Só no Verão de 1179, D. Afonso Henriques terá segurado nas mãos o reconhecimento oficial da independência de Portugal. O papa Alexandre III emitiu a Bula Manifestis Probatum a 23 de Maio de 1179 e, tendo em conta as viagens morosas daquela época, essa prova documental terá chegado à corte coimbrã, na melhor das hipóteses, cerca de dois meses mais tarde, ou seja, na segunda quinzena de Julho.
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A chegada da Bula Manifestis Probatum à corte portuguesa deve ter sido um momento muito emocionante para o velho monarca.
O príncipe foi receber os recém-chegados, enquanto Afonso,
que já passara dos setenta, se limitou ao seu cadeirão, incapaz de se mover.
Tentava manter a calma, enquanto o cónego D. Pedro Feijão ali ficou, como que a
tomar conta dele, observando-o, preocupado. Nisto, surgiu a infanta Teresa,
olhando-o igualmente cheia de cuidados, puxando uma cadeira a fim de se sentar
ao lado dele, o que o fez exclamar:
- Mas
que é isto? Estão todos com medo que eu não aguente as novidades e me dê algum
fanico?
O
arcebispo, acompanhado pelo infante e pelo seu capelão, fez uma entrada
triunfal, saudou eufórico os presentes. Depois, foi direito ao monarca,
pegou-lhe nas mãos e anunciou:
- Boas
notícias, D. Afonso! Trago boas notícias!
Sentou-se
no cadeirão que lhe estava destinado e o capelão passou-lhe um invólucro
cilíndrico de couro para as mãos, que D. Godinho segurou como se de uma das
sete maravilhas do mundo se tratasse. Tirou lá de dentro um pergaminho enrolado
e anunciou:
- Isto,
meus senhores, é a bula Manifestis probatum est, de 23 de Maio deste
ano, e que eu recebi directamente das mãos do Santo Padre!
Fez um
sinal ao capelão para que este depusesse o documento nas mãos do monarca. O
prelado assim fez e, perante a expectativa de todos os presentes, Afonso
desenrolou o pergaminho, de mãos trementes. Mas estava incapaz de ler fosse o
que fosse. Não era só a agitação que o atacava. Além de ter esquecido tudo o
que sabia de latim, há anos que a sua visão vinha piorando. Tinha a impressão
de que um véu se lhe formava em frente dos olhos, no início, muito fino, mas ia
ficando cada vez mais espesso. Acabou por entregar o documento à infanta a seu
lado, pedindo:
- Lê,
filha, lê!
Teresa
fez uma primeira leitura em silêncio e anunciou emocionada:
- O Papa
reconhece-vos o título de rei, meu pai!
-
Finalmente - disse Afonso, de lágrimas nos olhos.
O
arcebispo sorriu ao infante e ao chanceler-mor, muito satisfeito. Depois,
pôs-se a limpar o suor da testa e do cachaço e ordenou ao capelão:
- Tenho
sede, arranjai-me qualquer coisa para beber! - E, virando-se para os lados: - É
que está um calor de rachar, não é verdade? E, apesar de esta etapa de hoje ter
sido curta, a gente ainda veio a cavalgar algumas horas.
O
infante Sancho, a quem a ansiedade fizera esquecer aquele pormenor, logo chamou
um lacaio, que fosse buscar um refresco de vinho. Teresa ia lendo o conteúdo da
bula ao pai:
-
Alexandre III confirma o documento de Lúcio II, tomando-vos e aos vossos
herdeiros sob a proteção da Santa Sé. Considera Portugal um reino pertencente
a São Pedro e promete o auxílio papal sempre que seja necessário defender a
dignidade régia do soberano português. Também os territórios que os portugueses
vierem a conquistar aos sarracenos gozarão da mesma proteção.
Chegou o
refresco, que pajens se encarregaram de distribuir pelos presentes. O arcebispo
apressou-se a esvaziar a sua taça, Sancho e D. Pedro Feijão deram alguns goles.
O rei e a sua filha ignoraram a bebida. E D. Godinho, sentindo-se retemperado,
lançou enérgico:
- O
Santo Padre reconheceu, finalmente, os méritos de um soberano que tão grandes
vitórias conseguiu sobre os inimigos da fé. Chama-lhe “intrépido destruidor dos
inimigos dos cristãos”, “diligente propagador da fé cristã”, “bom filho e
príncipe católico”, que deixa um “exemplo digno de ser imitado pelos vindouros”,
enfim, não poupa elogios a D. Afonso. Não é assim, D. Teresa? - E, dirigindo-se
aos outros: - Que eu já li a bula um monte de vezes, já a sei de cor e
salteado!
Teresa
tornou a passar o documento para as mãos do pai. Afonso engoliu em seco, a fim
de espantar as lágrimas e, depois de observar a bula durante alguns instantes,
disse:
-
Agradeço a Deus, que ouviu as minhas preces. Agora, sei porque é que Ele me
deixou tanto tempo vivo.
- Ámen -
concluiu D. Godinho, esvaziando a segunda taça.
Bula Manifestus Probatum, fonte: Direcção-Geral de Arquivos |
Com este post, encerro a série dedicada a D. Afonso Henriques, que percorreu as etapas mais importantes da sua vida. Quem quiser lê-las, pode clicar na etiqueta Citando Afonso I. Quem tiver um e-reader, iPad, iPod ou equivalente, fique atento: no início de Dezembro, haverá uma surpresa!
em destaque no Delito de Opinião.
ResponderEliminargostei.
Obrigada, Daniel :)
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