Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

6 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (18)

 CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS

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A imagem mostra uma anotação musical original de D. Dinis (encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo). O rei poeta não só escrevia os versos, como compunha a música das suas cantigas. Pelo menos, em alguns casos. Não é claro quantas músicas compôs.

Segue-se uma Cantiga de Amor de D. Dinis (com tradução em português actual):

«O meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa, senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará».

A mia senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal daquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi
mi e o mund’e muitas vezes Deus,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A que mi faz querer mal mi medês
e quantos amigos soía haver,
e desasperar de Deus, que mi pês,
pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A por que mi quer este coraçom
sair de seu lugar, e por que já
moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

 

In "Cancioneiro de D. Dinis", Nuno Júdice (Editorial Teorema, 1997)

 

4 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (17)

 D. AFONSO X DE LEÃO E CASTELA

Verifica-se hoje o 741º aniversário da morte de D. Afonso X de Leão de Castela, o Sábio. Afonso X era o avô materno de D. Dinis e igualmente poeta. Deixou as Cantigas de Santa Maria para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da lírica culta em Castela.

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Imagem daqui

Como se vê, D. Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas, leis baseadas no direito romano. D. Afonso X determinou que os documentos régios fossem redigidos em castelhano, substituindo o latim, e assim o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe, do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de D. Afonso X ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana - terem convivido pacificamente em Toledo.

2011-06-08 Toledo 159.JPGCatedral de Toledo Foto © Horst Neumann

Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.

D. Afonso X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha D. Beatriz, mãe de D. Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Esta herança permitiu a D. Dinis alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana.

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D. Afonso X o Sábio, retratado no Libro de los Juegos, ou Libro de acedrex, dados e tablas.

A obra foi encomendada pelo próprio monarca e data de 1283.