FORAL DE ALCÁÇOVAS
A 25 de abril de 1279, D. Dinis cofirmou o foral de Alcáçovas.
Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
COMPROMISSO DE CASAMENTO
Estátuas de D. Dinis e D. Isabel, em Leiria
Faz hoje 744 anos que D. Dinis assinou o seu compromisso de casamento, em pleno cerco de Vide. O rei cercara o irmão Afonso por este ter decidido construir muralhas em torno da vila e aumentar uma torre, sem lhe pedir autorização.
Os agentes de D. Pedro III de Aragão, o pai da noiva, eram Conrado Lanceote e Bertrando de Vila Franca. O Rei Lavrador fez doação à noiva por núpcias das vilas de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós, doação que ficava assegurada pelas arras dos castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre e mais dez mil libras.
Na verdade, D. Dinis e D. Isabel, já estavam casados, nesta altura, embora ainda não se conhecessem. O casamento ocorreu por procuração, a 11 de fevereiro de 1281, no Paço Real de Barcelona. Os cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo D. João Martins de Soalhães, futuro bispo de Lisboa representaram o rei, por palavras de presente, na cerimónia de recebimento da noiva.
D. Isabel só deu entrada em Portugal cerca de ano e meio mais tarde, sendo as bodas do par real festejadas em Trancoso, a 26 de junho de 1282.
A tradição diz-nos que D. Dinis não apreciava os exageros caritativos da sua rainha. E que esta muito sofreu com os casos extra-conjugais do marido. A este propósito, transcrevo um pequeno excerto do meu romance:
Num serão abafado e quente de Junho, vieram dizer-lhe que a rainha não viria aos seus aposentos, como por ele solicitado, pois preparava-se para ir ao hospital de Santo Elói. Dinis dirigiu-se furioso ao Paço da sua consorte, apanhando-a já de saída, envolta pela cabeça numa capa escura muito simples, de camponesa.
- Proíbo-vos de deixar o Paço!
Ela limitou-se a replicar:
- Tenho os meus compromissos.
- Que adiareis, por uma vez. Hei mister de vos falar. Ou serão os vossos enfermos mais importantes do que el-rei?
- Não se trata de serem mais ou menos importantes. Trata-se de cuidar de quem necessita.
- Também eu hei mister de algo: de esclarecimentos. Dizei, que vos incomoda? Foi algo que disse ou… fiz?
Isabel fixou-o com os seus olhos perscrutadores. Dinis pensou ver naquele brilho uma certa acusação, algum ciúme, e convenceu-se de que ela realmente se vingava do sucedido em Coimbra. Em vez de se sentir culpado, porém, empertigou-se. Quiçá fosse aquele jeito dela de desprezar tudo o que fosse mácula humana. Mas não lhe competia, afinal, aceitar que ele tivesse as suas barregãs?
... venho lembrar este meu livro:
Algumas palavras da editora:
"Este talvez seja o único relato escrito sobre o que foi ser uma menina nos tempos da Revolução dos Cravos. Cristina Torrão, com sua prosa precisa e ágil, faz o leitor ver o que aconteceu quando a exploração, a desigualdade de género, a repressão sexual e a alienação cultural impostas pelo salazarismo estremeceram e desabaram sob o impacto libertador da Revolução dos Cravos".
O livro pode ser comprado aqui:
MOSTEIRO DE SANTA CLARA DE COIMBRA
Mosteiro de Santa Clara-a-Velha
A 19 de abril de 1314, D. Isabel obteve do papa Clemente V autorização para fundar o mosteiro de Santa Clara, em Coimbra. Neste mesmo dia, a rainha fez o seu primeiro testamento, onde expressou o desejo de ser enterrada em Alcobaça, desejo que viria a modificar num outro testamento, optando por Santa Clara. É curioso verificar ela não ter desejado ser sepultada junto de D. Dinis, no mosteiro de Odivelas. O rei morreu onze anos antes dela.
