A culpa começou a corroê-la, ao constatar a pontinha de alegria que sentia perante a desgraça alheia. Não costumava congratular-se com a infelicidade dos outros, ainda para mais, de um parente próximo. Estaria a ficar invejosa e mesquinha?
Ele ignorara-a e desprezara-a, fizera de conta, anos a fio, que ela não existia. Não ligara patavina às suas opiniões, nem quando ela o tentara avisar da desgraça iminente. Mostrou incómodo na sua presença, como se a sua existência fosse supérflua. Enchera-a de uma tristeza sem fim, convencera-a de que não valia nada, apesar de ela se ter esforçado por solidificar o laço que os unia. Quando ainda acreditava que esse laço existia.
A infelicidade atingiu-o, uma infelicidade que ela vira chegar, que adivinhara. Mas, sempre que o referia, ele fazia-a sentir-se ignorante, ou mesmo, afetada psicologicamente. «Pensas que és melhor do que os outros, que sabes mais do que os outros?» E, para dentro: «o melhor é não lhe ligar, nunca foi boa da cabeça».
Milhentas vezes, ela tentara a aproximação, o reconhecimento e o carinho dele. Sincera e de coração aberto. Mas batera contra a parede. E tanto bateu, que os seus sentimentos por ele foram arrefecendo. Uma chama, que, aliás, não se apagou, sem primeiro lhe provocar uma ardência interior, que a deixava acordada, noites a fio. A ferida foi cicatrizando, até ela tornar a poder dormir em paz, mas deixou o seu preço: ele quase deixara de ter significado na sua vida.
A infelicidade chegou. E ela sentiu a pontinha de alegria, o travo doce da vingança. Censurou-se. Mas travou a fundo. Livrar-se de qualquer sentimento de culpa era a única hipótese de manter a sanidade. E reparou que nunca na sua vida se sentira tão liberta.
2 comentários:
Ai,amiga como este texto mediz tudo, mas tudo!!! Obrigado por ele Rita!
Querida amiga, venho também desejar um feliz Natal. Muita saúde, paz, amor e felicidade. Beijinho e obrigado pela amizade. Pelas visitas e conselhos. E mais uma vez obrigado por este post. Abraço!!!
Obrigada, um Bom Natal também para si.
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