dado ao criar e tratar de crianças. A fim de cumprir os seus compromissos
profissionais, os pais deixam, muitas vezes, os filhos pequenos a cargo de
pessoas mal qualificadas. Persiste a crença de que qualquer mulher (pela mera
possibilidade de ser mãe) sabe tratar de crianças e educá-las convenientemente.
Nada mais enganoso! Falamos de uma tarefa de alta responsabilidade. Se
criar uma criança significasse apenas lavá-la, alimentá-la e dar-lhe um teto,
elas bem podiam crescer todas em lares. O problema é que a sociedade parece
considerar qualquer outro trabalho superior a esse, tornando-se
quase um castigo ficar em casa a tratar dos filhos, das limpezas e das
refeições, tarefas consideradas inferiores, degradantes e, talvez, por isso
mesmo, mais próprias de mulheres. No entanto, o trabalho num matadouro, por
exemplo, ou numa fábrica de produção em série, não me parece mais satisfatório,
ou gratificante. Porque se considera superior o facto de se estar numa fábrica
a apertar parafusos todo o dia, em relação a mudar fraldas e dar de comer a um
bebé?
Na Alemanha, onde os ordenados o permitem, é frequente
uma mulher prescindir do seu trabalho remunerado para ficar em casa durante
alguns anos, depois de ter filhos. Apesar de a lei permitir que os homens façam
o mesmo, uma percentagem ínfima de pais decide-se por esta opção. Há ainda
muito preconceito em relação a um casal que decide inverter os papéis. Para que
houvesse realmente uma mudança de mentalidades, as tarefas caseiras deviam ser
valorizadas, ser alvo de consideração social. E talvez também remuneradas. Afinal,
ao proporcionar uma boa infância às suas crianças, o Estado está a investir no
futuro.
Toda a família devia ser valorizada, independentemente
da sua forma, ou modelo. Mais do que fazer a apologia da família tradicional,
proponho um olhar diferente para as pessoas que tratam dos filhos e da casa,
sejam homens ou mulheres. Em vez de piedade, ou condescendência,
reservemos-lhes respeito e consideração!
Também o mercado de trabalho se devia adaptar ao
conceito de família, tomar consciência de que não é indiferente quem trata das crianças
e proporcionar condições para que as pessoas que regressam mais cedo a casa, ou
mesmo se vejam forçadas a cancelarem compromissos, por causa dos filhos, não
sejam olhadas de forma desaprovadora. As crianças precisam dos pais
(biológicos, ou não). Para os homens e mulheres que prescindem temporariamente
da sua atividade profissional, o regresso ao mercado de trabalho devia ser
facilitado, independentemente das suas idades. Os horários laborais deviam
igualmente ser mais flexíveis, de acordo com as necessidades das famílias,
assim como deveria haver mais possibilidades de trabalhar em part-time. As crianças são o espelho da
família. Pais felizes significa filhos felizes; crianças de pais stressados e/ou
descontentes refletem o ambiente que têm em casa e são elas próprias sérias
candidatas a adultos depressivos.
A sociedade subestima a educação das crianças. Costuma-se
dizer: «elas não morrem por não terem os pais perto delas. Lá se criam». Na
minha opinião, porém, nada se compara a uma infância bem estruturada e apoiada,
na companhia de pais que realmente têm tempo para os filhos. Costumo dizer que
a única coisa que pode mudar o mundo são infâncias felizes.
* Citado por
Thomas Sternberg, Presidente do Comité Central dos Católicos Alemães (Zentralkomitee der deutschen Katholiken),
na KirchenZeitung de 5 de Março de
2017.
Frase no
original: Das Großziehen eines Schweins
trägt zum Bruttosozialprodukt bei, die Erziehung eines Kindes nicht.
ResponderEliminarOlá, Cristina
Este seu texto é um retrato do que se passa nas famílias.
O investimento na educação das nossas crianças é o melhor
que as sociedades deveriam fazer. Concordo plenamente:
o mundo seria um lugar melhor se as crianças tivessem
infâncias felizes.
Bj
Olinda