Clemente V foi o papa que extinguiu os Templários. A autorização para a fundação do mosteiro de Santa Clara foi das últimas, senão a última, por ele outorgada, pois morreu apenas um dia depois.
D. DINIS E O BISPO DO PORTO
Devido à sua política de centralização de bens na Coroa, D. Dinis teve muitos problemas com a nobreza e o clero. Um prelado que exerceu forte oposição foi D. Vicente, bispo do Porto, por sinal, padrinho do Rei Trovador. Aqui, uma cena do meu romance:
Em finais de Junho, Dinis deslocou-se ao Porto, onde o bispo D. Vicente o recebeu no seu Paço, no ponto mais alto do burgo sobranceiro ao rio Douro. O rei tentava contemporizar, mas o velho bispo mostrava-se intransigente. O monarca comprometera-se a não levantar obstáculos aos eclesiásticos no que se referia a adquirirem bens de raiz e, entretanto, já havia promulgado duas leis de desamortização dos bens do clero. Era um escândalo, declarava D. Vicente furioso. E não estava sozinho. Junto com os bispos D. João Martins da Guarda , D. Egas de Viseu e D. João de Lamego preparava um libelo com mais acusações contra a Coroa, a fim de o enviar ao papa.
Dinis pretendia evitar tal procedimento a todo o custo:
- Estou certo de que conseguiremos resolver o assunto entre nós.
- Não vejo como, Alteza. Se, passados três anos sobre a Concordata, ainda nos encontramos neste ponto, dificilmente a situação se modificará.
O velho clérigo, ao abrigo da sua idade e da sua experiência, não se deixava intimidar. Fizera frente ao pai e nada o impedia de o fazer ao filho.
Dinis insistiu:
- Presumo que não estareis interessado num novo interdito, depois do trabalho que deu levantá-lo. Seria uma desgraça para o reino. Vós, como homem da Igreja, vedes certamente ainda mais desvantagens nisso do que eu…
- Como homem da Igreja, D. Dinis, estou preparado para aceitar qualquer castigo que o pontífice resolva impor. O reino sobreviveu a mais de vinte anos de interdito e não deixou de ser cristão. Se for essa a única maneira de acabar com as inquirições abusivas e as escandalosas leis de desamortização, que seja!
D. Vicente era um osso duro de roer. E Dinis estava cheio do Porto, nunca achara grande beleza no cinzentismo das construções de granito e do próprio Douro, entalado naquele desfiladeiro. E não se livrava da humidade peganhenta. Mesmo agora, no pino do Verão, chovia quase todos os dias.
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA - CLAUSTRO DE D. DINIS
A 13 de Abril de 1310, D. Dinis colocou a primeira pedra do claustro do mosteiro de Alcobaça.
Concierge.2C, CC BY-SA 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0>, via Wikimedia Commons
NASCIMENTO DE D. PEDRO I E CERCO A PORTALEGRE
Representação do Rei Pedro I de Portugal na Sala dos Reis, Quinta da Regaleira, Sintra
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=62092638
Faz hoje 705 anos que nasceu D. Pedro I. Como todos sabemos, este rei ficou sobretudo conhecido pelo seu trágico amor por Inês de Castro.
D. Pedro I era neto de D. Dinis e de D. Isabel, filho de D. Afonso IV. Nasceu numa época complicada, em plena guerra civil, que opunha o seu avô ao seu pai.
Inês de Castro viria a ser assassinada no Paço mandado construir pela rainha Santa Isabel, junto ao mosteiro de Santa Clara, em Coimbra.
Nota: Encontrei datas diferentes (18 e 19 de abril) para o nascimento de D. Pedro I, na internet. A data de 8 de abril de 1320 é, contudo, apontada pela Dra. Cristina Pimenta, autora da biografia de D. Pedro I (Temas e Debates 2007). Também o Professor Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da biografia de D. Afonso IV (pai de D. Pedro) e o Profesor Sotto Mayor Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (avô de D. Pedro) apontam esta mesma data.
