Apesar de, nos últimos anos, Portugal se ter
igualmente tornado num país de imigrantes, é, sobretudo, um país de emigrantes.
Não se compreende, por isso, que a temática seja rara na nossa literatura, comparado com a importância e o impacto
do fenómeno no nosso país. Assim, o resultado não é animador: quando se fala de
emigração, das duas, uma: ou é para enfatizar a capacidade que os portugueses
têm para se adaptarem aos países de acolhimento, ou é para criticar a soberba
dos emigrantes de visita à terra. Não nego a pertinência destes dois aspetos,
mas a emigração é muito mais do que isso. A emigração é sobretudo um corte radical
na vida de pessoas e suas famílias, com consequências que insistimos em ignorar.
Marcamos irremediavelmente a nossa vida, no momento em que emigramos, e nada é
como imaginamos, nem sequer como planeámos.
Estes motivos chegariam, por si só, para sustentar a
importância de um livro como este. Adicionemos-lhe agora a qualidade de uma
escrita sensível, sem se tornar kitsch, ou sentimentaloide, de Ferreira
de Castro, ao descrever a fissura interior de quem deixa a sua terra-natal,
para se aventurar num outro mundo, aliada à ingenuidade de quem espera
encontrar um paraíso que não existe. Manuel da Bouça adapta-se, sim, adapta-se
a tudo. Mas… a que preço? A sua desilusão é palpável. E não só no Brasil
longínquo, também o regresso à pátria se revela completamente diferente daquilo
que imaginara.
Este é, por isso, um livro importantíssimo, devia até
ser leitura, não digo obrigatória, mas recomendada, no ensino oficial. Aliás, qualquer
obra sobre este tema, a que lhe seja atribuída a qualidade necessária, devia
ser lida e tratada nas escolas portuguesas. E, não havendo tempo para um romance,
podia optar-se por um conto, pelo menos um, durante a escolaridade obrigatória.
Tenho apenas uma falha a apontar a este livro de
Ferreira de Castro: as mulheres surgem quase como meras figurantes. Antes que
me acusem de anacronismo, de que tenho de ver o contexto em que foi escrito o
romance, etc. e tal (uma acusação que está tanto na moda), acrescento que
compreendo perfeitamente que Ferreira de Castro assim tenha procedido, pois era
um homem da sua época (o romance foi publicado pela primeira vez em 1928). Além
disso, a personagem principal é masculina e o autor centra-se (e muito bem) na
sua perspetiva. Não será, no entanto, descabido que se chame a atenção para a
imagem estereotipada de mulheres e crianças, bem presente nesta frase:
«A sua alegria desvanecera-se e agora, volvido de novo
para o cais, ao ver os últimos emigrantes desembarcados, que caminhavam,
trôpegos e miseráveis, entre as mulheres e os filhos, apiedava-se deles» (p.
219).
Embora o masculino plural sirva para os dois géneros, temos a sensação de que a
frase apelida de emigrantes apenas os homens, reduzindo as mulheres e as
crianças a simples figurantes.
Porém, repito: marca de uma época, que não tira a importância
nem o mérito a este excelente romance. Pelo contrário. Ensina-nos que o mundo já foi diferente do que é hoje.
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