Dando finalmente continuação às minhas opiniões sobre livros, começo por falar do segundo volume da saga napolitana de Elena Ferrante.
Para mim, seria impossível não gostar deste livro, embora compreenda que haverá gente com dificuldades em apreciar o estilo de escrita de Elena Ferrante, que conta ao pormenor situações quotidianas. Mas é precisamente isso que me encanta. As frustrações e os rancores criam-se nessas ações consideradas normais e que passam despercebidas. Ou melhor: esforçamo-nos para que passem despercebidas, menorizando a sua importância. No entanto, são elas que nos moem por dentro e nos levam a tomar atitudes estranhas a nós próprias (e próprios). É através desta descrição pormenorizada da vida napolitana dos anos 1960 que tomamos consciência da violência psicológica exercida sobre crianças e jovens.
Vemo-nos transportados para um verão em Ischia, uma ilha no Golfo de Nápoles. Três jovens imaturas (ainda não completaram os 20 anos), duas delas já casadas (uma encontra-se inclusivamente grávida) comportam-se como típicas adolescentes, disputando a atenção, e mesmo o amor, de dois jovens solteiros.
Enfim, as casadas foram empurradas pela família para a vida matrimonial. Por um lado, para ajudarem monetariamente os parentes, por outro, a fim de se evitar que, como raparigas, façam alguma “asneira” (diga-se: perderem a virgindade e/ou engravidarem antes do casamento). Convencionalmente, são senhoras que usam os nomes dos maridos; psicologicamente, são jovens já desiludidas com a vida conjugal (não têm oportunidade de conhecer o carácter dos maridos, antes do darem o nó), à procura de uma aventura que as faça sonhar.
Ironicamente, é Lenú, a solteira (e narradora desta saga) quem fica a perder. E mais uma vez a sua amizade com Lina é posta à prova, pois a amiga casada rouba-lhe a sua paixão de infância. Mais: Lenú vê-se obrigada a colaborar, a fim de que os dois passem um fim-de-semana sossegado, no apartamento de um amigo. Incapaz de compreender a razão que a leva a mentir e a manipular, a fim de ajudar a amiga que a trai, Lenú acaba a cometer um ato que não deseja e do qual se envergonha.
Enfim, a infidelidade é descoberta, a resposta é a violência (que Lina, aliás, já conhece desde a lua-de-mel!) e o resultado é um casamento mantido por aparência entre dois jovens sem arcaboiço para lidarem com situações tão complicadas.
O enredo dá mais voltas, mas vou ficar por aqui, pois acho que já revelei demais. Escusado será dizer que só descansarei quando tiver lido a saga até ao fim. Farei, no entanto, uma pausa, antes de começar com o terceiro volume, apesar de quase não aguentar não saber como a história continua. Elena Ferrante dá-nos um fim inesperado, neste livro. A última frase, as duas últimas palavras, são bombásticas. Deixaram-me atordoada, com vontade de abrir imediatamente o terceiro volume. Parece-me, porém, aconselhável ler outros estilos e outros enredos, antes de mergulhar novamente no "caos italiano". Não só evito tornar-me refém de um único estilo, como tenho a certeza de que saborearei ainda melhor o livro que só iniciarei passado alguns meses.