Também a 8 de abril, mas em 1299, D. Dinis fez o seu primeiro testamento, antes de partir para uma campanha contra o irmão (o rei contava trinta e sete anos). O infante D. Afonso revoltava-se pela terceira vez. D. Dinis montou cerco a Portalegre, a 27 de abril. O irmão resistiu mais tempo do que o esperado e o rei solicitou a intervenção da infanta D. Branca, a irmã de ambos.
Depois de a infanta ter conferenciado com o irmão mais novo, trouxe informações incomodativas.
- Afonso anda mui estranho - anunciou Branca a Dinis. - Acha-se com mais direito ao trono do que vós.
Com dificuldades em controlar a sua fúria, o rei remeteu-se ao silêncio. E foi Frei Vasco Fernandes quem inquiriu:
- Em que se baseia D. Afonso para afirmar tal?
Depois de uma hesitação, Branca acabou por responder:
- Baseia-se no facto de o matrimónio de meus pais só haver sido reconhecido pela Igreja em Junho de 1263.
Gerou-se um silêncio embaraçante, perante o abordar de um assunto julgado esquecido. À altura do seu matrimónio com D. Beatriz, Afonso III havia sido acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV. O rei estava ainda casado com Matilde de Boulogne, apesar de o casal já viver separado há quase uma década.
Seguiram-se cinco anos de contendas graves com a cúria pontifícia. O problema acabou por se resolver com a morte inesperada de Matilde, mas só passada mais meia década, Urbano IV legitimara o segundo consórcio do monarca.
- Afonso nasceu em Fevereiro de 1263 - prosseguiu Branca, - escassos quatro meses antes de o papa passar a bula de legitimação. Essa é a razão por ele dada para se considerar, digamos, mais legítimo do que o irmão rei.
Dinis tinha ganas de ir arrancar o estouvado do irmão ao castelo de Portalegre, a fim de lhe dar uma valente sova.
O infante D. Afonso só se renderia em outubro, logo partindo para o reino de Múrcia, onde possuía senhorios, por parte da esposa.
Nota: Apesar de se tratar de um excerto do meu romance (obra de ficção), na sua biografia de D. Dinis, o Professor Sotto Mayor Pizarro refere o infante D. Afonso ter realmente usado este argumento para se considerar com mais direito ao trono do que o irmão mais velho.
CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS
A imagem mostra uma anotação musical original de D. Dinis (encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo). O rei poeta não só escrevia os versos, como compunha a música das suas cantigas. Pelo menos, em alguns casos. Não é claro quantas músicas compôs.
Segue-se uma Cantiga de Amor de D. Dinis (com tradução em português actual):
«O meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa, senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará».
A mia senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal daquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi
mi e o mund’e muitas vezes Deus,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
A que mi faz querer mal mi medês
e quantos amigos soía haver,
e desasperar de Deus, que mi pês,
pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
A por que mi quer este coraçom
sair de seu lugar, e por que já
moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
In "Cancioneiro de D. Dinis", Nuno Júdice (Editorial Teorema, 1997)
D. AFONSO X DE LEÃO E CASTELA
Verifica-se hoje o 741º aniversário da morte de D. Afonso X de Leão de Castela, o Sábio. Afonso X era o avô materno de D. Dinis e igualmente poeta. Deixou as Cantigas de Santa Maria para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da lírica culta em Castela.
Imagem daqui
Como se vê, D. Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas, leis baseadas no direito romano. D. Afonso X determinou que os documentos régios fossem redigidos em castelhano, substituindo o latim, e assim o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe, do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de D. Afonso X ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana - terem convivido pacificamente em Toledo.
Catedral de Toledo Foto © Horst Neumann
Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.
D. Afonso X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha D. Beatriz, mãe de D. Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Esta herança permitiu a D. Dinis alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana.
D. Afonso X o Sábio, retratado no Libro de los Juegos, ou Libro de acedrex, dados e tablas.
A obra foi encomendada pelo próprio monarca e data de 1283.