Todos já ouvimos a história de como Jesus fez ressuscitar uma menina de doze anos. Era filha de Jairo, o chefe de uma sinagoga. Jairo foi ter com Jesus, muito aflito:
«A
minha filha está morrer. Vem e põe as mãos sobre ela para que fique curada e
possa viver».
Mc 5,
23
Quando
chegaram a casa de Jairo, deram com toda a gente a lamentar e a chorar, pois a
menina já teria morrido. Mas Jesus disse:
«Que
agitação e gritaria é esta? A menina não está morta, está a dormir».
Mc 5,
39
Depois:
«Pegou-lhe
na mão e disse: «Talita kum», que
quer dizer: «Levanta-te menina! Sou eu que te digo!» E a menina, que tinha doze
anos, levantou-se imediatamente e começou a andar. Todos ficaram muito
impressionados. Então Jesus ordenou-lhes que não contassem nada a ninguém e
disse-lhes para darem de comer à menina».
Mc 5,
41-43
Deparei
com este episódio ao ler o jornal católico do bispado de Hildesheim, que recebo
regularmente. E pus-me a meditar em certos pormenores. Em primeiro lugar, não
se menciona, uma única vez, o nome da menina. Ela é sempre «a filha de Jairo». Naquele
tempo, as meninas e as mulheres eram muito subjugadas, à semelhança do que
ainda hoje acontece em certos estados islâmicos (recordemos o apedrejar da adúltera).
Sentir-se-ia esta menina tão oprimida, tão perturbada psicologicamente, que
tivesse desistido de viver? Teria perdido a força, a motivação, quiçá, deixado
de comer? A anorexia não terá surgido apenas no nosso tempo... Recusaria ela a
comida, emagrecendo quase até à morte, sem ninguém perceber porquê? Foi quando a
última frase desta história me saltou aos olhos: «Jesus disse-lhes para darem
de comer à menina»!
Tudo
parecia encaixar. O facto de Jesus lhe ter segurado na mão e se ter dirigido a
ela, só a ela, podia ter-lhe transmitido a confiança necessária para que ela
saísse da letargia em que se encontrava, recuperando a vontade de viver. Todos
nós sabemos que Jesus devia transmitir uma confiança e uma segurança incríveis.
E o tocar numa mão com carinho, a quem não está habituado, o considerar pobres
diabos como pessoas de plenos direitos… Tudo coisas que podem, de facto, operar
milagres.
Depois
destas cogitações, tornei a pousar os olhos no jornal. Normalmente, a seguir a
uma passagem do Evangelho, há um comentário de uma/a colaborador/a, normalmente, sugerindo o que podemos aproveitar do episódio para a
nossa vida.
Mal
pude acreditar no que lia! Emocionei-me. Não será por acaso
que, desta vez, o comentário foi escrito por uma mulher. E não resisto a
traduzir as impressionantes palavras da jornalista Andrea Schwarz:
Eu sou
a filha de Jairo. Não tenho nome, sou um nada, não sou ninguém, sou apenas a
filha de…
Assim,
não posso ser uma pessoa, não me posso tornar mulher. Assim, não posso crescer,
evoluir, seguir o meu caminho. Enquanto o meu pai me mantiver, sou apenas filha
– e não posso tornar-me mulher. O amor do meu pai mantém-me presa, de mãos
atadas.
Lutei muito
– e perdi. Agora, desisto.
Se não
posso tornar-me mulher, também não quero continuar a ser filha. A minha energia
esvai-se, recolhe-se. E morro todos os dias um bocadinho – porque não me deixam
viver.
Mas,
no fundo do meu ser, a vida ainda espera. Espera que chegue alguém que me toque
e reconheça o que tenho dentro de mim. Espero por alguém que me chame. E, um
dia, esse alguém chegará… Sei-o.
Até
lá, escondo-me. À minha volta, cresce uma sebe de espinhos, que me protege.
Para os outros, estou morta. Mas apenas durmo.
Quando
ele chegou, pôs a mão dele sobre a minha. Olhou-me – e viu-me! Ele viu quem se
quer tornar mulher. E disse: «menina», não «filha de…». Ele referiu-se a mim.
E
disse: «Levanta-te!» - Segue o teu caminho, como pessoa, como mulher!
Encarada,
tocada, reconhecida, amada, salva, liberta.
Foi
quando os espinhos se transformaram em rosas.
E eu
levantei-me e fiz-me ao caminho – e pude viver, finalmente viver.
Edição
da KirchenZeitung nº 26, de 28-06-2015
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